Era uma vez, na Grécia Antiga, um grupo de lindas mulheres que habitavam rochedos escarpados sobre as margens do mar, entre a ilha de Capri e a costa da Itália. Suas vozes eram doces e suas palavras encantadas.
Um oráculo predissera que elas viveriam tanto tempo quanto pudessem deter os navegantes, impedindo sua passagem; mas se apenas um passasse, sem para sempre ficar preso ao encantamento de suas palavras e à doçura de suas vozes, elas morreriam. Somente um canto mais belo que o seu serviria de perdão, caso não impedissem a passagem de um só viajante. O que as fazia viver em permanente vigília.
Todos os que se aproximavam dos rochedos, atraídos pelo seu canto, eram seduzidos a tal ponto que se esqueciam de seu país, de sua família e até de si mesmos: não bebiam, não comiam, e morriam de inanição. Toda a costa ficou branca com os ossos daqueles que ali pereceram.
As Sereias foram vencidas duas vezes: Orfeu, um dos cinqüenta Argonautas, poeta sublime, tomou sua lira e dessa vez foi ele que as enlevou com seus versos e seu encanto. E o navio Argo passou incólume.
A segunda vitória foi de Ulisses. Obrigado a passar pelos rochedos das Sereias, mas tendo sido advertido por Circe dos perigos que correria, tapou com cera os ouvidos de todos os companheiros de viagem e se fez amarrar, de pés e mãos, a um mastro. E os proibiu de o desamarrarem, mesmo que ele viesse a implorar. Sábias precauções: Ulisses, mal ouviu as doces palavras e as vozes sedutoras, deu ordem aos companheiros que o soltassem, o que eles felizmente não fizeram. As Sereias, não tendo podido deter o grande navegador, precipitaram-se no mar e foram transformadas em pequenas ilhas rochosas, as Sirenusas.
Isso foi na Grécia Antiga.
No Brasil de hoje... temo que elas tenham ressurgido. Seu canto tornou-se monocórdio e feio como o piar de uma gralha, mas parece ter retido o encanto. O canto do Devanir – ah! a voz e o encanto do Devanir! -, a poesia do prefeito do Recife, e até o lamento do vice Alencar, repetem a magia das Sereias... Poderá o presidente resistir?
Peço ao presidente que se mire no exemplo de Ulisses. Quantos e quantos séculos se passaram e ele ainda é o herói admirado por muitas e muitas gerações! E hoje está tudo muito mais fácil: as bolas de cera podem ser compradas em qualquer farmácia de Paris. Vêm numa bela caixinha e são facílimas de colocar. E não custam caro. Nem precisa usar cartão, corporativo ou não. Não sei se o General Felix iria encará-las como assunto sigiloso, por isso não dou o nome de sua marca registrada aqui. Qualquer balconista sabe do que se trata.
Se a pessoa encarregada da compra não quiser falar em Sereias e com isso entregar o jogo aos espiões que pululam em nosso país, que diga que são bolinhas de cera para o companheiro(a) não ser incomodado com seu ronco. Pronto. Basta essa informação.
Resta uma pergunta: quem vai segurar o presidente e colocar as bolinhas de cera em seus ouvidos?
(Com a preciosa colaboração da Nova Mythologia Grega e Romana, de P. Commelin, Livraria Garnier, 6ª edição, tradução de Thomaz Lopes)
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