ELIO GASPARI
Faltam cinco dias para o início da efeméride dos quarenta anos de 1968. Os sessentões revisitarão aquele grande ano da aurora de suas vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos festivais de música, até o amargo desfecho da noite de 13 de dezembro, quando a ditadura militar escancarou-se.
Há uma aura mágica em torno de 1968, como se tivesse sido um ano que mudou o mundo. Ele teve muitos acontecimentos inesquecíveis, mas poucos resultados. No Brasil, começou na rua e terminou na sala de jantar do Palácio Laranjeiras, onde se baixou o AI-5. Na França, teve a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do presidente imperial Charles de Gaulle em junho.
Nos Estados Unidos, destroçado pela impopularidade da Guerra do Vietnã, o presidente Lyndon Johnson anunciou em março que não disputaria um novo mandato e, em novembro, foi eleito o republicano Richard Nixon. Em agosto a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, acabando com o que se denominara de “Primavera de Praga”.
O historiador inglês Tony Judt matou a charada: “Os anos 60 foram a grande era da teoria.” Os fatos perderam importância, substituídos pelo que se supunha ser a grande compreensão dos fenômenos. Havia até a expressão “racionar em bloco”.
A sacralização de 1968 omite o culto dos jovens rebeldes à violência das massas. Exemplo disso foi o apoio recebido pela Revolução Cultural de Mao Zedong. Da mesma forma, fazia-se de conta que os valentes vietcongs seriam incapazes de instalar uma ditadura que levaria centenas de milhares de pessoas a fugir do país em jangadas de junco.
Até a utopia rural de Pol Pot no Camboja tinha seu charme.
O grande ano da segunda metade do século passado não foi 1968, mas 1989.
O colapso do império soviético e a destruição dos regimes socialistas europeus, bem como a inviabilização dos projetos bicentenários de revolução política e social redesenharam o mundo.
Foi 1989 que permitiu aos revolucionários de 1968 a acomodação de suas idéias e biografias ao século XXI.
(Numa perfídia dos algarismos, 89 é 68 invertido e de cabeça para baixo.) A brutalidade da ditadura militar cobriu com um manto sagrado a natureza autoritária dos projetos de quase toda a esquerda brasileira.
Passado o tempo, essas militâncias são explicadas a partir da idéia de que aquela foi uma geração que correu atrás de um sonho. Tudo bem, pois ninguém pode discutir com uma pessoa que teve um sonho há 40 anos.
A sacralização do 1968 brasileiro tem seu melhor momento na gloriosa passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro, na tarde de 26 de junho de 1968. É pena, mas, por mais que ela tenha assustado os generais, foi outro fato que levou todas as águas do São Francisco para a moenda da ditadura escancarada. Naquela madrugada, um comando da VPR jogara um veículo com explosivos contra o portão do QG do II Exército, em São Paulo, matando o sentinela Mário Kozel Filho.
No Brasil, 1968 foi o ano de um terrível desencontro provocado pela radicalização política. Talvez não pudesse ser evitado, mas, ao contrário de 1989, teria sido melhor que não tivesse existido.
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