Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 26, 2007

O médico Palocci se consolida como a referência econômica do governo

O médico Palocci se consolida como a referência econômica do governo

Claudia Safatle e Raymundo Costa
Valor Econômico
26/12/2007

Dos oitenta aos primeiros anos do século 21, o ex-deputado Delfim Netto consolidou uma posição singular no Congresso. O ex-ministro dos governos militares era a maior referência econômica, no Legislativo, aos governos civis que se seguiram ao regime dos generais. Aos poucos o ex-ministro da Fazenda e agora deputado do PT, Antonio Palocci, revela um perfil parecido para o posto. Médico, Palocci não tem a densidade intelectual e o conhecimento do economista Delfim Netto. Mas, a exemplo dele e com um pouco mais de traquejo político, o ex-ministro avança na condição de interlocutor econômico confiável no governo e na oposição, além dos setores tradicionais da indústria e das finanças. Na Câmara, já há quem o chame de "o Delfim da esquerda"

É uma situação, no mínimo, estranha. A cada escorregão de Guido Mantega na Fazenda, o Palácio do Planalto lamenta a falta que Palocci faz no governo. Mas tanto um - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - quanto o outro - Antonio Palocci - também sabem que não há lugar para o deputado na Esplanada dos Ministérios. Por absoluta falta de condições políticas. Basta Palocci se movimentar com menos discrição para algum procurador remexer nos arquivos que guardam inquéritos contra o ex-ministro da Fazenda, como aconteceu há duas semanas em relação a um caso da época em que era prefeito de Ribeirão Preto (SP).

Lula e Palocci têm um acordo tácito. O ex-ministro fica no Congresso e se concentra na defesa dos processos que correm contra ele na Justiça. Um deles, aliás, nem sequer chegou ao Judiciário. Trata-se do inquérito que apurou a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Pereira, o caso que tornou insustentável a permanência de Palocci no Ministério da Fazenda - no PT acredita-se que ele não terá escapatória e será denunciado pelo Ministério Público Federal. Mas pelo acordo com Lula, o ex-ministro estará a postos para ajudar o governo, sempre que vier a ser convocado por Lula. Como aconteceu nas semanas que antecederam a votação da CPMF.

Palocci deu o primeiro passo. Quando viu a reunião pública de Guido Mantega com a cúpula do PSDB, para discutir a CPMF, na mesma hora comentou com colegas do PT. "Isso não vai dar certo". Palocci também advertiu o Palácio do Planalto: aquela não era a melhor maneira de negociar com a oposição. Em todos os comentários procurou preservar Guido Mantega por uma iniciativa - o almoço do ministro com os tucanos - na qual via as digitais impressas do senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

No entanto, apesar dos cuidados de Palocci, é certo que Mantega também se atrapalhou, e muito. Inábil politicamente, à certa altura bateu nos ombros de Tasso Jereissati, ainda presidente do PSDB, e disse que estava resolvendo "aquele assunto lá do Ceará" - a siderúrgica há muito reivindicada pelo tucano para o estado. Um constrangimento só.

Desde que se tornou relator da emenda da CPMF, o primeiro cargo de visibilidade que assumiu na Câmara, Palocci advertiu o então ministro Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais) para a necessidade de uma negociação simultânea com o Senado. Mares Guia reagiu com desdém: havia mais de 60 votos assegurados entre os senadores - dizia. A emenda foi aprovada na Câmara, emperrou no Senado e Walfrido deixou o governo. As conversas de Mantega com o PSDB deram em nada e Lula, que também provocara a oposição, decidiu chamar Palocci para ajudar. Junto com Eduardo Campos, governador de Pernambuco e amigo do já então presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

Desde que era prefeito de São Paulo, o governador José Serra tinha em Palocci um interlocutor que considerava "confiável". O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, também saiu das conversas com a certeza de que o ex-ministro é muito mais hábil politicamente que o atual. Mas os termos do primeiro acordo alinhavado esbarraram no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e no líder no Senado, Artur Virgílio (AM): 100% dos recursos para a Saúde, progressivamente, até 2010. O próximo presidente da República trataria do que fazer com o tributo a partir de 2012. Lula, Guido e os tucanos em geral gostaram; Virgílio e FHC não queriam votar e o senador alegou que a proposta era boa, mas chegara "tarde demais".

Foi quando Palocci, numa reunião na casa de Sérgio Guerra, na madrugada do dia em que a emenda seria votada, teve a idéia de recuperar uma antiga proposta do PSDB: prorrogação da CPMF por mais um ano (até 31 de dezembro de 2008), enquanto-se se negociava o tributo no projeto de reforma tributária a ser enviado pelo governo. Virgílio concordou. Palocci ainda advertiu que não poderia levar um acordo para Lula e os tucanos voltarem atrás depois. "Nós bancamos", disse Virgílio. Lula não gostou muito, mas foi convencido por Palocci e Guido Mantega que era a proposta mais prudente para ser levada a votação.

Pela manhã, Virgílio apareceu por volta das 10h - dormira um pouco mais que os outros. Mudara de idéia e estava irredutível. Ameaçou até renunciar à liderança do PSDB, caso fosse contrariado. FHC foi acionado para tentar mudar a posição do líder, e argumentou que seria difícil os tucanos votarem contra uma proposta que, na origem, era do PSDB. Não houve jeito. Quem presenciou a cena julga que Virgílio teve outros argumentos para convencer os tucanos. Mas até hoje eles são um ministério, se é que de fato existiram.

A rigor, a articulação de Palocci deu em nada. Mas sua atuação é elogiada por todas as partes envolvidas, inclusive o próprio Virgílio. É nessa toada que o ex-ministro pretende atravessar 2008. Ele quer presidir a Comissão de Finanças da Câmara, no próximo ano, cargo que, pelo acordo existente entre PT e PMDB, deve caber aos pemedebistas. Os petistas pretendem oferecer uma troca com a Comissão de Constituição em Justiça. Se não der certo, Palocci é pule de dez para ser relator da reforma tributária, projeto no qual continua achando que deve ser tratada a tributação sobre a movimentação financeira. Seria uma reforma simplificada, para viabilizar sua aprovação.

Passo a passo, é esse o projeto de Palocci para se recolocar no cenário político nacional. Como o "Delfim da esquerda", e se conseguir se livrar dos processos que responde e deve vir a responder na Justiça, talvez possa restabelecer para 2015 - de acordo com análises do PT - os planos que já teve em relação ao ano de 2010.

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