A terceira via nos estudos sobre células-tronco
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O futuro se tornou um pouco mais presente, depois que cientistas americanos e japoneses anunciaram ter conseguido transformar células da pele em células embrionárias – as quais, por sua vez, foram reprogramadas para se tornar células cardíacas e neurônios (foto acima). As embrionárias são um dos dois tipos de células-tronco. O outro é formado pelas adultas, encontradas, sobretudo, no cordão umbilical e na medula óssea. Células-tronco são indiferenciadas. Ou seja, podem adquirir as características dos variados tecidos do corpo humano. Quando for possível direcionar, sob total controle, a metamorfose de uma célula-tronco numa célula especializada, distúrbios degenerativos, como a doença de Parkinson, o Alzheimer e disfunções cardiovasculares, por exemplo, poderão ser curados. Bastará, para tanto, substituir os tecidos doentes por aqueles novinhos em folha.
Dos dois tipos de células-tronco, as embrionárias demonstram ser mais versáteis do que as adultas. Elas são capazes de se transformar em qualquer tecido. Já as adultas podem converter-se apenas em músculos, ossos, cartilagens e gordura. A grande questão nessa área de pesquisa é de natureza ético-religiosa. A manipulação de células-tronco originalmente embrionárias significa descartar um sem-número de embriões humanos – o que, do ponto de vista cristão, representa um atentado à vida. Por esse motivo, a possibilidade de transmutar células diferenciadas em embrionárias foi saudada pelo presidente George W. Bush, o falcão-mor do conservadorismo americano, e pelo papa Bento XVI como um atestado de que as pesquisas com embriões humanos, além de moralmente inaceitáveis, são desnecessárias. Do lado estritamente científico, porém, trata-se de um contra-senso. O que as equipes americana e japonesa fizeram, em 2007, foi abrir uma terceira via para os estudos sobre o assunto. Quanto mais caminhos, melhor para a medicina.
A substituição das cirurgias cardíacas
No início do ano, foram divulgados dois amplos estudos sobre a conduta mais adequada no tratamento de distúrbios do coração. O primeiro deles, chamado Mass II, foi realizado no Instituto do Coração, em São Paulo, pela equipe liderada pelo médico Whady Hueb. O segundo, intitulado Courage, teve como palco o Buffalo General Hospital, em Nova York. Ambos forneceram embasamento estatístico para uma tendência que já vinha se verificando nos principais centros de cardiologia do mundo: a substituição de boa parte das cirurgias de revascularização do miocárdio, como as de colocação de pontes de safena e mamária, por procedimentos menos invasivos, como a angioplastia, e até por tratamentos clínicos, com remédios e mudanças no estilo de vida.
O rato, o gato e as emoções humanas
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Em novembro, pesquisadores da Universidade de Tóquio deram uma contribuição interessantíssima para a compreensão do processamento das emoções instintivas. Eles criaram, em laboratório, ratos que não têm medo de gatos. Para chegar a esse objetivo, promoveram alterações genéticas no bulbo olfativo (a porta de entrada dos cheiros no cérebro) dos roedores, anulando funções do grupo de células responsável por detectar a presença de ameaças. Experiências como essa podem ser de utilidade para o desenvolvimento de remédios mais específicos (e, portanto, mais eficazes e seguros) no controle do transtorno do pânico, de fobias e emoções que, em muitos casos, resultam no surgimento de sintomas físicos – a somatização.
A dieta da fertilidade
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O tipo de carboidrato consumido por uma mulher tem impacto direto sobre a sua fertilidade. Os de digestão rápida, como pão branco e batata, estão associados a uma baixa na capacidade reprodutiva. Já os carboidratos complexos, ricos em fibra e, portanto, de digestão mais lenta, podem facilitar a gravidez. Tal constatação surgiu de um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Os pesquisadores acompanharam 18 000 mulheres, ao longo de oito anos. Do total, 17% tinham dificuldade para engravidar. Na análise do estilo de vida dessas mulheres, chamou a atenção dos médicos o fato de que elas se excediam no consumo de carboidratos simples. A explicação é que tal abuso altera o equilíbrio hormonal necessário para a concepção.
Ondas interrompidas
Uma onda cerebral específica, a CSD, está diretamente associada à enxaqueca, especialmente nos casos em que as crises são precedidas por um fenômeno conhecido como aura. Mais comum entre as mulheres, a aura é causada por uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, o que leva ao comprometimento momentâneo da visão e da fala. O que se descobriu agora é que o alastramento das ondas CSD, descritas pela primeira vez nos anos 40, pode ser interrompido por meio de determinadas substâncias químicas. Realizado na Universidade da Califórnia, o experimento que chegou a esse resultado abre uma nova frente de pesquisas contra um mal que aflige cerca de 35 milhões de brasileiros.
O sódio invisível de cada dia
O sódio usado nos produtos industrializados é o novo alvo da FDA, a agência americana de controle de remédios e alimentos. Principal componente do sal de cozinha, ele é uma ameaça à saúde. Os conselheiros da FDA estudam a criação de medidas que restrinjam a quantidade de sódio nos alimentos, a exemplo do que foi feito com a gordura trans. No Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, 90% dos produtos submetidos ao selo de certificação da entidade têm a substância em excesso – sobretudo os hambúrgueres de fast-food e os salgadinhos de pacote.
Como "desligar" a chave da fome
Encontrar uma molécula capaz de acionar o controle de "liga-desliga" dos centros cerebrais da fome e da saciedade é um dos objetivos dos pesquisadores envolvidos no tratamento da obesidade. Em novembro, um artigo publicado por médicos australianos na revista científica Nature Medicine trouxe uma boa notícia nesse sentido. Eles descobriram que a substância MIC-1, produzida por tumores malignos, tem o poder de "desligar" a chave da sensação de fome no cérebro. Quando a substância foi injetada em ratos de laboratório, além de comerem menos, eles perderam peso rapidamente. Levará tempo até que a MIC-1 possa ser sintetizada em laboratório, mas pode estar aí a solução contra os quilos a mais.
Uma operação contra o diabetes tipo 2
Ganhou impulso no ano passado uma das mais promissoras frentes de pesquisa para o controle do diabetes tipo 2: o tratamento cirúrgico da doença. Os primeiros estudos sobre o assunto mostraram que, com alterações na anatomia do sistema digestivo, é possível aumentar a produção do hormônio insulina e, assim, normalizar as taxas de glicose no sangue. A cirurgia consiste em aproximar uma parte do intestino delgado, o íleo, do estômago. Com isso, o alimento chega menos degradado ao íleo, favorecendo a produção das incretinas, a família de hormônios capaz de potencializar a secreção de insulina. Dois centros de pesquisa brasileiros se destacam nos estudos sobre a cirurgia do diabetes – o Hospital de Especialidades, de Goiânia, e a Universidade Estadual de Campinas, no interior paulista. Dos diabéticos operados até agora, todos dispensaram as injeções diárias de insulina. Em artigo publicado na revista Surgical Endoscopy, da Sociedade Americana de Cirurgiões Gastrointestinais e Endoscópicos, a equipe de Goiânia relatou que, em 90% dos casos, os pacientes conseguiram se livrar por completo do diabetes.
Uma luz para a degeneração macular
Durante um congresso oftalmológico realizado na Espanha, em abril, foram apresentados os primeiros resultados de uma técnica (ainda experimental) que se tem revelado eficaz no controle da degeneração macular, a principal causa de cegueira em pessoas com mais de 60 anos. Trata-se do transplante de um pedaço de retina para a mácula, a estrutura responsável pela visão central. Ao ser transplantado, o tecido assume as funções maculares, detendo o avanço da doença. Em metade das cirurgias realizadas, a degeneração foi estabilizada. Nenhum método disponível até o momento é capaz de reparar o dano causado pela morte das células dessa região do olho.
O centro cerebral do vício
Pesquisadores das Universidades de Iowa e do Sul da Califórnia anunciaram, na revista Science, a descoberta do centro cerebral do vício. O ponto de partida foi a análise do caso de um homem de 38 anos. Tabagista compulsivo, depois de sofrer um derrame, ele perdeu instantaneamente a vontade de fumar. Ao examinarem o seu cérebro, os especialistas notaram que o derrame havia lesionado uma pequena estrutura localizada numa das regiões mais profundas do órgão, a ínsula (a área vermelha da imagem ao lado). Outros pacientes, também ex-fumantes e com danos na mesma região cerebral, foram avaliados. A maioria deles havia abandonado o vício depois de sofrer um derrame. Tudo indica que está aberto o caminho para a criação de terapias mais precisas contra o tabagismo e outros vícios.