O GLOBO,
O ano poderia ter sido excelente na política; foi péssimo. Houve riscos de ser um ano difícil na economia; foi ótimo. O governo perdeu a lua-demel e a força do primeiro ano de um novo mandato; não fez reformas, nem novas propostas que removam os velhos obstáculos ao crescimento sustentado. As sombras de uma crise externa não reduziram o ritmo da economia, e o PIB cresceu muito além do esperado.
O país cresceu puxado pela economia interna; e não pela externa. Isso pela primeira vez em muito tempo. Foi o aumento da renda, do emprego e, principalmente, do crédito que fez deste um ano de consumo com alguns números exuberantes, como o das vendas de computadores e carros. A queda do dólar barateou produtos industriais, o que elevou o consumo, mas isso reduziu o superávit comercial. Pela primeira vez na década, a balança comercial cai e pode fechar abaixo de US$ 40 bilhões. Isso significa uma redução de US$ 6 bilhões em relação ao pico. Nada demais. O saldo continua alto, e uma grande parte do aumento das importações foi de bens de capital: setores os mais variados compraram máquinas para se modernizar. Dando tudo certo, os investimentos vão aumentar a produção e a produtividade no futuro.
Na política, o ano começou com o presidente Lula com a força da renovação do mandato nas urnas, depois de uma campanha difícil, marcada pelas denúncias de corrupção do mensalão.
Com a força da vitória, ele montou uma enorme coalizão. Ela serviu exatamente para... nada! O ano político se perdeu pela incapacidade de o governo usar o domínio natural que tem sobre a agenda legislativa em alguma direção. O país ficou à deriva politicamente.
Ora o Senado era utilizado como trincheira de defesa do ex-presidente Renan Calheiros, ora a base parlamentar usava a ameaça de perda da CPMF para chantagear o governo por cargos e verbas. O PT elegeu, para presidilo, Ricardo Berzoini, que era o chefe da campanha eleitoral de Lula em 2006, quando foram flagrados, com R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo, funcionários do escritório de campanha. Mas ele assumiu falando em “ética”.
Como diria Ancelmo Gois: é, pode ser. O grande salto ético foi dado pelo Supremo Tribunal Federal quando, pela relatoria do ministro Joaquim Barbosa, iniciou o julgamento dos 40 envolvidos no mensalão. A boa peça, apresentada como denúncia pelo procurador-geral da República, aliada ao voto organizado e compreensível de Joaquim Barbosa, ajudou o país a relembrar os fatos, e os ministros a evitar os conchavos que poderiam levar ao alívio os mais poderosos. O PAC teve mais espumas que fatos; conseguiu investir menos de 60% do dinheiro previsto no Orçamento. O que realmente aconteceu de investimentos foi o que já haveria mesmo — com ou sem PAC —, como os feitos pela Petrobras e por empresas privadas. O país continua com seus gargalos logísticos, mas a boa notícia foi o leilão das rodovias, vencido pelo consórcio que derrubou o pedágio para níveis bem mais baixos que os cobrados atualmente. Na energia, só a chuva atenua os riscos de apagão num cenário de manutenção do atual ritmo de crescimento. Depois de muito acusar o Ibama pela falta de licença ambiental, o governo adiou três vezes a licitação da primeira usina do Rio Madeira. O leilão acabou acontecendo no último mês do ano, mas com forte presença estatal. Madeira é o centro do dilema: o governo decidiu fazer a Amazônia produzir energia, e a mudança climática exige cada vez mais que o Brasil preserve a floresta.
Com tudo isso, foi um ano notável por várias boas notícias: os empresários captaram mais no mercado de capitais que no BNDES. A bolsa bateu recordes mundiais de valorização. O país conseguiu passar bem pela ameaça de crise externa com o estouro da bolha imobiliária americana. O investimento direto estrangeiro ultrapassou US$ 30 bilhões. As vendas cresceram muito acima do esperado. O mercado imobiliário comemorou um ano como há muito tempo não se via no setor. Quando a crise americana estourou, foi um susto: aquele enorme gigante atingido no que tem sido o motor do seu crescimento, o consumo das famílias. Nos últimos anos, o consumo nos Estados Unidos vinha sendo puxado exatamente pela valorização dos imóveis, que deu aos americanos a impressão de que eles estavam ficando mais ricos. Quando estourou a crise, viram-se mais endividados.
Os rombos nos bancos assumiram proporções bilionárias, e ainda não são complemente conhecidos. Previu-se o pior. Ele não aconteceu porque os bancos centrais do mundo inteiro jogaram montanhas inacreditáveis de dinheiro no mercado para evitar a temida crise de crédito. Não evitaram exatamente, mas atenuaram os riscos. Outro motivo foi a boa saúde mostrada pelas economias dos países emergentes. O Brasil entre eles. O ajuste externo brasileiro, com a redução da dívida externa, a manutenção do superávit em conta corrente e a acumulação das reservas, ajudou o país a se preservar na crise como opção de investimento.
O ano termina bem, apesar do sufoco de dezembro, com queda de CPMF e indícios de pacotes, mas fica aquela sensação, de novo, de que, se o governo tivesse tido rumo e empenho, poderia ter aproveitado 2007 para novas reformas que garantissem o crescimento sustentado. Melhor que um ano bom, são vários seguidos. Por isso, aqui fica o desejo da coluna: Feliz Ano Novo!
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