Melhores do ano
Outros bons autores de língua inglesa tiveram livros editados no Brasil em 2007, mas a meu ver abaixo do que podem, como John Updike, Julian Barnes, Don DeLillo e J.M. Coetzee. Isso para não falar em O Castelo na Floresta, último romance de Norman Mailer, uma das tantas perdas deste ano. Antes que me acusem de só falar de autores anglófonos, confesso que não tive tempo para enfrentar As Benevolentes, do francês Jonathan Littell, e que me diverti muito com Il Colore del Sole, suspense do italiano Andrea Camilleri sobre o pintor Caravaggio, ainda inédito em português.
Quanto aos brasileiros, O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza, e O Sol se Põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, são livros interessantes, mas, de novo, abaixo do que cada autor poderia ter feito com a mesma história. Outra tônica foi a grande quantidade de reedições ou novas traduções importantes. Livros de Onetti, Waugh, Faulkner; relançamento do Borges completo; reavaliações como a de Paula Fox, autora dos contos de Desesperados - muitos seriam os exemplos. Na poesia, traduções de Emily Dickinson por José Lira, de Sylvia Plath por Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo, além do clássico saxão Beowulf por Erick Ramalho, merecem aplausos. O melhor livro de poesia brasileira que li, claro, foi Meu Filho, Minha Filha, de Fabrício Carpinejar.
A lista de biografados ou perfilados brasileiros é grande: Dom Pedro II, Tim Maia, Rubem Braga, Joaquim Nabuco (que comento na próxima semana), Anita Malfatti, Oswald de Andrade (estas duas, reedições), Vinicius de Moraes (perfil por Sergio Augusto e mais seu cancioneiro), Gilberto Freyre. A melhor, ou mais completa, é a de Braga. Leu-se bastante, de novo, sobre a história brasileira, em livros como 1808, de Laurentino Gomes, ou em artigos como os recuperados de Raymundo Faoro, A República Inacabada, e na tese A República Consentida, de Maria Tereza Chaves de Mello. Ensaios de Luiz Roncari, Leyla Perrone-Moisés, Leda Tenório Mota e José Carlos Avellar também trouxeram ângulos novos para velhas e boas discussões. O grande prêmio é de A Dança dos Deuses, de Hilário Franco Júnior, um dos melhores sobre futebol.
Nos ensaios de autores estrangeiros, três temas foram dominantes: religião, meio ambiente e modernismo. Religião foi assunto polêmico de Richard Dawkins e Christopher Hitchens. O tema do meio ambiente teve boas contribuições de James Lovelock e Michael Pollan. E a arte moderna está em livros traduzidos de T.J. Clark e David Sylvester e em três outros lançados nos EUA que resenhei na semana passada: Modernism, do historiador Peter Gay; o terceiro volume da biografia de Picasso por John Richardson; The Rest Is Noise, do crítico Alex Ross. A ciência também rendeu bons livros, como a biografia de Einstein por Walter Isaacson, Eu, Primata, de Frans de Waal, Alucinações Musicais, de Oliver Sacks, e The Stuff of Thought, mais recente de Steven Pinker.
Nesta área também se viu o admirável trabalho de tirar o atraso editorial brasileiro. Livros de Samuel Pufendorf, Benjamin Constant e Trevor-Roper preencheram algumas lacunas da biblioteca liberal. Ensaios de Literatura Ocidental, de Eric Auerbach, e Piero della Francesca, de Roberto Longhi, representam dois dos maiores críticos do século 20. De críticos na ativa tampouco faltaram bons exemplos, como Shakespeare, the Thinker, de A.D. Nuttall, e The Power of Art, de Simon Schama. Istambul, de Orhan Pamuk, os dois de Ashley Kahn sobre jazz, Kind of Blue e A Love Supreme, e A Batalha pela Espanha, de Antony Beevor, felizmente saíram aqui.
Já sei, citei muita coisa. Quer ir ao foco? Voto em cinco melhores: O Mar, de John Banville; Homem Comum, de Philip Roth; Rubem Braga, de Marco Antonio de Carvalho; Alucinações Musicais, de Oliver Sacks; Istambul, de Orhan Pamuk. Boas festas.
DE LA MUSIQUE
Os CDs costumam ser minha segunda diversão de qualidade, embora não saiam tantos CDs bons quanto livros bons. As cantoras brasileiras embalaram o ano: Rosa Passos (que vi no Teatro Fecap), Roberta Sá, Marina de la Riva, Teresa Cristina, Maria Rita, etc. - além da portuguesa Teresa Salgueiro (Tom Jazz), que em Você e Eu só gravou canções brasileiras. Que Belo Estranho Dia pra se Ter Alegria, de Roberta Sá, foi o que mais me alegrou. O mundo pop teve White Stripes, Wilco, Paul McCartney, Björk, Joni Mitchell. Radiohead me parece um grau mais original, com In Rainbows, e não por ter feito o lançamento na internet. Mas pop m-e-s-m-o quem fez foi a encrenqueira, toxicômana e talentosíssima Amy Winehouse. Em apresentações ao vivo ela não vai tão bem, mas seu CD Back to Black é de uma força que havia muito não se escutava. Ela cantando Rehab ("no, no, no"), You Know I?m no Good e Love Is a Loosing Game (o amor é um jogo de perdas) é, como se dizia no Pasquim, duca...
Num campo menos popular, trabalhos que mesclam gêneros como Welcome to the Voice, de Steve Nieve, Contínua Amizade, de Hamilton de Holanda e André Mehmari, e Con el Permiso de Bola, de Gonzalo Rubalcaba e Francisco Céspedes, são um alento. E na chamada música "erudita" também houve poucos e bons. Três violoncelistas: Rostropovitch, morto neste ano e homenageado com a caixa Le Violoncelle du Siècle; Yo-Yo Ma (que voltou a brilhar no Cultura Artística), com Appassionato; Antonio Meneses (com Gérard Wyss), Música para Violoncelo e Piano de Mendelssohn. E três jovens para reanimar esperanças: o violinista Vadim Repin, o pianista Evgeny Kissin e o maestro Gustavo Dudamel.
CADERNOS DO CINEMA
Os melhores filmes que vi foram no começo do ano, dentro do "pacote" do Oscar, com destaque para Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, bem melhor do que Babel, de Alejandro Iñárritu, Borat, de Sacha Baron Cohen, A Rainha, de Stephen Frears, e Vênus, de Roger Mitchell. Ainda não vi Império dos Sonhos, de David Lynch, e A Maldição da Flor Dourada, de Zhang Yimou, dois cineastas que admiro. Piaf, de Olivier Dahan, vale pela atriz, Marion Cotillard.
Quanto ao cinema brasileiro, diga o que quiser, mas variado e inquieto ele tem sido. Tropa de Elite, de José Padilha, é o filme do ano, apesar dos problemas, e tem o ator do ano, Wagner Moura. O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia, vive de um brilhante Selton Mello. O Passado, de Hector Babenco, e Mutum, de Sandra Kogut, são filmes de poucas concessões. Em documentários, novamente dependemos de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, mas não vi ainda Jogo de Cena e não sou um dos entusiastas de Santiago, por beirar a autocomiseração.
OUTROS DESTAQUES
Por motivos profissionais, não pude ir muito neste ano a concertos, teatros e eventos noturnos em geral, mas não posso deixar de citar a peça dirigida por Felipe Hirsch, Educação Sentimental do Vampiro, com textos de Dalton Trevisan, e a nova coreografia do grupo Corpo, Breu, com música de Lenine. São pessoas que não confundem ser experimental com ser impenetrável.
As exposições não foram numerosas também. Vi fotos de Miguel Rio Branco na galeria Millan, revi no CCBB de São Paulo o Aleijadinho e Seu Tempo que tinha visto no Rio, etc. Curiosamente, neste lamentável período do Masp (que agora teve duas de suas obras mais valiosas furtadas!), ali curti Darwin e Goya.
POR QUE NÃO ME UFANO
Corte de gastos, privatizações ou concessões, melhora do ambiente de negócios, reforma tributária sem aumento da carga, combate à corrupção e à burocracia - muita, muita coisa pode e deve ser feita para "compensar a perda da CPMF", como dizem governo e imprensa. Em um ano ou dois os R$ 40 bilhões seriam recuperados. Além disso, a arrecadação vem crescendo muito acima do PIB, e o governo só fez aumentar despesa com pessoal, número de ministérios, cargos comissionados, alíquotas de impostos... O problema não é só perder a CPMF de repente; é adquirir competência administrativa de um ano para outro.