Governador afirma que há mais de mil ONGs envolvidas no debate sobre reserva e muitos interesses econômicos por trás disso
Roldão Arruda
O engenheiro civil José de Anchieta Júnior, de 43 anos, assumiu o governo de Roraima em dezembro do ano passado, após a morte do governador Ottomar Pinto - velho cacique político que ocupou a cadeira de governador roraimense em quatro mandatos. Até a semana passada, José de Anchieta, que é filiado ao PSDB, era quase desconhecido no cenário nacional. Ganhou destaque com um pedido de liminar, que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando a suspensão temporária da operação de retirada dos grupos não-indígenas da terra indígena Raposa Serra do Sol.
O pedido foi atendido na quarta-feira, às vésperas de um conflito que parecia inevitável, com risco de mortes - o que deu força política a José de Anchieta em Roraima e projeção para além das divisas estaduais. Em entrevista ao Estado, o governador, que nasceu no Ceará, disse que não concorda com a atual política de demarcação de terras indígenas, porque esvazia as fronteiras do País e põe em risco a segurança nacional e a integridade territorial do Brasil.
O que levou o senhor a entrar no Supremo com o pedido de suspensão da operação de retirada dos não-indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol?
Foi minha última cartada. Eu já tinha tentado sensibilizar o Ministério da Justiça, pedindo que interrompesse a operação por meio de ordem administrativa. Então fui ao Supremo, falar com o ministro Ayres Brito, que está analisando a questão. Encontrei boa vontade e um interesse imenso em resolver o problema. Mas existia uma incompatibilidade entre o tempo que ele levaria para dar uma solução e a iminência da ação policial. Então só me restou apresentar o pedido de liminar.
O senhor tomou a iniciativa quando o confronto na reserva, entre os arrozeiros e os policiais federais, já era iminente. Por que demorou tanto?
Eu acreditava que iria demover o governo federal dessa determinação de levar adiante a operação, antes que o Supremo julgasse o mérito da questão.
O senhor receou em algum momento a explosão do conflito, com risco de mortes?
Eu achava que o risco era iminente. Na terça-feira à noite me reuni com os delegados encarregados dessa operação e manifestei minha preocupação.
O senhor esperava que houvesse uma reação tão articulada dos arrozeiros, com a destruição de pontes e obstrução de estradas?
Não posso dizer que tudo isso ocorreu por orientação dos arrozeiros. Ali dentro existem empregados dos arrozeiros e centenas de outras pessoas não-índias que vivem e trabalham ali há mais de 40 anos. O problema mexe com os interesses de vários grupos. Os arrozeiros têm mais poder aquisitivo e por isso dominam a movimentação. As colheitadeiras usadas para obstruir a ponte no Distrito Surumu eram deles.
Como se chegou a esse impasse, com uma tropa de 500 agentes federais desembarcada no Estado?
É uma somatória tão grande de fatos que me faz pensar que a questão vai além da desintrusão de uma comunidade de uma área indígena. Essa política de esvaziamento de nossas fronteiras é perigosa. Me parece preocupante destinar uma área de 1,7 milhão de hectares para uma comunidade que não chega a 7 mil índios. Como é que vai garantir a segurança dessa área de fronteira? Esse é o sentimento que nós, da Amazônia, temos. Nós defendemos a Amazônia para os brasileiros - assim como as Forças Armadas, que se opuseram a essa operação e negaram qualquer apoio. Acharam que isso iria ferir o compromisso que o Exército, a Aeronáutica e a Marinha têm de manter a soberania e a integridade da nossa Nação.
Por que o senhor fala em “Amazônia para os brasileiros”? Acha que há interesses estrangeiros envolvidos nesse debate?
É preciso que a questão da Amazônia volte a ser discutida entre os brasileiros. Existem mais de mil ONGs envolvidas nesse debate. Não vou generalizar, porque existem organizações sérias, que trabalham pelo desenvolvimento humano. Mas existem muitos interesses econômicos por trás disso. Se você analisar o mapa das demarcações indígenas em Roraima, verá que elas se sobrepõem às áreas de maior riqueza natural, especialmente minérios.
Isso inclui a Raposa Serra do Sol?
Principalmente. Lá tem ouro, diamante, cassiterita e dezenas de outras riquezas naturais.
Os índios chegaram a essa região muito antes dos brancos e também são cidadãos do Estado que o senhor governa. Como é que vê as reivindicações deles?
Tenho o maior respeito e carinho pelas comunidades indígenas. Não queremos em hipótese alguma tirar o seu direito à propriedade das terras e às demarcações já existentes. Temos até uma proposta de convivência e pleno desenvolvimento para essas áreas. Na verdade somos nós que damos condições de vida aos índios, porque o governo federal demarca as áreas e vai embora. Não dá continuidade ao trabalho de apoio às comunidades que vivem lá. Se não fosse a ação do governo do Estado, com estradas, saúde, energia, educação, os índios viveriam no abandono.
No caso da Raposa, o senhor se opõe à forma como foi demarcada, como uma terra única e contínua, contrariando o desejo de grupos que desejavam a permanência de enclaves não-indígenas dentro da área?
No governo do presidente Fernando Henrique, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, veio aqui para conhecer a área e fez uma proposta de demarcação da reserva com ilhas - o que era uma proposta justa, que preservava o interesse de todos. Mas com esse governo que está aí veio a proposta de área contínua. Não podemos ser a favor dessa demarcação.