Para mim, estadista é aquele que, por ter a consciência de que seus atos presentes determinam o futuro das sociedades que representam, não se tornam reféns de medidas de curto prazo, cujo fim último é a manutenção da popularidade.
Numa linguagem mais simples: fazem aquilo que é o certo, pensando no bem comum e nas gerações que virão, sem ter como meta obsessiva a próxima eleição. São raros.
O caso das favelas é revelador. Uma delas, a Chácara do Céu, avança sobre um parque, uma área de preservação ambiental que o poder público revitalizou a custo de muito dinheiro. Obras ilegais são realizadas aos olhos de todos, caminhões cheios de material de construção são vistos com freqüência entrando pelo portão do parque que, pela lei, as autoridades deveriam se empenhar em manter. A imprensa cumpre o seu papel denunciando a destruição, mas nada, simplesmente nada, acontece.
Em pouco tempo, sabemos todos, o morro estará tomado por uma grande “comunidade”, que as mesmas autoridades passarão a ver como irremovíveis. A área se degradará, um cartão-postal deixará de existir, e as gerações futuras, tanto os moradores condenados a viver em situação subumana quanto os seus vizinhos do asfalto, pagarão pela incúria das autoridades do presente. Triste sina a nossa.
O parque ao pé do Dois Irmãos é tombado, mas o órgão encarregado da preservação do patrimônio público, ao ver-se cobrado, diz que as favelas fazem parte da paisagem. Inacreditável.
Como a favela está apenas começando a invadir aquela área, o Iphan lança mão de uma estranha lógica e, desde já, defende uma paisagem que ainda não existe. Resignação antecipada, se não fosse apenas cinismo.
Já o prefeito César Maia deu lições acertadas para o grupo que assina os seus textos diários distribuídos por email: disse que a expansão de favelas só será combatida com investimentos em moradias populares subsidiadas e investimentos expressivos em transporte de massas, bom e barato. Mas alegou que as duas coisas só podem ser feitas pelo governo federal. Será mesmo? Não terá a prefeitura instrumentos para contribuir? Mas, e o Favela Bairro? Criado por ele há 14 anos com o objetivo declarado de transformar as comunidades carentes em bairros formais, o que nunca aconteceu, o projeto se revelou um fracasso. Peguese tudo o que se investiu nele, e talvez descubramos quantas casas populares deixaram de ser construídas em terrenos já servidos por trem e metrô.
No mesmo texto, o prefeito disse que as áreas de proteção do ambiente cultural (Apacs), que seu governo expandiu pela Zona Sul, contribuíram para a contenção das favelas. Segundo ele, a região teria parado de crescer, já que novos prédios e lojas não puderam ser erguidos, uma vez que muitas casas estão preservadas. Como conseqüência, a demanda por mão-de-obra (trabalhadores domésticos, de serviço e empregados) também teria parado de crescer, o que levaria à estagnação das favelas, que só cresceriam por força da taxa de natalidade.
Tudo muito bonito, se os fatos não contrariassem a tese. Mesmo que haja menos casas que possam ser demolidas, o número de lançamentos imobiliários (inclusive na orla) continua expressivo, basta andar pelos bairros da região. E como dizer que o comércio e os serviços não crescem? O prefeito se esqueceu do gigantesco Shopping Leblon (para não falar do shopping do Flamengo, que conta com o seu entusiasmo)? As favelas continuam crescendo, portanto, e este crescimento é alimentado exatamente pelos fatores que o prefeito diz que não existem, mas que, na verdade, são fruto de suas próprias iniciativas.
E por outras políticas públicas equivocadas.
Uma delas talvez seja justamente o investimento em programas como o Favela Bairro e esse novo PAC das favelas. Incapazes de dar dignidade aos favelados, que continuam submetidos a condições subumanas de vida, tais programas têm pelo menos um efeito: aumentar a acessibilidade das favelas.
E aqui como no resto do mundo, uma área acessível, por definição, é uma área que atrai mais e mais gente, simples assim. Com o tal PAC do governador Sérgio Cabral, será criado um elevador em plena área nobre de Ipanema para melhorar o acesso ao Cantagalo. O que os formuladores dessas políticas públicas imaginam que vai acontecer? A favela continuará favela, com péssimas casas, péssimos serviços, dominada pelo tráfico, mas vai se tornar mais atraente apenas porque o acesso a ela ficará ainda mais fácil. O resultado será um só: as condições de vida continuarão um horror, mas a favela vai crescer, a custa do meio ambiente, da qualidade de vida dos seus moradores e dos seus vizinhos mais próximos. O mesmo acontecerá na Rocinha. Ao rasgar a favela com ruas largas, de alto a baixo, as condições de vida no lugar continuarão as mesmas, mas áreas antes de difícil acesso serão alcançadas com mais conforto.
Pode-se imaginar o boom que a favela experimentará.
A favela do Vidigal, vizinha da Chácara do Céu, é um bom exemplo do que descrevo acima. A prefeitura do Rio melhorou os seus acessos em 2000, construindo passarelas e rampas, dentro do Favela Bairro. Facilitado o acesso, o crescimento foi inevitável, e hoje ela caminha rumo à Rocinha. O que não mudou foi a miséria.
Quando as gerações futuras olharem para trás, prefiro não pensar no julgamento que terão dos governantes de hoje.
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