O Globo |
15/4/2008 |
Há muitos significados na montagem do gabinete do segundo governo do presidente do governo espanhol, José Luis Zapatero, além do fato de que ele pôs mais mulheres do que homens nos ministérios, exatamente nove em 17. Para um governo que tem como prioridades a igualdade, o desenvolvimento científico e o meio ambiente, tem significado especial a nomeação de Bibiana Aido para o novo Ministério da Igualdade, criado a exemplo do que já existe nos países nórdicos. Com 31 anos, ela nasceu depois da morte do ditador Francisco Franco, em 1975, e é a primeira política a fazer parte de um governo democrático na Espanha sem ter, por assim dizer, a memória da ditadura. Também o Ministério da Igualdade tem sua importância específica na Espanha moderna. Diferentemente do do Brasil, criado no primeiro governo Lula para tratar da igualdade racial, o da Espanha nasce para combater o machismo espanhol, tão arraigado que, apesar da maioria feminina, discute-se na imprensa quem será "o homem forte" do novo Ministério, se o ministro da Indústria, Miguel Sebastian, que ocupava anteriormente o cargo de assessor econômico com grande influência no governo, ou se o vice-presidente e ministro da Economia, Pedro Solbes. No entanto, muito além de ressaltar a paradoxal situação de um governo que pretende valorizar a igualdade dos gêneros, mas politicamente continua amarrado a preconceitos masculinos da política, a discussão sobre quem será "o homem forte" traduz uma disputa interna que pode causar crises políticas no governo. O titular da Economia, Pedro Solbes, continua no cargo, mas agora terá Sebastian como ministro com papel importante em áreas econômicas como energia, turismo, audiovisual. Se, como assessor econômico diretamente ligado ao presidente de governo, Sebastian era considerado uma "eminência parda" e entrou em conflito com muitos ministros, inclusive Pedro Solbes, no novo governo Sebastian dependerá da boa vontade do ministro da Economia para a liberação de verbas para suas áreas. Mas Solbes já definiu bem qual será seu papel: "Todo governo é uma coalizão entre o ministro da Economia e todos os outros ministros. Os ministros querem gastar, e o ministro da Economia tem que cuidar para que gastem dentro do possível, e que gastem bem". A própria junção do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura, tendo à frente outra mulher, Elena Espinosa Mangana, já mostra a visão moderna com que o novo governo pretende lidar com as questões mais polêmicas do setor, dando a uma ministra que tem fama de conciliadora a tarefa de compatibilizar os interesses econômicos da agroindústria e do meio ambiente. Há também a criação do Ministério da Ciência e Inovação, que, além de ter ficado com uma mulher, Cristina Garmendia, bióloga e empresária, levou para a sua estrutura as universidades, numa clara demonstração de que o governo de Zapatero quer juntar o empreendedorismo e a educação superior para alavancar a produtividade do crescimento econômico da Espanha, cuja previsão é de apenas 1,8% do PIB para este ano. A nomeação de mais impacto foi a de Carme Chacon, uma catalã e ainda por cima grávida, para comandar o Ministério da Defesa. A combinação das três condições provocou reações de setores mais conservadores minoritários, que consideraram a nomeação "uma afronta" às Forças Armadas. A gozação da maioria é dizer que não se sabe o que mais incomoda a esses conservadores, se o novo ministro ser uma mulher, ser natural da Catalunha ou se estar grávida. O fato de ser uma mulher a comandar as Forças Armadas não é novidade historicamente: Indira Ghandi acumulou a função com a de primeira-ministra na Índia, assim como Benazir Bhutto no Paquistão e Violeta Chamorro na Nicarágua. A mais bem-sucedida foi a atual presidente do Chile, Michelle Bachelet, que foi a primeira mulher e socialista a comandar as Forças Armadas chilenas, além de ser filha de um general assassinado na ditadura de Pinochet. Há quem reaja à indicação alegando que cabe às Forças Armadas preservar a unidade da nação, e nomear uma representante da Catalunha seria dar força aos anseios de autonomia da região. Ao contrário, Zapatero fez questão de falar o nome da nova ministra em catalão (chamou-a de Chacó) e trouxe novamente à tona, modernizado, o conceito de "Espanha plural" que Felipe González defendeu em 1982, quando nomeou também o catalão Narcís Serra para comandar a Defesa, num gesto muito mais ousado que o de hoje. A crise econômica é o principal desafio do novo governo, que tem um plano para enfrentar os dois anos que, otimisticamente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que durará essa crise. Nesse período, o governo vai reduzir impostos, promover crédito para construção de casas e financiamento para as empresas. A crise econômica levou também a que o governo socialista assumisse uma posição mais rígida com relação aos imigrantes. Grande flanco aberto para as acusações do Partido Popular (PP) durante a campanha presidencial, a política liberal de imigração será trocada. A medida mais polêmica ficará a cargo do novo ministro do Trabalho e Imigração, Celestino Corbacho, considerado um duro no trato com os imigrantes: financiar o retorno de todo trabalhador estrangeiro que não seja necessário. O novo governo do PSOE começa com modernizações capitalistas e endurecimento com as imigrações, que o novo ministro já associou à insegurança. Uma nova face do socialismo, definido como "republicanismo inovador", que necessitou se unir às esquerdas regionais, especialmente a catalã, para obter a maioria no Congresso. |
Entrevista:O Estado inteligente
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