FOLHA DE S PAULO
BRASÍLIA - Um funcionário público organizava um evento há algumas semanas e encafifou com o fato de haver apenas copos de plástico para servir água às autoridades. Queria comprar copos de vidro. Alguém então teve a coragem de perguntar: "Qual é o problema de beberem água em copos de plástico?". Economizou-se dinheiro.
Esse episódio prosaico ilustra a cultura vigente no poder público nacional. Chefes de repartição exigem tratamento especial. Copos de plástico? Nem pensar. Para ministro, juiz ou congressista, a deferência requerida vai ao paroxismo. Há exceções, mas a regra dessa turma é sentir asco por ficar numa fila ou carregar a própria mala.
Essa ausência de valores republicanos está no DNA da atual onda de escândalos. Basta ver a sem cerimônia das respostas dos protagonistas. Para eles, tudo é legal. No Executivo, o ministro Hélio Costa (Comunicações) usa motorista e secretária pagos pelo Senado. Acha o despautério natural. No Congresso, metade dos deputados viajou ao exterior usando passagens aéreas destinadas ao exercício do mandato. O presidente da Câmara, Michel Temer, declarou considerar tudo "lícito".
Pelo menos dois ministros de altas cortes de Justiça tiveram integrantes de suas famílias recebendo tratamento especial quando em viagens ao exterior. Os benefícios oficialmente solicitados incluíam furar as filas de embarque e dispensa de abrir as malas na alfândega. O presidente do STF, Gilmar Mendes, aquiesceu: "O auxílio se presta nos aeroportos sem nenhuma conotação de privilégio".
Com seu poder de síntese, Lula resumiu o jeito macunaímico de fazer política no país: "Eu não sei o que vocês veem de novidade no que acontece na Câmara (...). Que um deputado utiliza passagem? Isso é utilizado desde que o Congresso é Congresso, gente". Em resumo, a cultura do privilégio está aí para ficar. Não há risco de melhorar.
Entrevista:O Estado inteligente
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