Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

CLÓVIS ROSSI Os talibãs de São Paulo

PARIS - Antes de escrever, preparo a mala para o retorno ao Brasil. Aterrorizado. De perto, o país -ou pelo menos a parte em que me toca viver, a cidade de São Paulo- sempre me pareceu primitivo, bárbaro. Com as óbvias ilhas de luz ou de sentido comum, mas, no essencial, selvagem.
O caso da menina Isabella parece ter levado a um mergulho ainda mais acentuado na barbárie. A reportagem de Laura Capriglione e Ricardo Westin sobre os tipos que se acotovelavam diante da delegacia em que o pai e a madrasta da menina estavam depondo é um compêndio completo sobre o regresso à selva, à lei da selva mais exatamente, de uma fatia dos paulistanos.
O texto é um desses momentos em que a essência básica do jornalismo, que é ver, ouvir e contar, joga luz nos subterrâneos da alma de uma cidade que se tornou crescentemente inóspita. Talvez a reação fosse a mesma em qualquer outra cidade do mundo, mas parece evidente que São Paulo e sua selvageria cotidiana atiçam, cutucam, os piores demônios que se escondem nos recônditos da alma.
O pior é que viajei após um texto em que criticava a condenação antecipada do pai e da madrasta pela polícia, sem que tivesse havido, naqueles primeiros momentos, qualquer investigação séria que permitisse acusar ou inocentar quem quer que fosse.
Dizia, então, que, se o casal fosse culpado, acabaria sendo condenado cedo ou tarde. Mas, se fosse inocente, teria sido condenado irremediavelmente, sem provas, sem julgamento, sem investigação.
Vinte dias depois, volto diante de um cenário ainda mais selvagem: o casal foi preso, julgado, condenado e linchado (simbolicamente, mas quase literalmente) a cada dia.
Já não apenas pela polícia, mas pelo público ou, ao menos, a parte dele que vai à porta da delegacia ou pela massa que se cala diante da vitória dos talibãs de São Paulo.

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