A sociedade já desistira de esperar que a oposição - particularmente o PSDB - se restabelecesse do estado de inanição em que se encontrava. Do Congresso, em geral, já não se espera alguma luz própria diante da hegemonia do Executivo - que, não de hoje, paralisou a capacidade de iniciativa parlamentar. Nem quando o presidente de turno se omite em relação a determinado tema, o Congresso toma a si e leva a bom termo o desafio de inovar. A reforma política, por exemplo, morreu na praia da Câmara dos Deputados. Acrescente-se que este ano a desmoralização dos políticos atingiu em cheio o Senado, com a seqüência de denúncias contra o seu então presidente, Renan Calheiros, e a afrontosa leniência dos seus pares (facilitada pelo voto secreto nas decisões em plenário sobre cassações).
Não deixa de ser irônico o fato de o mesmo Senado que negaria a Lula a cornucópia do imposto do cheque ter consumado, horas antes, o arranjo espúrio pelo qual o cacique alagoano entregou a presidência para conservar o mandato. O esquema tinha o aval do Planalto e fazia parte da operação para prorrogar a CPMF, que incluiu ainda liberação de verbas em grande escala e barganhas em torno de cargos - as costumeiras jogadas da baixa política. O palco para a principal votação do ano era o mesmo; não, porém, os enredos e os atores. Entre os 40 senadores que livraram Calheiros (ante 35 que votaram pela cassação) decerto havia governistas, oposicionistas e aqueles contra os quais se poderia levantar acusação idêntica à que desembocou na decisão em plenário: parceria oculta para a compra de emissoras.
Já entre os 34 contrários à CPMF estavam todos os 14 do Democratas e todos os 13 do PSDB. (Os demais, como se recorda, eram 6 da Maioria e o representante do PSOL.) Esse é o ponto capital: a oposição ressuscitou - e nenhuma democracia funciona sem uma oposição capaz de desempenhar eficientemente o seu papel institucional. Justiça se faça, a propósito, ao antigo PFL. Ainda em fevereiro, o partido decidiu que não transigiria na sua recusa à prorrogação do tributo. Impossível subestimar a influência dessa conduta reta na decisão tucana de seguir em bloco no mesmo rumo. Isso posto, a pergunta que o resultado deixou para o segundo ano do segundo governo Lula é se ele terá o descortino de tirar daí as lições que se impõem. O primeiro grande teste estará no modo como encaminhar o prometido projeto de reforma tributária.
Os sinais das últimas semanas têm sido animadores: fortalecem a expectativa de que o bom senso do presidente não se circunscreverá à sustentação das políticas graças às quais 2007 foi um autêntico annus mirabilis para a economia brasileira, com o espetáculo do crescimento em cartaz para casas cheias e longa duração assegurada. Sintomaticamente, na sua última entrevista do ano - um café-da-manhã com os jornalistas credenciados no Planalto, às vésperas do Natal - Lula abandonou de vez o catastrofismo dos seus pronunciamentos anteriores à eliminação da CPMF ("não tenho razão para perder nem meio minuto de sono"). Sintomaticamente também, dessa vez ninguém lhe perguntou o que fosse sobre o terceiro mandato. O assunto se evaporou do noticiário político - e não se pode minimizar o papel do presidente na remoção dos rumores sobre o que decerto seria um monumental retrocesso.
Liguem-se, em suma, os pontos desse excepcional 2007 e se verá forçosamente que nenhuma democracia latino-americana está mais consolidada do que a do Brasil