FOLHA DE SP - 07/05
Ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito
Quando vim morar no Rio, vindo de Vitória -eu era uma criança-, lembro que em Copacabana, onde morava, existia um único personagem gay. Seu nome era Bob; quando visto na rua, era um acontecimento, e logo se comentava "eu vi o Bob hoje" -e em que lugar, e como estava vestido, e todos os detalhes.
Ninguém o conhecia, de conversar, mas ele era uma pessoa que fazia parte da vida do bairro, e era o único. O tempo foi passando, outros gays foram surgindo -atores, cantores, artistas em geral-, e ainda mais tarde muitos amigos foram, aos poucos, saindo do armário.
No início se comentava, discretamente, essas modificações sexuais; depois, nem foi mais preciso, pois não havia nem mais armário onde as pessoas se escondessem, e a vida ficou mais prática.
O que eu não entendo: será que no tempo em que -aparentemente- só existia Bob, a comunidade gay era tão grande como no presente, só que todos se escondiam?
Hoje, às vezes, a existência dessa população parece maior do que a dos héteros, e num domingo de verão em Ipanema só vendo para crer: são bandeiras em arco-íris, tangas extravagantes, alguns de brincos, pulseiras, colares, cabelos de todas as cores e formatos; a paquera é franca e aberta, prova da liberdade que têm todas as pessoas, nos dias de hoje, de escolher o que querem ser, em matéria inclusive de sexo.
Mas eu me pergunto: nos tempos passados, será que eram tantos assim, só que enrustidos, ou essa população cresceu tanto? Não sei se é a onda -ou moda- do casamento gay, de que tanto se fala, que pegou, como tantas modas pegam ou não.
Mas penso que ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito, desde sempre, e como não existem mais os problemas de repressão, quem tinha razão era Cole Porter, em sua maravilhosa canção "Anything Goes" (numa tradução livre, Tudo é válido).
Tudo bem, tudo certo, só que -volto a dizer- ninguém fica homossexual porque está na moda, e é aí que entra uma outra indagação que não tem nada a ver, mas pensamentos são assim mesmo: vão chegando e não têm nada a ver um com o outro.
Existem os que não sabem cozinhar um ovo, e por mais que esteja na moda nos dias de hoje, para homens e para mulheres, entrar na cozinha e fazer um prato maravilhoso, não é esse fato que vai ajudar ninguém a fazer um ovinho mexido delicioso. Ou você nasce com o dom divino de lidar com as panelas, ou não, e isso não se aprende: é dom mesmo.
Mas eis que hoje você liga a televisão, abre uma revista, e se dá conta de que todo mundo agora é chef. Todas as mocinhas e rapazes que não sabem o que ser na vida fazem um curso em Paris, Londres ou Nova York, viram estrelas dos restaurantes mais fantásticos, e eu não consigo entender que tantas pessoas tenham adquirido esse talento que, no meu entender, vem do berço: o de cozinhar bem.
Para mim, ou você nasce com tendência a ser gay, ou a mão boa para fazer um belo prato na cozinha, porque certas coisas são difíceis de improvisar.
O mais provável? Que eu cada vez entendo menos desse mundo.
Ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito
Quando vim morar no Rio, vindo de Vitória -eu era uma criança-, lembro que em Copacabana, onde morava, existia um único personagem gay. Seu nome era Bob; quando visto na rua, era um acontecimento, e logo se comentava "eu vi o Bob hoje" -e em que lugar, e como estava vestido, e todos os detalhes.
Ninguém o conhecia, de conversar, mas ele era uma pessoa que fazia parte da vida do bairro, e era o único. O tempo foi passando, outros gays foram surgindo -atores, cantores, artistas em geral-, e ainda mais tarde muitos amigos foram, aos poucos, saindo do armário.
No início se comentava, discretamente, essas modificações sexuais; depois, nem foi mais preciso, pois não havia nem mais armário onde as pessoas se escondessem, e a vida ficou mais prática.
O que eu não entendo: será que no tempo em que -aparentemente- só existia Bob, a comunidade gay era tão grande como no presente, só que todos se escondiam?
Hoje, às vezes, a existência dessa população parece maior do que a dos héteros, e num domingo de verão em Ipanema só vendo para crer: são bandeiras em arco-íris, tangas extravagantes, alguns de brincos, pulseiras, colares, cabelos de todas as cores e formatos; a paquera é franca e aberta, prova da liberdade que têm todas as pessoas, nos dias de hoje, de escolher o que querem ser, em matéria inclusive de sexo.
Mas eu me pergunto: nos tempos passados, será que eram tantos assim, só que enrustidos, ou essa população cresceu tanto? Não sei se é a onda -ou moda- do casamento gay, de que tanto se fala, que pegou, como tantas modas pegam ou não.
Mas penso que ninguém se torna gay de repente, só porque está na moda; alguma semente deve existir, lá no fundo do peito, desde sempre, e como não existem mais os problemas de repressão, quem tinha razão era Cole Porter, em sua maravilhosa canção "Anything Goes" (numa tradução livre, Tudo é válido).
Tudo bem, tudo certo, só que -volto a dizer- ninguém fica homossexual porque está na moda, e é aí que entra uma outra indagação que não tem nada a ver, mas pensamentos são assim mesmo: vão chegando e não têm nada a ver um com o outro.
Existem os que não sabem cozinhar um ovo, e por mais que esteja na moda nos dias de hoje, para homens e para mulheres, entrar na cozinha e fazer um prato maravilhoso, não é esse fato que vai ajudar ninguém a fazer um ovinho mexido delicioso. Ou você nasce com o dom divino de lidar com as panelas, ou não, e isso não se aprende: é dom mesmo.
Mas eis que hoje você liga a televisão, abre uma revista, e se dá conta de que todo mundo agora é chef. Todas as mocinhas e rapazes que não sabem o que ser na vida fazem um curso em Paris, Londres ou Nova York, viram estrelas dos restaurantes mais fantásticos, e eu não consigo entender que tantas pessoas tenham adquirido esse talento que, no meu entender, vem do berço: o de cozinhar bem.
Para mim, ou você nasce com tendência a ser gay, ou a mão boa para fazer um belo prato na cozinha, porque certas coisas são difíceis de improvisar.
O mais provável? Que eu cada vez entendo menos desse mundo.