Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 12, 2009

Jeito errado Míriam Leitão

O GLOBO

A melhor razão para mudar a forma de remuneração da poupança é dar mais um passo na desindexação da economia. O melhor momento da mudança já passou: era ter feito com antecedência, e não apressadamente, entre uma e outra reunião do Copom. A melhor atitude do governo era não alimentar a especulação. A melhor postura da oposição era entender o seu próprio legado.

Um tema que poderia ser um avanço no lento processo de revisão do "arcabouço institucional brasileiro", como diria o Copom, acabou contaminado pela briga eleitoral de 2010, antecipada pelo próprio governo. Ter taxas fixas de remuneração, como tem a caderneta de poupança, é um entulho de uma época de inflação e juros altos no Brasil, duas anomalias contra as quais o país tem lutado. Para ter previsto esse momento, o governo precisava ter, no Ministério da Fazenda, capacidade de formulação de política econômica, o que não tem há muito tempo.

Os erros agora foram: ter que fazer algo de forma apressada, deixar o assunto ser contaminado pela política, ter dito que faria a mudança antes de estudar a melhor forma de fazê-la e estar apenas preocupado com o risco de os fundos de investimento perderem a competição com a caderneta de poupança.

Durante anos houve o contrário: a poupança tinha remuneração bem menor que os fundos e isso não tirou o sono de nenhuma autoridade de Brasília. Hoje, as taxas de retorno dos dois produtos se aproximam, em parte, pelas altas tarifas de administração cobradas pelos bancos.

Este problema é dos bancos. Eles ganharam, no ano passado, R$17 bilhões de taxas de administração de carteiras, cujo único trabalho que lhes dão é recolher o dinheiro e aplicar em títulos do Tesouro, sem risco algum. O que concerne ao poder público é continuar o aperfeiçoamento do Sistema Financeiro Nacional.

Grandes depósitos de caderneta de poupança deveriam, há muito tempo, ter perdido o benefício fiscal. O não pagamento de Imposto de Renda só faz sentido para as pequenas contas.

Neste caso da poupança todos erraram: governo e oposição. O governo porque foi o primeiro a alimentar a especulação de que alguma coisa iria mudar. O presidente da República e o ministro da Fazenda fizeram isso em diversas declarações, que mais lançavam dúvidas que esclareciam.

A caderneta é um instrumento tradicional de poupança popular; o Brasil é um país que não se recuperou ainda do trauma do Plano Collor. Tantos anos depois, as autoridades podem ter perdido a noção do tamanho do absurdo que foi cometido naquele triste governo. O instrumento de poupança de milhões de pequenos poupadores, que durante décadas foi sempre apresentado como "garantido pelo Governo Federal", enfrentou confisco e congelamento de depósitos.

Por isso, a frase da propaganda política do PPS - "O governo vai mexer na poupança, como fez o governo Collor" - foi irresponsável, porque bateu numa ferida e deixou intranquilos poupadores que têm pouco acesso a informações. O PSDB e o DEM, ao se recusarem a qualquer mudança, demonstram, de novo, que não entenderam o que fizeram. Vale lembrar: a desindexação da economia brasileira foi uma extraordinária mudança feita no país, que permitiu ao Brasil sair do limbo da hiperinflação concentradora de renda para o patamar de país com finanças organizadas. O respeito que o Brasil tem hoje só foi possível porque o Plano Real iniciou o processo de se livrar da terrível herança da indexação deixada pelos militares. Também para refrescar a memória da oposição: o Plano Real foi concebido sob a liderança do então ministro Fernando Henrique Cardoso, que, depois, durante seus oito anos no poder, manteve o processo de livrar o país do peso dos esqueletos e entulhos deixados pelo longo período de alta inflação.

Quando foi estabelecido o patamar mínimo de juros para a poupança, o Brasil tinha inflação alta demais e 6% de rendimento real pareciam nada. Depois, o Brasil manteve juros altos por tanto tempo que a insensibilidade permaneceu. Hoje, o país tem a chance de ter e manter juros reais abaixo de 6% ao ano. Esse avanço não chegou abruptamente. Por isso, a mudança na caderneta de poupança deveria ter sido pensada com antecedência pelo atual governo. Agora, ficam governo e oposição se acusando, e ambos têm razão: os dois lados estão errados. Mudar a poupança não é dar uma "tungada" no poupador. Se for bem feita, pode ser avanço de política econômica; e a mudança não pode ser feita para proteger os fundos de investimento na competição com a caderneta e, sim, para que não haja um patamar que impeça a queda da Selic.

O que paralisa o governo não são as razões nobres - proteger a poupança popular ou manter o financiamento para a dívida pública -, mas o risco de fazer algo impopular que o faça perder votos. O que atiça a oposição não são as razões nobres, mas, sim atingir a popularidade do governo.

É assunto complexo, delicado, técnico, que não viaja bem no ambiente curto-prazista e envenenado de uma campanha política. O que o governo está escolhendo agora, no seu cardápio de opções, é o que o fará perder menos votos, e não o que a economia brasileira precisa para se aperfeiçoar.

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