Delegado que apura caso diz a interlocutores que equipe de Dilma não respeitou normas
Decreto presidencial, de 2002, recomenda cuidado na manipulação de dados sigilosos, deixando claro possibilidade de punições
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A base de dados montada dentro do Palácio do Planalto com gastos sigilosos do governo Fernando Henrique Cardoso é um dossiê. Essa é a avaliação do delegado da Polícia Federal encarregado dessa investigação. Segundo a Folha apurou, a equipe de Sérgio Menezes concluiu que a Casa Civil não adotou um padrão técnico para o levantamento das despesas tucanas e não respeitou previsões legais relacionadas aos trâmites de documentos.
O material foi vazado a conta-gotas à imprensa em fevereiro, quando o governo Lula tentava impedir a instalação da CPI dos Cartões Corporativos.
Há quase um mês, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) nega a denominação de dossiê para o trabalho feito por sua equipe. As negativas ocorrem apesar do formato de organização das informações (extraídas sem justificativa do arquivo morto da Presidência), das observações com viés político contidas no documento e de os gastos do ex-presidente terem sido lançados numa base paralela ao sistema oficial de controle de suprimento de fundos.
O delegado Sérgio Menezes, que há uma semana investiga o caso, disse a interlocutores que o levantamento feito pela equipe de Dilma constitui um dossiê porque não seguiu o trilho normativo previsto no decreto 4.553, de dezembro de 2002, que dispõe sobre a "salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da administração pública".
Em primeiro lugar, a PF buscará saber se, como prevê o decreto, a Casa Civil criou uma Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos, que deve, entre suas atribuições, analisar periodicamente a documentação secreta produzida na repartição, determinar o destino de tais papéis e autorizar o acesso aos documentos reservados.
O decreto também sugere o uso de chaves de segurança (senhas) e de criptografia nos sistemas informatizados nos quais estão arquivados dados considerados sigilosos -o que a PF acredita não ter sido observado no acontecido.
Com base no artigo 37 do decreto, a PF vai buscar os responsáveis e definir eventuais punições. Diz o seu parágrafo 1º: "Todo aquele que tiver conhecimento, nos termos deste decreto, de assuntos sigilosos, fica sujeito às sanções administrativas, civis e penais decorrentes da eventual divulgação dos mesmos".
Até a conclusão desta edição, a assessoria de imprensa da Casa Civil não respondeu aos recados deixados pela Folha.
O dossiê contém informações sobre gastos com bebidas alcoólicas, entradas de cinema para seguranças que serviam à ex-primeira-dama Ruth Cardoso, além de pagamentos feitos a Roberta Sudbrack, chefe de cozinha do governo FHC.
Antes de definir em qual prática irregular ou ilegal poderá enquadrar os responsáveis por fazer o dossiê e por seu vazamento, a PF buscará desvendar a motivação dos atos.
Na semana passada, o ministro Tarso Genro (Justiça) disse que não é crime montar dossiês. Crime, disse, é funcionário público vazar dado sigiloso.
Reportagem da Folha informou que o Planalto cogita admitir publicamente que fez um dossiê para comparar gastos do casal FHC com os gastos de Lula e Marisa Letícia para se prevenir contra eventuais revelações incômodas da PF.
Hoje deve ficar pronta a perícia nos sete computadores que a PF apreendeu na Casa Civil (cinco laptops e dois de mesa). Ela deve mostrar quem acessou os dados do dossiê, quem o elaborou, trocas de e-mails e até eventual alteração de informações. É com base nisso que a PF definirá a lista de quem será ouvido. A PF tem, no total, 30 dias para concluir o inquérito.
Entrevista:O Estado inteligente
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