Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 23, 2010

Arnaldo Jabor - A difícil missão de Dilma Rousseff

O Globo

A segunda luta para a tomada do poder


'Dilma, faz isso; Dilma, faz aquilo...

Dilma, corta o cabelo! Dilma, se maquia mais rosadinha! Dilma, você está sem emoção, tem de passar mais verdade... Dilma, seu sorriso não está sincero... Dilma isso, Dilma aquilo..." (Coitada da pobre senhora que, canhestramente, segue as ordens do patrão e dos petistas que a usam para ficar eternamente em seus buraquinhos ou para realizar o que seria a torta caricatura de um vago socialismo, que não passa de uma reles aliança com a banda podre do PMDB.) "Dilma, não fale nada de novo sobre aborto, que você já deu uma entrevista na TV e agora não adianta desmentir. Dilma, ajoelha, isso, sei que está cansada, mas ajoelha e faz cara de religiosa devota de Nossa Senhora Aparecida; Dilma, eu sei que você é ateia, que para você a religião é o ópio do povo, mas dane-se, ajoelha e reza, mas não fica com a cara muito em êxtase feito uma madre Tereza de Calcutá, não, que eles desconfiam. Dilma, levanta e vai confessar e comungar, mas não conte tudo ao padre, não, porque esses padres de hoje não são confiáveis e podem fazer panfletos. Dilma isso, Dilma aquilo!... Sei que foi duro para você, bichinha, ser preterida pela Marina, tão magrinha, um top model do seringal, sabemos de tudo que você tem sofrido, mas você é uma revolucionária e tem de aguentar as intempéries para garantir os empregos de tantos militantes que invadiram esse Estado burguês para 'revolucionar' por dentro. Viu, Dilma? Feito ensinou aquele cara italiano de que os comunas vivem falando, o tal de Gramsci... Só que nosso Gramsci é o Dirceu... ah, ah... Você tem de esquentar minha cadeira até 2014, pois você acha que vou ficar de pijama em São Bernardo?" Aí, chegam os marqueteiros, escondendo sua depressão, pois o segundo turno não estava em seus planos de tomada do poder: "Dilma, companheira, esculacha bem o FHC e o Serra, pois você pode inventar os números que quiser, porque ninguém confere. Diz aí que nós tiramos 28 milhões de brasileiros da miséria! Claro que é mentira, pô, mas diz e esconde que foi o governo do FHC que inventou o Bolsa Família e negue com todas as forças se disserem que o Plano Real tirou 30 milhões da faixa de pobreza, quando acabou com a inflação.

Esqueça no fundo de tua mente que a inflação só ameaçou o Plano Real quando Lula barbudo ia vencer... Mas, quando o Duda escreveu a cartinha do Lulinha 'paz e amor', a inflação voltou ao normal.

"Dilma, você tem de negar em todos os debates que o PT tentou impedir o Plano Real no STF, assim como não assinou a Constituição de 88 para não compactuar com o 'Estado burguês'; todos têm de esquecer que fomos contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que demos força a todos os ladrões que pudemos para manter as alianças para nosso poder eterno, pois as ordens do companheiro Dirceu ('Sim, doutor Dirceu, como está? Estamos ensinando aqui à dona Dilma suas recomendações...') eram: atacar tudo do governo FHC, mesmo as coisas inegavelmente boas. Dilma, afirme com fé e indignação que 'as privatizações roubaram o patrimônio do povo', mesmo sabendo que a Vale, por exemplo, quando foi privatizada, em 97, valia R$ 8 bilhões e hoje vale R$ 273 bilhões, que seu lucro era de R$ 756 milhões e que agora é de R$ 10 bilhões, que seus empregados eram 11 mil e que agora são 40 mil. Mesmo sabendo que a Embraer entregava quatro jatos em 97 e que agora entrega 227, que a telefonia não existia na Telebrás e que agora quase todos os brasileiros têm celular. Não podemos divulgar, mas a telefonia privatizada aumentou o número de telefones em 2.500%... Isso. Mas não diga nada.. Pode citar número quanto quiser, que ninguém confere... Diga que os municípios têm saneamento básico, quando metade não tem esgoto nem água tratada, depois de nossos oito anos no poder... Pode dizer o que quiser. Viu o belo exemplo do Gabrielli, que ousou dizer que o FHC queria que a Petrobras morresse de inanição e que o Zylberstajn era a favor da privatização do pré-sal? Ninguém contesta, mesmo sendo publicado o que FHC escreveu na época, dizendo que 'nunca privatizaria a Petrobras'.

Diga sempre que a culpa é das 'elite', que o povão do Bolsa acredita... Dilma, faz isso, faz aquilo... Dilma, sobe no palanque, desce do palanque..." (Eu acho que Dilma é uma vítima. Uma "tarefeira" do narcisismo de Lula. Agora que Dilma não tem mais certeza de que vai vencer, seu semblante é repassado por uma vaga inquietude.

Gente autoritária odeia dúvidas, porque a dúvida não é "de esquerda"; a dúvida é coisa de pequenos burgueses — como dizia Marx: "Pequeno burguês é a contradição encarnada." Lula também odeia dúvidas... Ele fica retumbante quando vitorioso, mas sua cara muda com fracassos. Lembram do seu pior momento, quando explodiu o mensalão?) Agora Lula está deprimido de novo, o PMDB está angustiado, querendo trair, como mostra a cara do candidato a vice-presidente, o mordomo inglês de filme de terror... Lula teme a derrota, como se caísse de volta na linha de pobreza que ele diz que interrompeu. Talvez, no fundo, Dilma tema a própria vitória, porque terá de aguentar o PMDB exigindo coisas, Força Sindical, CUT, ladrões absolvidos, renunciados, cassados, novos corruptos no poder, novas Erenices, terá de receber ordens do comissário do povo Dirceu, terá de beijar e gostar do Sarney, do Renan, do Collor, dos seus aliados.

Vai ter de beijar com delícia o Ahmadinejad, o beiçudo leão de chácara Chávez, o cocaleiro Evo, com o MST enfiando bonés em sua cabeça, vai ter de aturar as roubalheiras revolucionárias dos fundos de pensão que já mandaram para o exterior bilhões em contas secretas.

Coitada da Dilma — sendo empurrada com a resignação militante, para cumprir ordens, tarefas, como os militantes rasos que pichavam muros ou distribuíam panfletos.

Dilma às vezes dá a impressão de que não quer governar... Ela quer sossego, mas não deixam...

Como é que fazem isso com uma senhora?

Aécio troca discurso pós-Lula por postura anti-Lula

A radicalização da campanha eleitoral levou o ex-governador e senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG) a se mover do discurso do pós-Lula para uma postura anti-Lula. Depois de passar oito anos provocando incômodos no PSDB por conta da boa relação pessoal com o Planalto, Aécio afirma agora que "por suas últimas atitudes, o presidente terminará seu governo menor do que iniciou", e mais: Sugere que Lula faça um "mea-culpa" depois da eleição, reconhecendo os "excessos" para assegurar uma transição "serena e pacífica", independentemente de quem seja o vencedor.

Em entrevista ao Estado, o senador mineiro confessa estar "decepcionado" com o chefe da Nação que "se despe da função presidencial e vira cabo eleitoral" para atacar o candidato da oposição. Mais do que uma queixa, ele diz que sua intenção é fazer um alerta em defesa da democracia e da paz na política. "Entre a chefia de Estado e a chefia de um grupo político, Lula opta claramente pela segunda e presta um desserviço àquilo que ele próprio ajudou a construir, que foi a democracia no Brasil", afirma. A seguir, a entrevista.

Como o senhor avalia o comportamento do presidente Lula nesta reta final da campanha?

É triste o figurino que o presidente resolveu vestir ao final desta campanha, com atitudes absolutamente impróprias e esquecendo que é o presidente de todos os brasileiros. Ele optou, como diz o Serra, por ser o presidente de uma facção. É triste e preocupante ver como as instituições de Estado se colocaram a serviço de um mundo político. A própria Polícia Federal, neste papel absurdo e ridículo que fez nestes últimos dias, criando versões que possam atender aos interesses do PT. A democracia que foi conquistada por tantos brasileiros não merecia, no momento de sua consolidação e amadurecimento, assistir a cenas como estas que não engrandecem o País. É desolador ver a forma como o presidente está terminando esta campanha.

.O senhor acha que o presidente está trocando a faixa presidencial pela camisa de militante partidário?

Sempre tive uma boa relação pessoal com o Lula que sempre busquei preservar. Eu reconheço os avanços que houve no governo dele mas, por estas últimas atitudes, o presidente Lula, passadas estas eleições, termina seu governo menor do que iniciou.

Isto compromete de alguma forma a relação entre governo e oposição na próxima administração, qualquer que seja o resultado da eleição?

O que me preocupa é que esta postura de dirigentes do PT e do próprio Lula, independentemente do resultado eleitoral, crie no País um clima de muito maior acirramento e radicalização, no período pós-eleitoral, do que seria adequado e se esperava.

No cenário atual, a transição para o próximo governo corre risco?

Não acredito que corra risco, mas buscar vencer o adversário é uma coisa, e tentar dizimá-lo, é outra. Quando não há palavra de equilíbrio e ponderação das maiores autoridades do País, recomendando cautela e prudência e esses exemplos não vêm de cima, é claro que o pós-eleição pode ser mais radicalizado do que seria bom para o Brasil, independentemente do vencedor.

No ponto em que a radicalização está hoje, dá para recompor as relações políticas entre petistas e oposição?

Todos nós que somos responsáveis temos que trabalhar nesta direção. Mas as últimas ações do presidente não contribuem e vão na direção inversa, a do acirramento. As últimas declarações dele foram imprudentes e equivocadas e não contribuem para o que é essencial: uma sucessão serena e tranquila, qualquer que seja o futuro presidente. Infelizmente, Lula não tem contribuído de forma positiva para sua própria transição.

Abertas as urnas, o senhor avalia que o presidente terá de fazer um gesto pela pacificação?

Acho que o presidente Lula acabará fazendo um mea-culpa, vai compreender que cometeu excessos nesta campanha e que sua figura representa muito mais que apenas um cabo eleitoral. Ele próprio fará um gesto para preservar sua imagem que é um patrimônio importante diante de tantos brasileiros que não votaram nele, mas que o respeitam, como eu próprio. Todos nós, independentemente do resultado eleitoral, temos que trabalhar para que a transição seja absolutamente serena e pacífica porque os governos passam e a democracia deve ser permanente".

Suas observações são uma queixa ou o senhor faz um alerta ao País?

Acho que é mais um alerta e uma certa decepção de quem sempre reconheceu valores no presidente. Eu continuo reconhecendo, mas acho que ele ultrapassou os limites daquilo que seria adequado a um chefe de Estado. Entre a chefia de Estado e a chefia de um grupo político, Lula opta claramente pela segunda e não é algo que contribua. Com estas ações, ele presta um desserviço àquilo que ele próprio ajudou a construir, que foi a democracia no Brasil.

Oposição e até aliados do presidente sempre disseram que Lula é fundamental para impor limites aos grupos mais radicais do PT. Agora, como fica?

Quando Lula eleva muito o tom, ele incita os setores mais radicais do partido. O que fica é que seus liderados se acharam no direito de agir de forma ainda "mais irresponsável" e isto certamente é preocupante. O presidente deixa uma mancha em sua trajetória ao final de seu governo.

Isso muda o comportamento do PSDB na reta final da campanha?

A estratégia não muda, mas é o momento de deixar um alerta. Há preocupação. Não se sabe como os liderados do presidente Lula recebem esta sinalização do presidente. Vamos ficar na expectativa de que agressões não ocorram. De nossa parte vamos enfrentar isto sempre com muita tranquilidade e serenidade. A orientação do partido à militância tucana é para que não aceitem qualquer tipo de provocação nesta última semana de campanha.


domingo, outubro 10, 2010

O mendigo mora ao lado Celso Ming

O fechamento de um grande número de postos de trabalho nos Estados Unidos em setembro tem tudo para se transformar em senha para aumento das pressões sobre a China para revalorizar sua moeda, o yuan.

As coisas pelo menos começam a ser colocadas nos seus devidos termos. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, avisou que políticas de desvalorização cambial não passam de movimentos destinados a “transformar o vizinho em mendigo (beggar thy neighbour)”, expressão criada nos anos 30 pelo economista Dennis Robertson.



Zoellick está dizendo que o fenômeno não se restringe às relações entre moedas, alcançando um contexto bem mais amplo, de guerra por apropriação de salários (ou de empregos) e de rápidas mudanças na divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, as grandes transformações que o mundo vive hoje são mais do que simplesmente o aumento dos desequilíbrios da economia global.

Não é à toa que, em macroeconomia, as relações de câmbio são consideradas alterações nos níveis de renda entre países. Uma desvalorização cambial (baixa da cotação da moeda nacional) equivale a uma redução do salário real; e uma revalorização cambial, a uma alta. Basta levar em conta que a alta do real aumenta o poder aquisitivo do brasileiro em produtos importados e em viagens internacionais.

E quando o Fed (o banco central americano) emite trilhões de dólares para recomprar títulos privados e públicos, está certamente trabalhando para a recuperação do emprego nos Estados Unidos. O efeito colateral é a inundação de liquidez nos mercados e a desvalorização do dólar.

Visto o mesmo tema por outro ângulo, cada vez que um americano ou um europeu compra produtos eletrônicos ou têxteis chineses está contribuindo para o fechamento de postos de trabalho em seu país e para a abertura de outros na China.

Até agora, as grandes potências não tinham se incomodado com a incorporação de 30 milhões a 40 milhões de asiáticos ao mercado de trabalho (e de consumo) por ano porque o processo não implicou aumento do desemprego nos seus territórios. Ao contrário, o forte despejo de recursos pelos bancos centrais desde os primeiros anos do século 21 passava a impressão de prosperidade universal.

A crise mostrou que o ritmo de distribuição da riqueza está gerando desemprego e conflitos cambiais de difícil solução. Os países ricos mantêm compromissos demais, tanto no jogo internacional (caso dos Estados Unidos) como com suas próprias populações (caso dos países europeus e seus princípios do bem-estar social).

É altamente improvável que uma revalorização do yuan, ainda que relevante (na casa dos 20%), resolva os problemas de fundo. Não vai, por exemplo, restabelecer a competitividade do produto dos Estados Unidos, da Europa e do Japão.

A proposta sobre a mesa é de avançar num amplo acordo cambial que seja capaz de dar um ritmo politicamente aceitável nesse arranjo global do trabalho. Como implica resolver grandes desequilíbrios, uma solução desse tipo levará anos porque terá de contar com condições macropolíticas favoráveis.

Enquanto esse grande acordo não amadurecer, vai prevalecer o cada um por si, como reconheceu o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Para o bem e para o mal, cada país vai procurar ajeitar sua embarcação para enfrentar os vagalhões que vêm aí.

Confira

Não adiantou. No dia 15, o Japão injetou US$ 20 bi para impedir que a cotação do dólar caísse abaixo de 82 ienes. Sexta-feira, fechou a 81,93 ienes, o nível mais baixo em 15 anos. Ou seja, além de não atingir seu objetivo, a intervenção parece ter encorajado os especuladores a reforçar a aposta na valorização da moeda japonesa.

terça-feira, outubro 05, 2010

Voto ou sombra e água fresca? Eliane Cantanhêde

FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - O PT e a campanha de Dilma demoraram a acordar para o risco da apresentação de dois documentos sobre o resultado no Nordeste, por exemplo, onde a candidata governista tem expressiva maioria. Só na última hora eles entraram na Justiça contra a lei. E não foi por falta de aviso.

Agora, o PSDB e a campanha de Serra devem ficar alertas para um outro risco: o de um aumento substancial da abstenção no segundo turno em todo o país, principalmente do eleitorado de maior renda e de maior escolaridade.Motivo: a eleição final vai cair justamente no meio do feriadão de Finados. A votação é no dia 31 de outubro, domingo, e o feriado, em 2 de novembro, terça.

Com o sol agradável de primavera, o cansaço depois de um ano de labuta, uma praia logo ali... Vai ser difícil segurar a turma para votar. Se o PSDB não se cuidar, vai sofrer mais do que o PT. E também não terá sido por falta de aviso.

O índice de abstenção seguiu a regra e foi bastante alto no primeiro turno: 18,12%. Ou seja, 24,6 milhões de eleitores não votaram, seja porque não entenderam a história dos documentos, seja porque mudaram a sessão de votação sem avisar, seja por falta de informação ou puramente de vontade.

Uma grande ausência pode fazer diferença para um lado ou para outro, dependendo de onde se concentrarem os faltosos. No primeiro turno, os menores Estados e o DF tiveram baixa abstenção, ao contrário de Estados médios do Nordeste -como o Maranhão, com quase 24%, ou um quarto de ausentes.

Nos maiores colégios, o índice de faltas ficou pouco abaixo da média. Em São Paulo e no Rio, 16,4% e 17,4%. Em Minas Gerais, 18%. Nos três, a eleição para governador acabou no primeiro turno, com as vitórias de Alckmin, Cabral e Anastasia. Esse pode ser um fator de desestímulo para o eleitor ir votar "só" em Dilma ou em Serra. E logo no meio de um baita feriadão...

País dividido Merval Pereira

O GLOBO

Se fizermos a conta de quantos brasileiros serão governados juntando os estados em que venceram PSDB e DEM e os que os tucanos disputam com boa chance de vencer, poderemos ter a oposição governando metade do país, o mesmo em relação às receitas tributárias. O DEM venceu no primeiro turno em Santa Catarina e Rio Grande do Norte, justamente dois dos estados em que Lula se dedicou a tentar exterminar seus adversários

O PSDB é o partido que elegeu mais governos no primeiro turno: Paraná, São Paulo, Minas e Tocantins. E disputa o segundo turno em cinco outros estados, com chances de vencer: Alagoas, Goiás, Pará, Roraima e Piauí. Mais uma vez o país está dividido, sem que a popularidade do presidente Lula se expresse em dominação política sobre o território.

Dilma Rousseff só venceu a soma dos votos oposicionistas de Marina e Serra em dez estados, e é enganoso acreditar que a vitória em 18 estados representa a hegemonia governista.

Na verdade, a oposição foi majoritária na maior parte do país. O estado de Minas Gerais, por exemplo, que aparece em vermelho no mapa da eleição, dificilmente pode ser considerado um território petista, ainda mais que Marina teve uma votação expressiva por lá, e a soma dos votos oposicionistas supera os da candidata oficial, ao contrário do que acontecia nas últimas eleições, onde Lula prevalecia claramente. A ida para o segundo turno significa que a vitória avassaladora do governo, a chamada onda vermelha, não se concretizou.

A candidata Dilma Rousseff teve mais ou menos o mesmo tamanho de votação que Lula vem tendo desde 2002, o que significa que o PSDB, se quiser vencer a eleição, terá que ampliar suas alianças eleitorais, o que o PT de Lula vem fazendo com êxito.

O PSDB tem tido regularmente cerca de 40% dos votos no segundo turno, enquanto o PT de Lula vai a 60%. Lula incorporou no segundo turno a maioria dos votos de Ciro Gomes e Garotinho em 2002, e os de Heloisa Helena e Cristovam Buarque em 2006.

Dilma entra no segundo turno como a grande favorita, precisando de pouco mais de quatro pontos percentuais para vencer. O objetivo de Serra será, por outro lado, tirar votos de Dilma, além de receber a maioria da votação de Marina.

Mesmo que receba cerca de 80% dos votos que foram para a candidata verde, Serra não ganha se não conseguir roubar eleitores de Dilma.

É mais fácil para o PSDB fazer um acordo com o PV para governar do que esse acordo sair com o governo. Afinal de contas, Marina saiu do governo porque não conseguiu convencer Lula de que a questão do meio ambiente é essencial para um crescimento sustentável rumo ao futuro, e um dos principais obstáculos que encontrou pela frente sempre foi a visão desenvolvimentista de Dilma Rousseff.

Não há nenhum razão para que acredite que num futuro governo Dilma a coisa seja diferente.

Por isso a tentativa do PT é para que ela fique neutra na disputa do segundo turno.

Serra pode tirar votos de Dilma especialmente nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

No seu estado, embora tenha vencido a eleição que parecia perdida apenas poucos dias atrás, Serra venceu Dilma por cerca de 700 mil votos, o que é pouco para a tradição tucana, que governa o estado há 16 anos e tem pelo menos quatro anos mais pela frente.

Desde 1994 que o PSDB vence a eleição presidencial em São Paulo por uma diferença mínima de 3,5 milhões de votos, e que pode chegar até a 5 milhões de votos. Isso quer dizer que Serra tem entre 3 e 4 milhões de votos para ganhar em São Paulo.

Em Minas, Lula sempre venceu as eleições presidenciais por uma diferença semelhante à que Dilma teve este ano, cerca de 2 milhões de votos.

O ex-governador Aécio Neves, tendo saído da eleição como o grande líder político do estado e do PSDB no país, tem condições para tentar reverter esse quadro, pois tanto em São Paulo quanto em Minas o Partido Verde faz parte da coligação do PSDB local.

Era razoável que no primeiro turno o grupo do governador Aécio Neves não pudesse se empenhar tanto na campanha presidencial, pois a prioridade era mesmo reeleger Antonio Anastasia, e as implicações políticas regionais dificultavam esse trabalho.

A coligação regional abrigava diversos partidos que apoiam o governo Lula e estavam comprometidos com a candidatura de Dilma, e por isso o voto Dilmasia teve grande aceitação entre os mineiros.

Mas agora, vencida com êxito esta etapa já no primeiro turno, Aécio está liberado para tentar reverter essa situação.

É claro que o favoritismo de Dilma neste segundo turno está mantido, e, sobretudo, a presença do presidente Lula na campanha fará com que a manutenção da votação que Dilma teve no primeiro turno seja possível, e até mesmo provável.

Mas este será um segundo turno muito diferente de quantos já aconteceram, todos com Lula liderando a disputa.

Inclusive porque Dilma é uma candidata frágil politicamente e despreparada para uma maratona eleitoral como a que terá que continuar enfrentando.

Sobretudo se levarmos em conta que o capa preta do petismo José Dirceu revelou em sua já famosa palestra a sindicalistas baianos que Dilma ainda se ressente do tratamento do câncer linfático e está debilitada fisicamente.

Disse Dirceu a respeito do cancelamento de vários compromissos de campanha nesse primeiro turno: (...) nossa candidata estava num momento muito difícil, muito cansada, tendo que se dedicar aos programas de televisão. (...) Ela praticamente não foi ao Norte do país, vocês perceberam isso? (...) Porque primeiro nós temos mais de 40 anos de idade, segundo porque ela passou por um câncer.

Ela sente muito isso ainda. O presidente Lula continuará comandando a campanha de seu laranja eleitoral, mas deve ter sentido o tranco das urnas, e a tendência é alterar o comportamento neste segundo turno. Ele claramente errou a mão no último mês de campanha, achando que estava tudo decidido, e perdeu a noção da realidade.

O recado maior das urnas é que a sociedade não aceita que, mesmo um presidente tão popular quanto Lula, se sinta dono do país, em condições de fazer o que quer e dizer o que as pessoas devem fazer, de escolher inimigos pessoais para exterminar.Lula inventou sua criatura eleitoral do nada e corre o risco de inviabilizá-la politicamente se se deixar dominar pela arrogância.

Nova rodada Míriam Leitão

O GLOBO - 05/10/10


Obrigada, Marina, por ter dado ao Brasil mais uma chance de discutir e pensar; por ter mostrado que um presidente, mesmo popular, não garante a eleição em primeiro turno; por ter tornado a conversa mais inteligente com seus semitons, entre o vermelho e o azul; por ter elevado a agenda ambiental ao ponto de encontro de outros grandes temas nacionais.

Obrigada pela alegria do discurso em que comemorou os resultados eleitorais que não a levaram para o segundo turno. Foi uma aula de política, num país onde a política anda tão deseducada.

Por ter lembrado a questão mais fundamental em qualquer democracia: o eleitor é dono do seu voto. E por ter alertado os dois candidatos que continuam na disputa, Dilma Rousseff e José Serra, que eles têm agora um privilégio e uma responsabilidade.

Marina foi o estuário onde desaguaram vários tipos de votos: os descontentes, os fiéis, os esperançosos.

Esse grupo, com sua diversidade, vai decidir a eleição.

Certamente vai se dividir, não irá todo para um lado só, porque é da natureza desse grupo a inquietação com o automatismo, com o comando único, com as certezas prévias.

José Serra tem um caminho maior a andar se quiser ganhar a eleição, mas deve lembrar que o bom momento econômico atual é mais uma etapa dos ganhos dos últimos 16 anos.

Esses avanços nasceram na estabilização monetária, vitória do grupo político ao qual Serra pertence, da qual ele pouco fala.

Dilma Rousseff, se quiser transformar seu favoritismo em vitória, terá que aprender algumas lições com Marina. Primeiro, a humildade; segundo, a ser natural e não um produto do marketing político; terceiro, entender afinal do que Marina está falando quando se refere à conciliação entre economia e ecologia. Esse talvez seja o desafio mais difícil para quem, como Dilma, acredita no modelo de obras dos anos 70.

Marina deu uma lição também aos analistas que tantas vezes disseram que ela era a candidata de uma nota só. E a lição é que o desafio ambiental e climático não é um modismo, um nicho, uma nota. É o pano de fundo de qualquer proposta verdadeiramente desenvolvimentista.

O verde de anos atrás defendia espécies ameaçadas. Elas continuam precisando de proteção, mas o verde hoje tem urgências mais amplas.

Mudou de patamar. Nenhum planejamento estratégico em empresas, organizações, países pode ignorar essa questão. É uma nova lógica à qual todos os outros projetos - da logística à reforma tributária, da educação ao planejamento urbano, da energia ao financiamento público - têm que se adaptar. É isso ou não ter futuro. Simples assim.

Essa eleição deixou muitas lições. Primeiro, que pesquisa é pesquisa e urna é urna. Segundo, que é preciso rever também a certeza de que um candidato com menos de um minuto e meio de televisão, um partido pequeno e sem capilaridade não é competitivo. Terceiro, que o Brasil é plural e desafiador.

Aécio Neves deu uma imensa demonstração de força em Minas Gerais, mas, em Belo Horizonte, Marina teve mais votos para presidente, e, no estado, a vencedora foi Dilma Rousseff. Aécio tem que ir além do esforço pelo seu grupo. O Rio Grande do Sul elegeu Tarso Genro no primeiro turno, mas deu mais votos para presidente a José Serra. Tarso tem o mesmo desafio de Aécio. O Distrito Federal, que deu à Marina o primeiro lugar para presidente, levou a espantosa mulher de Roriz para o segundo turno. O DF tem ainda a marca do atraso clientelista. Mesmo com sua altíssima popularidade, 70 comícios e a máquina pública, o presidente Lula não conseguiu eleger Dilma no primeiro turno e perdeu nos dois maiores colégios eleitorais do país. O PMDB, nunca competitivo para a Presidência, continua a maior força no Senado, mas encolheu na Câmara. Há outras forças políticas, mas a bancada do PR puxada por Tiririca e Garotinho é um sinal de que a representação política pode sempre ficar pior.

O olhar atento revela que nenhuma generalização é possível e que o quebra-cabeças que sai da urna é mais matizado do que o previsto.

Os institutos de pesquisa precisam renovar suas amostras e metodologias.

Mesmo os mais eficientes erraram muito. E o erro não é neutro, ele produz fatos políticos. Qual é a influência de semanas a fios de pesquisas repetindo que Dilma ganharia no primeiro turno, Serra estava em queda ou estagnado, e Marina mal saía dos 10%? A explicação universal de que pesquisa é apenas uma fotografia é insuficiente.

O cientista político Jairo Nicolau lembrou no seu blog Eleições em Dados que, na Inglaterra, quando os institutos previram vitória trabalhista e deu o conservador John Major, em 1992, eles montaram uma força-tarefa para entender os erros.

Dilma está mais perto de pôr a mão na taça do que Serra. Isso é até matemático.

Mas a candidata governista falou num tom de desalento, de forma burocrática, cercada de homens abatidos. Ao contrário de Serra e Marina que falaram cercados por suas militâncias.

Os próximos 26 dias serão intensos. Mas a pessoa que for eleita poderá agradecer a Marina Silva: sairá mais legitimada após essa segunda chance

Modos e costumes LUIZ GARCIA

O GLOBO - 05/10/10
Em tese e em princípio, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal são os guardiões da Constituição Federal, e os 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça zelam pelas leis federais.

Parece uma razoável distribuição de tarefas. Na prática, há um probleminha: a Constituição brasileira é extremamente minuciosa e cuida de assuntos e questões que em outros países são tratados apenas nas camadas inferiores da legislação. Isso explica a montanha de processos que batem no Supremo e dormem meses ou anos nas mesas dos ministros, que simplesmente não têm tempo para lhes dar decisões num prazo razoável. E Justiça lenta é Justiça ruim — culpa do sistema e não dos coitados dos juristas.

Os ministros do STF têm direito de morrer de inveja, por exemplo, dos seus equivalentes na Suprema Corte dos Estados Unidos. Os supremos americanos são apenas sete, e têm vida mansa. Pouco importa a quantidade de processos que chegam às suas mãos: têm a prerrogativa de decidir quais deles envolvem a necessidade de uma inédita interpretação da Constituição americana. O resto vai direto para o lixo.

Aqui, apesar da existência da instância superior abaixo da suprema — o que soa esquisito e para muita gente é mesmo esquisitíssimo — a última instância do Judiciário é lenta além da conta, sem culpa de ninguém.

No caso da Lei da Ficha Limpa, no entanto, o STF poderia ter eliminado todas as dúvidas sobre a sua vigência antes da votação de domingo passado. Mas a sessão em que o assunto seria decidido terminou empatada. O autor do recurso a respeito, Joaquim Roriz, achou mais seguro desistir da candidatura a governador de Brasília em benefício da esposa — o que lhe permitiria governar do mesmo jeito — e o tribunal perdeu a oportunidade de consagrar definitivamente a lei. Não quer dizer que esteja ameaçada, mas sempre seria mais tranquilizador já existir o aval do STF para a primeira iniciativa legislativa importante praticamente imposta aos políticos e aos poderes da República pela vontade expressa da opinião pública.

Os ministros do Supremo, é bom lembrar, não estavam decidindo sobre o conteúdo da lei, e sim apenas sobre o início de sua vigência. De qualquer maneira, perderam uma boa oportunidade de se associarem de alguma maneira à luta pela moralização do sistema eleitoral e, como consequência bastante provável, de modos e costumes na política brasileira.

O súbito encanto de Marina Silva Arnaldo Jabor

O Estado de S.Paulo - 05/10/10


Não, o Palácio de Inverno de São Petersburgo da Rússia em 1917 ainda não será tomado pela onda vermelha.
Não. Agora, o PT vai ter de encarar: estamos num país democrático, cultural e empresarialmente complexo, em que os golpes de marketing, os palanques de mentiras, os ataques violentos à imprensa não bastam para vencer eleições... (Por decência, não posso mostrar aqui os emails de xingamentos e ameaças que recebo por criticar o governo). O Lula vai ter de descobrir que até mesmo seu populismo terá de se modernizar. O povo está muito mais informado, mais online, mais além dos pobres homens do Bolsa-Família, e não bastam charminhos e carismas fáceis, nem paz e amor nem punhos indignados para a população votar. Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as regras políticas vigentes, nada vai se resolver. Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas e nenhum carisma esconde isso para sempre. Já sabemos que administração é mais importante que utopias.

A campanha à que assistimos foi uma campanha de bonecos de si mesmos, em que cada gesto, cada palavra era vetada ou liberada pelos donos da "verdade" midiática. Ninguém acreditava nos sentimentos expressos pelos candidatos. Fernando Barros e Silva disse na Folha uma frase boa: "Dilma parece uma personagem de ficção e Serra a ficção de uma personagem." Na mosca.

Serra. Os erros da campanha do Serra foram inúmeros: a adesão falsa ao Lula, que acabou rindo dele: "O Serra finge que me ama"...

Serra errou muito por autossuficiência (seu defeito principal), demorando muito para se declarar candidato, deixando todo mundo carente e zonzo, como num coito interrompido; Serra demorou para escolher um vice-presidente (com a gafe de dizer que vice bom é o que não aporrinha), fez acusações ligando as Farc à Dilma, esculachou o governo da Bolívia ainda no início, avisou que pode mexer no Banco Central e, quando sentiu que não estava agradando, fez anúncios populistas tardios sobre salário mínimo e aposentados. Nunca vi uma campanha tão desagregada, uma campanha antiga, analógica numa época digital, enlouquecendo cabos eleitorais e amigos, todos de bocas abertas, escancaradas, diante do óbvio que Serra ignorou. Serra não mudou um milímetro os erros de sua campanha de 2002. Como os Bourbon, "não esqueceu nada e não aprendeu nada".

A campanha do primeiro turno resumiu-se a dois narcisismos em luta.

Dilma. Enquanto o Serra surfava em sua autoconfiança suicida, a Dilma, fabricada dos pés ao cabelo, desfilava na certeza de sua vitória, abençoada pelo "Padim Ciço" Lula.

Seus erros foram difíceis de catalogar racionalmente, mas os eleitores perceberam sutilezas na má interpretação da personagem, como atrizes ruins em filmes.

O sorriso sem ânimo, riso esforçado, a busca de uma simpatia que escondesse o nítido temperamento autoritário, suas palavras sem a chama da convicção, ocultando uma outra Dilma que não sabemos quem é, sua postura de vencedora, falando em púlpitos para jornalistas, sua arrogância que só o salto alto permite: ser pelo aborto e depois desmentir, sua união de ateia com evangélicos, a voracidade de militante - tarefeira, para quem tudo vale a pena contra os "burgueses de direita" que são os adversários, os esqueletos da Casa Civil, desde os dossiês contra FHC, passando pela Receita Federal (com Lina Vieira e depois com os invasores de sigilos), sua tentativa de ocultar o grande hipopótamo do Planalto que foi seu braço direito e resolveu montar uma quadrilha familiar. Além disso, os jovens contemporâneos, mesmo aqueles cooptados pelo maniqueísmo lulista, não conseguem votar naquela ostentada simpatia, pois veem com clareza uma careta querendo ser cool.

Marina. Os erros dos dois favoritos acabaram sendo o grande impulso para Marina. No meio de uma programação mecânica de marketing, apareceu um ser vivo: Marina. Isso.

Uma das razões para o segundo turno foi a verdade da verde Marina. Sua voz calma, sua expressão sincera, o visível amor que ela tem pelo povo da floresta e da cidade, tudo isso desconstruiu a imagem de uma candidata fabricada e de um candidato aferrado em certezas de um frio marqueteiro.

Marina tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de vencer pelo bem. Isso passa nas imperceptíveis expressões e gestos, que o público capta.

Agora teremos um segundo turno e talvez vejamos um PSDB fortalecido pela súbita e inesperada virada. Desta vez, o partido terá de ser oposição, se defendendo e não desagregado como foi no primeiro turno, onde se esconderam todos os grandes feitos do próprio PSDB, durante o governo de FHC.

Desde 2002, convencionou-se (Quem? Por quê?) que o Lula não podia ser atacado e que o FHC não poderia ser mencionado. Diante dessa atitude, vimos o Lula, sua clone e seus militantes se apropriarem descaradamente de todas as reformas essenciais que o governo anterior fez e que possibilitaram o sucesso econômico do governo Lula, que cantou de galo até no Financial Times, assumindo a estabilização de nossa economia. E os gringos, desinformados, acreditam.

Além disso, com "medinho" de desagradar aos "bolsistas da família", ninguém podia expor mentiras e falsos dados que os petistas exibiam gostosamente, com o descaro de revolucionários "puros". Na minha opinião, só chegamos ao segundo turno por conta dos deuses da Sorte. Isso - foi sorte para o Serra e azar para a Dilma.

Ou melhor, duas sortes:

O grande estrago causado pela súbita riqueza da filharada de Erenice, ali, tudo exibido na cara do povo, e o reconhecimento popular do encanto sincero de Marina.

Isso salvou a campanha errática e autossuficiente do José Serra, que apesar de ser um homem sério, competentíssimo, patriota, que conheço e respeito desde a UNE, mas que é das pessoas mais teimosas do mundo.

Duas mulheres pariram o segundo turno. Se ouvir seus pares e amigos, poderá ser o próximo presidente. Se não...

Um 'não' ao personalismo Editorial o Globo

O Globo - 05/10/2010




Colocar a candidata para surfar na sua alta popularidade e forçar uma eleição plebiscitária entre nós e eles, os tucanos. A estratégia de Lula, executada com frieza vide o atropelamento do aliado Ciro Gomes , se mostrou correta, enquanto ele conseguia tirar a desconhecida Dilma Rousseff de cinco pontos nas pesquisas para colocá-la como grande favorita a ganhar no primeiro turno. Mas Lula e os petistas menosprezaram a força de Marina Silva, dissidente do PT e do governo, onde não conseguira avançar com uma agenda verde diante do ímpeto do desenvolvimentismo à moda antiga da ministra Dilma Rousseff, também candidata a tocadora de obras. Responsável por ter viabilizado o segundo turno, Marina será cortejada por lulopetistas e tucanos, em busca de um precioso patrimônio de cerca de 20 milhões de votos.

Mas as urnas de domingo não serviram apenas para ungir a nova liderança política nacional, uma terceira via diante da disputa binária entre tucanos e petistas, a marca de quase todo este quarto de século pós-redemocratização.

A realização do segundo turno, contra a previsão dos institutos de pesquisa, pune gestos de arrogância e de autossuficiência de quem se considerou hegemônico e impune, devido aos níveis recordes de aprovação do governo e de popularidade do presidente.

A sociedade pode aprovar um governo com méritos na estabilidade da economia, na inclusão social apesar das controvérsias , mas demonstra maturidade ao não se deixar encantar pela ideia perniciosa, subjacente ao segundo mandato de Lula, do homem providencial, do pai dos pobres, velha patologia latinoamericana.

O Brasil não é mesmo Venezuela, nem o país da República Velha e do Estado Novo.

O segundo turno sinaliza o desejo de pluralidade. Dilma, por óbvio, sai na frente, com as maiores chances de vitória. Mas precisará ser expor, provar que não se trata de simples peça fabricada nas linhas de montagem do marketing político, uma atividade cada vez mais questionada na política brasileira. Já o tucano José Serra tem afinal de se definir entre ser apenas um gerente com folha corrida conhecida de competência administrativa, que se apresenta ao eleitorado para administrar a herança lulopetista sem maiores reformas, ou, bem mais do que isso, ir fundo no ataque aos pontos frágeis do país passados oito anos de Era Lula: máquina inchada, gastança, dirigismo, inapetência para reformas, entre outras distorções.

O segundo turno concede, também, chance de os candidatos aceitarem a reformulação do rígido, burocrático e engessado método de debates na TV. A relação de questões a abordar é ampla e rica o bastante para justificar regras que permitam o confronto direto de ideias, com réplicas e tréplicas.

Lula se frustra ao não fazer sua candidata vitoriosa no primeiro turno, objetivo pelo qual se bateu sem preocupação com as leis eleitorais e os limites que precisam ser respeitados entre o chefe de governo e o líder partidário.

E foi ao se jogar intempestivamente na campanha que, em alguns momentos, engavetou a persona Lulinha paz e amor, criada pela marquetagem na campanha de 2002, e com isso talvez tenha assustado parte dos eleitores de Dilma, aqueles que nos últimos dias migraram, principalmente para Marina. Assim como a descoberta do ninho de lobby na Casa Civil de Erenice Guerra, auxiliar direta de Dilma desde os tempos do Ministério das Minas e Energia, deve ter reavivado na memória do eleitorado casos passados rumorosos em que a regra dos fins justificam os meios patrocinou o desvio de dinheiro público para desvãos da corrupção. Junto com doses avantajadas de arrogância a primeira resposta de Erenice às denúncias foi atacar Serra, tachandoo de derrotado , a malfeitoria há de ter exercido influência no resultado de domingo.

Mesmo que Dilma tenha tentado se desvincular da ex-auxiliar, tão próxima que se tornara sucessora da chefe na Casa Civil.

As vitórias tucanas em São Paulo (Alckmin) e Minas (Aécio/Anastasia) não apenas reforçam o recado a favor do pluralismo como servem de contrapeso à margem de manobra conquistada pelo lulopetismo e aliados no Congresso. No Senado, foi alcançada a maioria qualificada de 60% dos votos, capaz de viabilizar mudanças na Carta. Mas, antes que PT e coligados enveredem por este terreno, devem considerar que a vitória da aliança petista no Congresso foi importante, mas não concede licença ao lulopetismo para tentar investir contra direitos consagrados pela sociedade.

A implosão do plebiscito O Estado de S. Paulo Editorial

- 05/10/2010



"Não é fácil obter 50% de votos do povo brasileiro no primeiro turno." Foi como se defendeu o presidente Luís Inácio Lula da Silva, percebendo para que lado sopravam os ventos, já na manhã da jornada eleitoral de domingo. E defender-se ele precisava porque não só nos palanques a céu aberto, mas nas inumeráveis reuniões a portas fechadas com o comando da candidatura Dilma Rousseff, fartou-se de vangloriar-se da vitória no primeiro turno.


Ofuscado por essa certeza, produzida pela euforia que o inebriou desde que a sua escolhida desbancou o tucano José Serra da liderança nas pesquisas, Lula subestimou o grau de autonomia de uma fatia expressiva do eleitorado que se guia pelo senso crítico. Foi quando passou a ocupar o centro das atenções, em detrimento da própria candidata, exibindo a incontinência verbal que lhe é peculiar quando lhe pisam os calos. Na sua fúria contra a imprensa, por ter ela revelado os escândalos das violações de sigilos fiscais na Receita e a esbórnia na Casa Civil de Erenice Guerra, ele se esqueceu de que o "Lulinha, paz e amor" foi o que o conduziu ao Palácio do Planalto.

Ao expor ao eleitorado o lado feral de sua personalidade política, ele evocou antagonismos que viriam a ser um dos fatores cruciais para remeter a disputa a 31 de outubro. O papel de Lula, portanto, foi decisivo, até aqui, de duas maneiras contraditórias. De um lado, mostrou-se capaz de carrear 47 milhões de votos para uma noviça desprovida de carisma, de quem a esmagadora maioria da população nunca tinha ouvido falar até pouco tempo atrás. Mas, de outro, por se achar invulnerável, acabou contribuindo para privá-la de um consagrador triunfo imediato.

De novo por se achar acima do bem e do mal, tardou a lançar ao mar o fardo Erenice. Quando o fez, a imagem de Dilma já tinha sido atingida pelos estilhaços da festança familiar da sua sucessora na Casa Civil, dando início a um movimento de migração de votos - principalmente para a verde Marina Silva. Serra, que terminou com cerca de 33% dos votos válidos - mais perto que os adversários daquilo que previam as sondagens -, se beneficiou por tabela, recuperando a vantagem que perdera no Estado de São Paulo.

Foi a presença do tema corrupção no noticiário que alimentou a onda verde. A começar dos jovens, crescentes setores do eleitorado passaram a se interessar por Marina como portadora da utopia do século 21: a defesa de uma causa nobre - a luta contra o aquecimento global e pelo progresso social - encarnada numa figura de excepcional integridade, com uma história de superação pessoal ainda mais comovedora que a de Lula. Ironicamente, na candidata identificada com o futuro que as novas gerações desistiram de esperar da política dos negócios, como sempre desaguaram também os votos do eleitorado conservador.

Nesse contingente de não pouca monta, sobretudo entre as mulheres e na chamada nova classe C - que melhorou de vida e se modernizou no plano material, mas continuou fiel a valores religiosos na esfera dos costumes -, a evangélica Marina ficou com os votos que seriam de Dilma antes que se propagasse na internet a acusação de que, além de ateia, ela era favorável ao aborto. Um retrospecto de declarações ambíguas, devidamente explorado por seus detratores, se mostrou mais forte que as cenas de religiosidade explícita protagonizadas pela candidata na reta final da campanha.


Mas, qualquer que tenha sido a importância do voto religioso para dar a Marina perto de 20 milhões de sufrágios (e outro tanto em porcentagem), ela foi a vencedora política do pleito. Não apenas por ter levado a sucessão a um novo teste, mas também pela proeza que está por trás disso: a implosão do projeto plebiscitário de Lula, que trabalhou noite e dia por uma disputa entre "nós e eles, pão, pão, queijo, queijo". "Nós", o lulismo, "eles", a oposição. Ao decidir participar, "com uma dorzinha no coração", do que o ex-companheiro desejava restringir a uma revanche com Fernando Henrique, Marina fez história.


"Não vamos aceitar o veredicto do plebiscito", prometeu em junho, na convenção do PV. E previu: "Ele vai ser revogado pelo povo."

O eleitor tem a força Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 05/10/2010


A rigor não há surpresa na realização do segundo turno, bem como não haveria razão objetiva para o presidente Luiz Inácio da Silva ter saído de cena nem para Dilma Roussef e a cúpula da campanha terem entrado em cena com jeito de derrotados no pronunciamento da candidata domingo à noite.


O mais confiável dos institutos (por não trabalhar para nenhuma campanha), o Datafolha, na véspera indicava que Dilma teria entre 48% e 52% dos votos e José Serra teria entre 29% e 33%. O eleitor deu 46% para ela e 32% para ele.

O problema de quem acredita em fabulações é do crente e não da fábula.

Quanto a Lula e o PT, praticamente só colheram vitórias: transferência inédita e espetacular de todos os 47milhões de votos de Dilma; o primeiro lugar com 14 pontos porcentuais à frente da oposição; a dianteira em 18 estados da federação; maioria incontestável na Câmara e no Senado; derrota de adversários importantes (Tasso Jereissati, Artur Virgílio e Marco Maciel); eleição dos campeões de voto na coligação lulista: dos governadores com mais de 80% dos votos aos deputados Garotinho e Tiririca.

Apenas não se realizaram todos os desejos de Lula e isso foi o suficiente para que naquele momento se instalasse a frustração óbvia nos semblantes dos correligionários de Dilma e, sobretudo, para a ausência de Lula não frequenta cenário adverso.

Lula não conseguiu realizar a fantasia de ver o eleitorado fazer o cotejo entre ele e Fernando Henrique Cardoso e ainda viu a eleição surpreendente de Aluisio Nunes Ferreira ao Senado por São Paulo, o único a fazer de FH seu cabo eleitoral.

Lula não conseguiu varrer o PSDB do mapa paulista _ ao contrário, perdeu no primeiro turno no primeiro colégio eleitoral, bem como assistiu à vitória de A a Z dos tucanos no segundo colégio, com Aécio Neves tirando Fernando Pimentel e o PMDB do jogo. Tanto desgaste em Minas para nada no que tange à política estadual.

Lula não conseguiu dizimar o DEM. O partido saiu da eleição com dois governadores (RN e SC) sendo um deles eleito exatamente no estado onde o presidente há poucos dias fez o discurso convocando à extirpação.

Lula, pela quinta vez, não conseguiu ganhar no primeiro turno.

Lula não conseguiu impor sua vontade, foi obrigado a recuar do tratamento arrogante de quem se acreditou mesmo acima do bem e do mal, achando que estava realmente autorizado a dizer ou fazer qualquer barbaridade impunemente.

E por que Lula não conseguiu prevalecer sobre todo e sobre tudo? Porque de verdade só quem tem a força absoluta é o eleitorado. Este disse em bom som um alto lá ao presidente, informando-se que o poder tem limites e que os impõem não as pesquisas de véspera: são as urnas no dia D.


Como líder político influente ele induz, mas não substitui a vontade das pessoas.


Bom de briga. Não obstante a deslealdade de alguns métodos, o PT sabe fazer uma disputa política. Por exemplo: soube formar um ambiente favorável a Dilma desde os tempos de magras intenções de votos dizendo, repetindo e sustentando com pesquisas contratadas, que ela ganharia no primeiro turno.


Na comunicação foi imbatível, porque convenceu a imprensa a repetir a "tendência" como se fora certeza absoluta.


A realidade não confere? Culpa das pesquisas.


Marina. A candidata do PV saiu-se muitíssimo bem no crescimento da reta final até a conquista de quase 20 milhões de votos.


Mas daí a classificá-la como uma "nova força política" para além da fronteira do ambiente eleitoral, vai uma distância de léguas a percorrer antes de chegar lá.


O eleitorado teve variadas razões para votar em Marina _ a menor delas a causa do meio-ambiente _ e é, por isso, disperso, desarticulado e circunstancial.


Para efeitos eleitorais caberá às campanhas em disputa seduzir esses eleitores que não têm dono e apoiarão quem melhor lhes parecer.

Vai ser preciso mais - Celso Ming

O Estado de S. Paulo - 05/10/2010


O mercado pode não ter entendido ainda como vai funcionar o processo de subscrição do monumental aumento de capital da Petrobrás, mas, com certeza, está gostando do que está acontecendo.

Na última sexta-feira, por exemplo, as cotações das ações ordinárias (com direito a voto) da Petrobrás fecharam com alta de 4,7% e as preferenciais subiram 4,2%. (Veja, no gráfico, comportamento dos preços desde agosto.) O volume total das negociações com estas ações ultrapassou o R$ 1,5 bilhão. Nos quatro pregões anteriores, o giro diário não passou dos R$ 30 milhões. Também na sexta, as demais ações da Bolsa ou caíram ou ficaram se arrastando. E isso é sinal de que o investidor entendeu que precisa de duas coisas: (1) aumentar sua posição de Petrobrás em carteira até a primeira data de corte (até dia 10) para ter direito a prioridade na subscrição; e (2) fazer provisões para subscrever a sua parte.

Explica-se esse segundo ponto: se não tem dinheiro em caixa, vai ter de vender outras ações ou desfazer-se de cotas de fundos de investimento. E foi isso que o investidor começou a fazer, porque os prazos já estão correndo. Enfim, é vender Vale e Itaú para subscrever Petrobrás.

Quem está à procura de racionalidade nesse processo talvez fique um tanto decepcionado. A definição do preço dos 5 bilhões de barris de petróleo de propriedade da União, que serão transferidos em cessão onerosa à estatal a título de subscrição da parte do Tesouro, teve um pouco de teatro. Não há densidade de poços nem de conhecimento geológico nos sete reservatórios de onde esse petróleo vai ser tirado. Assim, não foi possível definir, com a consistência desejável, a qualidade e as características do produto, o volume recuperável (dentro dos padrões Petrobrás - porque variam de empresa para empresa), os investimentos necessários em infraestrutura e tanta coisa mais.

Tupi, por exemplo, foi descoberto em 2007 e, no entanto, até agora a Petrobrás não foi capaz de dizer qual é o tamanho real da reserva. Essa imensidão de incertezas deve ter sido a principal razão pela qual duas certificadoras de prestígio internacional chegaram a conclusões tão disparatadas a respeito da avaliação dos barris.

Em compensação, as próprias regras do jogo preveem ajustes ao longo do tempo, quando começar a produção que deverá acomodar eventuais assimetrias não resolvidas. Mas, se é assim, se os preços desses barris acabaram por ser definidos mais a partir de critérios políticos do que puramente técnicos, perdeu-se energia demais com contratação de certificadoras e com os trâmites decisórios.

Finalmente, por mais gigantesca que seja essa operação de subscrição da Petrobrás, o volume de recursos novos com que contará dificilmente ultrapassará os US$ 30 bilhões (ou R$ 52 bilhões, ao câmbio de ontem).

Isso sugere que, antes mesmo de iniciar a etapa de desenvolvimento do petróleo obtido em cessão onerosa (dentro de seis anos), a Petrobrás necessitará de mais aumentos de capital. E aí será preciso saber não apenas se a União voltará a recorrer a jazidas de petróleo ainda em reservatórios inexplorados para subscrever sua parte, mas também se terá condições de remunerar o acionista.


CONFIRA

É a maior
Sexta-feira, a Bloomberg tirou a dúvida. Se concretizada, a operação Petrobrás, que prevê aumento de capital de pelo menos US$ 75 bilhões, não só será o maior lançamento de ações da história; será mais de três vezes o levantamento de capital feito pelo Banco Agrícola da China, de US$ 22,1 bilhões, há três semanas.

Contra o relógio
Os prazos estão curtos. Se não houver complicações judiciais, até final de setembro o processo estará praticamente encerrado. Até lá, o investidor terá de decidir se vale a pena aceitar a oferta pública, definir de onde tirará os recursos para subscrição e completar todos os procedimentos previstos.

Pior para os pequenos
Não é um roteiro que favorece a participação das pessoas comuns ou menos conhecedoras do funcionamento de uma oferta pública de ações. E isso é bom para o Tesouro e para os grandes capitais, que saberão se movimentar melhor e decidir com mais propriedade o que fazer.

Melhor que está pode ficar Ilan Goldfajn

O Estado de S. Paulo - 05/10/2010



O resultado das eleições presidenciais está aí. Haverá segundo turno. E, com ele, a esperança de surgirem os programas para o próximo governo. Houve poucas propostas até agora. No tema econômico, o mote parece ter sido o inverso do Tiririca: "Melhor que está não fica." Mas fica melhor, sim. Apesar dos avanços significativos nas últimas duas décadas, o Brasil continua um país relativamente pobre e mal distribuído. Os países que souberam aproveitar o salto inicial para avançar mais colheram os frutos, os outros estagnaram ou até recuaram. Há questões relevantes para poder melhorar: como aproveitar o contexto internacional e a credibilidade adquirida para dar um novo salto para o desenvolvimento sustentável? Como facilitar a vida de quem trabalha, produz e investe no Brasil? Haverá financiamento para todos os investimentos necessários nos próximos anos? De que forma lidar com os gastos que aumentam, o câmbio que se fortalece e os juros reais que caem devagar?


As oportunidades nunca estiveram tão presentes para o Brasil dar um novo salto. Em primeiro lugar, o Brasil insere-se favoravelmente no contexto global. A necessidade de ajuste nos países desenvolvidos (como a redução dos gastos do consumidor nos EUA) cria demanda para que países emergentes ajudem com crescimento do seu mercado consumidor. O Brasil é, sem dúvida, um desses países. O crescimento e a formalização da economia, somados à eficácia das políticas sociais, têm gerado um novo mercado consumidor no País. O crescimento da classe média no Brasil é substancial. Entre 2003 e 2008, cerca de 32 milhões de pessoas ingressaram nas classes A, B e C. Em 2003, as classes A, B e C, somadas, correspondiam a 45% da população brasileira; em 2008, esse porcentual subiu para 60% e acreditamos que em 2014 chegará a 67%. Esse processo terá implicações profundas sobre o ambiente de negócios no País.

Em segundo lugar, o Brasil fez o seu dever de casa. A conquista da estabilidade macroeconômica - como o controle da inflação - tem gerado dividendos para o desenvolvimento. O risco macroeconômico caiu substancialmente e a confiança no País está em alta, o que se tem manifestado num processo de alongamento de prazos de investimento, queda (lenta) da taxa de juros real e formalização da economia. Como se aproveitar disso e dar o próximo passo?

Há vários desafios à frente. Um deles é financiar adequadamente (ou seja, de forma sustentável macroeconomicamente) o investimento necessário nos próximos anos. Precisamos investir 25% do PIB, mas provavelmente "só" alcançaremos 22% pela falta de financiamento. Além dos investimentos necessários das empresas para satisfazer a demanda crescente dessa nova classe média, há os investimentos em recursos naturais, que o mundo tanto demanda. Em especial, as descobertas no pré-sal vão exigir muito recursos, além de novas tecnologias. Existe também o desafio de continuar a encurtar o hiato habitacional hoje existente com maiores investimentos em residências. Sem falar nos compromissos assumidos com eventos esportivos como a Copa do Mundo e a Olimpíada. Para isso o governo terá de investir em infraestrutura (por exemplo, portos, estradas, aeroportos e logística), encontrar o financiamento adequado para tal e estabelecer as condições para que o setor privado possa investir também.

O problema é que o Brasil não abre mão dos gastos correntes para economizar recursos vitais para investimento. O cidadão gasta, o governo também. A poupança doméstica (privada e pública) encontra-se em níveis muito baixos. Na ausência de um ajuste fiscal considerável, o País acabará recorrendo à poupança externa para conseguir financiar o crescimento dos próximos anos. Isso significará maior déficit em conta corrente, consistente com um câmbio real valorizado pela entrada de capitais. Um ajuste fiscal no presente (e reforma da Previdência no futuro) permitirá um novo salto para mais investimento, sem déficits externos maiores.

Outro gargalo está na educação. O crescimento sustentável demanda avanços nessa área. É preciso dar ênfase ao acúmulo de conhecimento, à formação de indivíduos que sejam capazes de ser produtivos, resolver problemas e liderar. Apesar dos avanços no acesso à educação (todos frequentam o ensino fundamental e 80%, o ensino médio), a qualidade ainda é ruim. Continuamos com mau desempenho nos testes de proficiência internacionais. Quase 80% dos nossos alunos de 15 anos não obtiveram a proficiência mínima em Matemática (comparados com apenas 2% na Coreia do Sul). Em Leitura e Ciências, 64% e 57% não obtiveram a proficiência mínima (comparados com zero e 2% na Coreia do Sul).

Interessante é que apenas gastar mais não resolve. Gasta-se no Brasil em educação o equivalente ao que se gasta na Coreia do Sul (acima de 4% do produto interno bruto), com resultados bem inferiores. Não basta simplesmente realocar recursos para educação, é necessário planejar e colocar os incentivos corretos para que professores e escolas levem os alunos a um desempenho melhor.

Outro aspecto é a ênfase na eficiência na gestão econômica. Há um número grande de pequenas medidas que facilitariam a vida das empresas e dos indivíduos: otimizar os processos, reduzir a burocracia, incentivar o bom atendimento ao cidadão. A reforma tributária seria uma medida maior nessa busca da eficiência.

Na gestão macroeconômica, a eficiência requer uma recomposição dos instrumentos. Temos de permitir que os juros não sejam nossa âncora exclusiva da responsabilidade. Menos expansão fiscal (via gastos e crédito público) permitiria uma convergência mais rápida dos juros a padrões internacionais, o que também aliviaria a pressão de apreciação do câmbio.

Enfim, melhor que está pode ficar. Agora é o momento crucial.

Hora das respostas Rodrigo Constantino

O Globo - 05/10/2010



A democracia brasileira sai fortalecida com o segundo turno entre Serra e Dilma. Ao contrário do que aconteceu na primeira rodada, agora os eleitores têm a oportunidade de cobrar certas questões dos candidatos. O país perderia muito se um simples "dedaço" do presidente Lula encerrasse o pleito sem um mínimo de debate aprofundado. Ainda mais no meio de uma enxurrada de escândalos envolvendo o mais elevado escalão do governo.

A primeira questão a ser levantada é justamente sobre ética. É chegada a hora de Dilma explicar em maiores detalhes o que se passou na Casa Civil, uma vez que Erenice Guerra foi alçada ao poderoso cargo por sua indicação. O tráfico de influência teria ocorrido bem debaixo de seus olhos, e a candidata precisa dizer aos eleitores se faltou competência para escolher melhor seus aliados mais próximos, ou se houve cumplicidade. Não custa lembrar que José Dirceu, que outrora ocupou o mesmo cargo e de lá saiu sob a acusação de "formação de quadrilha", continua bem próximo da cúpula de poder do PT.

Outro tema que merece maior atenção é a economia. O momento atual dificilmente poderia ser melhor: o crescimento deve fechar o ano acima dos 7%. Entretanto, o mais importante é a sustentabilidade deste crescimento, e não devemos deixar a miopia comprometer o foco no futuro. Vários pilares do crescimento são frágeis e insustentáveis, e continuamos dependendo bastante do cenário externo, especialmente da China. O Brasil precisa enfrentar de uma vez por todas as reformas estruturais que permitiriam colocar o país numa trajetória sustentável de crescimento.

Os candidatos devem apresentar quais são suas efetivas propostas para resolver os principais gargalos que impedem um voo de águia, em vez do tradicional voo de galinha a que estamos habituados. Quais serão as mudanças propostas para o sistema previdenciário, por exemplo, cujo rombo crescente representa uma bomba-relógio? Quando a demografia deixar de ajudar, com o inevitável envelhecimento da população, o modelo atual mostrará a sua completa fragilidade.

Aumentar alguns anos a idade da aposentadoria é medida paliativa, sem efeito concreto. A candidata Marina Silva, no último debate da Rede Globo, chegou a tocar no cerne da questão, ao mencionar a necessidade de um modelo de capitalização. O Chile conseguiu bastante êxito em sua reforma previdenciária, justamente por adotar contas individuais de capitalização. Nada mais justo do que o aposentado receber de acordo com aquilo que poupou ao longo da vida. Qual candidato pretende encarar este desafio? Quem ousa atacar os privilégios dos marajás do setor público?

A reforma tributária é outra que merece total atenção. Qual dos dois candidatos possui planos concretos para lutar pela simplificação dos tributos no Congresso? Algum deles tem realmente um programa de governo que possa cortar os gastos públicos para possibilitar uma carga tributária menos absurda? O Brasil perde competitividade frente aos concorrentes emergentes em boa parte devido ao excessivo peso dos impostos, e estes só poderão ser reduzidos quando a fome do governo por recursos diminuir. Qual candidato pretende colocar o governo obeso numa dieta séria?

Nossas leis trabalhistas conspiram contra o empresário e, por conseguinte, contra os próprios trabalhadores. São infindáveis "conquistas legais" que parecem maravilhosas no papel, mas que, na prática, jogam cerca de metade dos trabalhadores na informalidade. Os mais jovens e inexperientes, com baixa produtividade, são os mais afetados. O custo efetivo para a empresa chega ao dobro do salário recebido pelo trabalhador. As máfias sindicais agradecem, mas não aqueles trabalhadores informais ou desempregados. Qual dos candidatos possui um projeto para flexibilizar as leis trabalhistas brasileiras?

As eleições serviram para mostrar a urgência de uma reforma política também. Para começo de conversa, o voto deve se tornar totalmente facultativo. É assim em todas as democracias avançadas, e não faz sentido manter o voto obrigatório. Além disso, faz-se necessário aproximar mais o candidato dos eleitores, e somente o voto distrital pode fazer isso. Por fim, não faz sentido o Norte e o Nordeste concentrarem um poder totalmente desproporcional em relação tanto ao tamanho da população como à participação no produto nacional. Um federalismo verdadeiro é crucial. Qual candidato defende isso?

Existem muitas outras questões importantes. Agora os eleitores contam com a chance de cobrar dos candidatos algumas respostas. Que não a desperdicem!

domingo, outubro 03, 2010

DANUZA LEÃO Na torcida

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/10/10

Gostaria que houvesse uma urna paralela para se votar nos cinco candidatos em quem jamais se votaria
COMO EU ADORO eleição, estou torcendo para que haja um segundo turno. Se isso acontecer, vamos poder saber mais das propostas dos candidatos, conhecê-los um pouco melhor, com debates mais verdadeiros, de preferência dois candidatos sem tempo marcado para perguntas e respostas.
Alguém, não me lembro mais quem, prometeu abrir 6.000 creches; e quem vai sair contando, por esse país tão grande? Se tanto faz, por que não prometer 60 mil, 6 milhões, já que ninguém vai mesmo cobrar?
A vida de Marina e Serra nós conhecemos bem; a de Dilma é meio misteriosa. Sabemos que ela lutou contra a ditadura, foi presa e torturada, era do PDT, trocou pelo PT, teve dois maridos; e quase mais nada, pois a candidata não dá entrevistas.
O eleitorado só ficou sabendo que ela tinha uma filha dias antes dessa filha ter um bebê; há cerca de um mês se soube, pela Folha -até então ninguém sabia-, que tinha sido sócia de uma lojinha de bugigangas (que faliu) em Foz do Iguaçu, e até hoje não está claro se ela planejava as ações ou empunhava metralhadora, quando lutava contra a ditadura.
Lembro que há alguns anos a imprensa -sempre ela- descobriu que um candidato a candidato à Presidência, nos EUA, tinha uma empregada mexicana ou asiática, que havia entrado irregularmente no país. Os jornais estamparam, e ele deixou a vida pública.
Qualquer americano sabe da vida do presidente Obama, da dos seus pais e dos seus avós. É um direito do eleitor saber em quem está votando.
O que faz com que se escolha um candidato, e não o outro, é seu passado, sua coerência, a capacidade de escolher para sua equipe as pessoas mais competentes e de mais confiança; como os cavalos de corrida, seu retrospecto. E sobretudo, acreditar nele.
Esta noite, alguns vão dormir felizes, outros com dor de cotovelo, outros, talvez, com alívio pela campanha ter acabado, e há também os que vão beber muito -por qualquer dessas razões.
Para os outros cargos além da Presidência, são tantos os candidatos, a maioria totalmente desconhecida, que a tendência é votar em alguém de cujo nome já se ouviu falar, mesmo que só de quatro em quatro anos, o que, aliás, é perigosíssimo.
Mas alguns são tão absurdos que eu gostaria que houvesse uma lista paralela, com uma urna paralela, para se votar nos cinco candidatos em quem jamais se votaria. Eu adoraria isso.
Você aí, que não precisa votar, porque passou dos 70, deixe de preguiça. Não precisa usar gravata, basta um jeans e uma camiseta; pegue o título de eleitor e a identidade (com foto) e não perca esse privilégio, que é escolher quem vai governar seu país. Nosso país.
Desta vez vai demorar, deve ter fila, mas sempre vale a pena. Quando chegar em casa, é ligar a televisão, se preparar para dormir tarde -a apuração só vai terminar lá pela meia-noite- e torcer, torcer muito.
Por um segundo turno, é claro.

PS - E como a vida continua, perigo à vista: uma determinada fábrica de tintas que está colorindo o Rio de Janeiro com as piores cores, como se fosse uma cidade cenográfica, anuncia pela TV que seu próximo destino é Ouro Preto. Socorro, autoridades. Isso é muito grave.

Suely Caldas -Dúvidas do eleitor

O Estado de S Paulo
Os brasileiros irão hoje às urnas com uma visão turva sobre o que pretende fazer o futuro governante em ações econômicas de alcance mais abrangente para o País. Em campanha marcada pela multiplicidade de meios de comunicação engajados na eleição e o massivo e agressivo (bom e mau) uso da internet, os candidatos calaram em relação a temas fundamentais para o futuro do Brasil. Em compensação, foram pródigos em promessas. Casa própria, água e esgoto tratados para 100% dos pobres, aumentar o salário mínimo, ampliar o Bolsa-Família, criar milhares de creches, escolas e centros profissionalizantes, qualificar professores, construir hospitais e centros de atendimento à saúde em todos os municípios, eliminar prazos para consultas médicas e cirurgias, garantir segurança em favelas e áreas de risco, combater as drogas, etc... Enfim, promessas velhas para problemas velhos da parcela mais pobre, mais ingênua, mais desinformada e mais explorada por candidatos em campanha. De tão banalizadas e repetidas, são recebidas com desconfiança e ceticismo.

E sobre o que calaram os candidatos? Eles esconderam seus programas econômicos. Aqueles que, passado o pleito, são tratados com absoluta prioridade pelo vencedor, justamente porque miram diretrizes e ações mais importantes, definem prazos e cronograma de propostas ao Congresso e planejam as principais medidas do governo que será empossado em 1.º de janeiro.

O triunfo nas urnas é o que dá força política ao novo governante para executar ou fazer aprovar no Congresso propostas impopulares, mas absolutamente necessárias para fazer prosperar a economia e equilibrar as contas públicas. Convém, pois, delas tratar logo nos primeiros dias de governo. Foi assim com Fernando Henrique, em 1995, e com Lula, em 2003, embora os dois tenham recuado e conseguido muito pouco. É o caso das reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista, que patinam há 16 anos e não são resolvidas.

A reforma política é a mais difícil, porque mexe em interesses de deputados e senadores que irão votá-la. Ao simplificar o emaranhado de impostos, a tributária é temida pelo governo federal, governadores e prefeitos que receiam perder arrecadação. A mais incompreendida, a previdenciária, enfrenta a oposição de idosos (que nem são atingidos), sindicatos de trabalhadores e funcionários públicos, todos gritando para o Congresso rejeitá-la. E a trabalhista, que poderia modernizar regras e incluir trabalhadores excluídos de direitos, é vetada por sindicatos. São todas impopulares, mas absolutamente necessárias.

Outro tema ignorado pelos candidatos na campanha é o que farão para remover os entraves que elevam o custo de produzir no Brasil. Aí sobressaem o investimento em infraestrutura, a despolitização das agências reguladoras, definição de projetos prioritários, marcos regulatórios bem construídos e regras estáveis para atrair o investimento privado. Hoje é comum navios esperarem semanas para desembarcar mercadorias, por insuficiência de portos bem equipados no País. Essa demora eleva o custo Brasil, o preço final dos produtos. A mesma carência existe em relação a rodovias, ferrovias e hidrovias. E o que fará o novo governante com a Lei de Responsabilidade Fiscal, tão enfraquecida no governo Lula? Ela ajuda a conter os gastos e equilibrar as contas do presidente, governadores e prefeitos. Haverá um programa organizado e com metas definidas para reduzir despesas públicas e redirecionar verbas para investimento em saneamento, por exemplo?

Aliás, no quesito gestão fiscal, a candidata com mais chance de vitória, Dilma Rousseff, é a que mais suscita dúvidas e preocupações. Ela acionará o freio para arrumar as finanças públicas e conter a explosão de gastos de custeio, a expansão acelerada da dívida, os aportes excessivos de dinheiro ao BNDES? Ou a busca frenética de popularidade política vai continuar alimentando ações irresponsáveis? E seu estilo intervencionista vai prevalecer para impedir o Banco Central de elevar os juros?

São dúvidas que o eleitor não teve esclarecidas para definir seu voto.

Gaudêncio Torquato O dia maior da cidadania

- O Estado de S.Paulo
Não faz muito tempo, acompanhando um candidato a prefeito de São Paulo pela periferia da capital, um jornalista, ao ver um galo disparando um cocoricó, perguntou de chofre ao demagogo se ele seria capaz de fazer aquela ave cantar. A resposta veio na ponta da afiada língua: "Mas é claro." Em idos que a névoa do tempo encobre, Temístocles, o altivo ateniense, também conhecido por escolher entre dois pretendentes à mão de sua filha o mais virtuoso, em vez do mais rico, foi convidado numa festa a tocar cítara. O general declinou gentilmente do convite: "Não sei tocar música, o que sei é fazer de uma pequena vila uma grande cidade." Hoje, cerca de 135 milhões de brasileiros são convocados a comparecer às urnas e depositar seu voto em candidatos de todos os naipes: doidivanas, oportunistas, tocadores de trombone, clarineta e cítara e, pior, até imitadores de galos e galinhas. O rol de demagógicos parece ser maior que a lista dos sérios. Quem se deu ao sacrifício de olhar para o desfile de caras, bocas e onomatopeias nos programas dos candidatos às eleições proporcionais registrou o mais estapafúrdio espetáculo da história eleitoral.

Nem mesmo incontidas gargalhadas conseguiram disfarçar o constrangimento que o destampatório provocou em eleitores que ainda põem crença na política como ferramenta de transformação social. Mas ainda é possível ver nascer uma flor no pântano. Parcelas da sociedade brasileira enxergam uma pequena tocha que, mesmo bruxuleante, deixa ver perfis talhados por boa-fé e motivados a trilhar a via política defendendo a dignidade tão bem expressa por Temístocles no gesto em que mostra a diferença entre um estadista, que se submete ao crivo da História, e um populista, inebriado por aplausos das gerais. Neste dia em que se processa o evento de maior significação dos sistemas democráticos - momento em que os cidadãos escolhem livremente seus representantes -, é de esperar que eleitoras e eleitores cumpram seu direito com zelo e sabedoria, sob o axioma de que o voto é o tijolo mais sólido do edifício da cidadania.

Se tal consciência não adquire amplitude, em razão do grau de educação política do maior contingente populacional, classes e setores esclarecidos imbuem-se do dever de puxar a locomotiva de consciência cívica e exercer seu papel de fomentadores do escopo e dos quadros mais necessários ao desenvolvimento político da Nação. Não se podem omitir diante de mazelas que se acumulam nos desvãos das instituições, patrocinadas por algumas dúzias de senhores que teimam em conservar no gelo as sobras bolorentas da velha política. Nem devem execrar a moldura cultural que abriga nosso povo. Gogol ensinava: "Não é por culpa do espelho que as pessoas têm uma cara errada." O espelho apenas retrata a feição patrimonialista da administração pública. Feição que, periodicamente, passa por um exercício de lapidação, quando milhões de eleitores são chamados a redesenhar a paisagem política, selecionando os atores que frequentarão os palcos institucionais. Infelizmente, esta periódica tarefa mais se assemelha à estrada infinita, sem início nem fim, que encalacrou Zaratustra, o mestre do eterno retorno, cuja angústia era não saber se estava andando para a frente ou para trás. Não conservamos a sensação de que, a cada pleito, contemplamos a mesma velha e desbotada roupa? Ou será que, na esfera política, teremos de sofrer o castigo a que Sísifo foi condenado pelos deuses, o de tentar carregar nos ombros, por toda a eternidade, a pedra ao topo da montanha?

Esta reflexão sobre a corrente da repetição infinita se faz providencial neste dia que, por excelência, é considerado o mais importante da agenda da cidadania. Rememorar o valor do voto é argumentar que a escolha irrefletida de um representante, seja para que instância for, não ajuda um país a se transformar em Pátria e aproximar o Estado da Nação. Pátria é sincronismo de espíritos e de corações, é comunhão de esperanças, de anelos coletivos, berço de valores e tradições, do qual se devem orgulhar seus filhos. Estado é uma entidade técnico-jurídico-institucional, que vive sob pressão de conflitos e divisão de interesses. Diminuir a distância entre Estado e Nação, eis a missão basilar da política. Missão que se efetiva quando os representantes escolhidos pelo povo conseguem elevar a política ao altar em que foi plasmada e onde nasceu o ideário de defesa e bem-estar da polis. É triste constatar que a política virou profissão, abrindo caminho para legiões de oportunistas que multiplicam teatros mambembes por todos os cantos, alguns querendo iludir as massas com piruetas e truques, travestindo-se de palhaços, fantoches e bufões de antessalas palacianas.

Muitos hão de perguntar: não há quadros nobres e de caráter na política brasileira? Sim. Há grandes atores, perfis sérios. Infelizmente, por um desses efeitos mágicos que a alquimia do Estado-espetáculo consegue engendrar, não alcançam a visibilidade dos conjuntos alçados às luzes dos holofotes. Alguns ainda se salvam graças à fidelidade de um eleitorado que não se encanta com a mediocridade dos mercadores. Aos eleitores fica a sugestão de achar candidatos com ideais e nobreza no meio de espíritos obscuros e pusilânimes. Que se encontrem perfis verdadeiramente sintonizados com as demandas da população. Sintonia que não deve exprimir mera distribuição física de benefícios, mas efetivo compromisso com políticas estruturantes. Urge ter cuidado com quem brande a espada do conflito de classes, sob o bolorento discurso de tirar de uns para dar a outros. Lembremos a lição de Lincoln: "Não fortalecerás os fracos enfraquecendo os fortes, não ajudarás o assalariado se arruinares aquele que paga, não ajudarás os pobres se eliminares os ricos." A Pátria carece de paz e harmonia.

Um voto digno para todos.

Fernando Henrique Cardoso - Segundo turno

O Estado de S.Paulo
A campanha eleitoral termina sua primeira fase como se estivéssemos escolhendo entre duas ou três pessoas em razão de suas diferentes psicologias, grandes feitos, pequenas fragilidades pessoais ou o que mais seja. E não porque representam caminhos diversos para o País.

O governo de Lula e do PT iniciou-se disposto a exercer o papel de renovador da política e da ética. Termina abraçado com a despolitização e o clientelismo. Ser pragmático é o que conta; ter bons índices de popularidade, aproveitar as águas calmas de um produto interno bruto (PIB) em ascensão para distribuir benesses para todos os lados, fazer discursos inconsistentes, mesmo que chulos, para agradar a cada audiência. E, sobretudo, criar muitas imagens, registrando desde o ridículo até o sublime. Lula, na Bolsa, autodefinindo-se como sumo sacerdote do capitalismo financeiro global representou o coroamento de uma trajetória. Como se de suas mãos escurecidas de petróleo brotassem ações ricas em dividendos futuros, e não do esforço árduo de gerações de trabalhadores, técnicos e políticos para viabilizar a Petrobrás como uma grande companhia, da qual todos nos orgulhamos.

Por trás das máscaras dos candidatos, contudo, existem opções reais. Se elas se apresentam desfiguradas pelas técnicas mercadológicas, nem por isso deixam de representar distintas visões do País e interesses diversos. É por isso que, diga-se ou não, o dia de hoje é marcante. Em primeiro lugar, porque, a despeito de o chefe da Nação ter-se comportado como chefe de facção, chegando a falar em extermínio de adversários; apesar da massa de recursos mobilizada em propaganda direta ou indireta, com as cornucópias públicas a jorrar rios de anúncios sobre "grandes feitos"; em que pese o personalismo imperial do presidente em sua verborreia incessante; não obstante tudo isso, com certeza pelo menos 40% dos eleitores não se dispõem a coonestar tal estado de coisas. E é pouco provável que os que ainda pendem para o outro lado alcancem hoje os 50% mais um dos votos válidos. A tentativa plebiscitária do "nós bons versus eles maus" não colou, a menos que se condene metade do País ao infortúnio de uma qualificação negativa perpétua.

Em segundo e principal lugar, o dia de hoje é importante porque abre um caminho para a convergência entre os que resistem ao rolo compressor do oficialismo - o PSDB com José Serra e o PV com Marina Silva. Temos em comum a recusa ao caminho personalista e autoritário. Rejeitamos a ideia de que esse caminho seja o único capaz de trazer progresso econômico e bem-estar social. Sabemos que, juntamente com o que de positivo possa haver sido alcançado nos últimos oito anos, houve também a penetração avassaladora de interesses partidários na administração pública. Também nela penetraram os interesses de grandes empresas, fundos de pensão e sindicatos. São esses os atores que, em aliança oportunista, dão sustentação à ideia de que é o Estado o motor do crescimento econômico. Os que resistem ao rolo compressor acreditam que o antídoto para esses males é o fortalecimento das instituições, o respeito às regras legais e a afirmação de lideranças que não dividam o País entre "eles" - os maus - e "nós" - os bons.

Não é pouca coisa, portanto, o que está em jogo. Segundo o mantra oficial, a disputa política estaria resumida a dois blocos. No primeiro estariam os que estão comprometidos com o interesse popular, com o bem-estar social e com a defesa dos interesses nacionais pelo Estado. No segundo, os "moralistas", que só se preocupam com o mundo das leis e com a honestidade na política porque já estão bem na vida. Vencendo o primeiro, o povo se beneficiaria com a distribuição de renda, as bolsas, emprego abundante, etc., e o País, com mais investimento e com a ação estatal para incentivar a economia. Vencendo o segundo, prevaleceriam os interesses dos que não olham para "o andar de baixo", na metáfora expressiva, embora incorreta, e podem se dar ao luxo de exigir formas corretas de conduta.

É preciso recusar essa visão distorcida do País. Na verdade, ele tem vários andares, e um ou mais elevadores que sobem e descem. Há mobilidade social e mobilidade política. O que hoje pode ser visto como "moralismo" amanhã pode tornar-se aspiração de todos os andares. É esta a batalha a ser travada. Não denunciamos a corrupção, o clientelismo e a ineficiência por "moralismo", mas, sim, para mostrar, em nome da justiça social, o quanto os andares de baixo perdem com a ineficiência, a corrupção e o clientelismo. Não aceitamos que os defensores do patrimônio público ou os que denunciam o abuso do poder político sejam, por isso, chamados de elitistas. Haverá mais, e não menos, inclusão social e desenvolvimento, quanto mais eficiência houver no governo e decência, na vida pública.

A votação de hoje provavelmente nos levará ao segundo turno. Nele será indispensável mostrar que o PSDB não apenas foi decente, como também fez muito pelo social quando foi governo. A começar pela estabilização, que é obra do nosso governo. Fez e está credenciado a fazê-lo novamente, junto com Marina, porque sabe que não há desenvolvimento de longo prazo sem sustentação ambiental.

Sem se arvorar em ser o único portador desses valores, é isto que Serra representa: a recusa da confusão entre malandragem e proximidade com o povo, entre abuso estatal no controle da economia e ação vigorosa do governo no manejo das políticas econômicas e sociais. O dia é hoje, a hora é agora, para começar a construir um futuro melhor: o País merece um segundo turno no qual o confronto aberto entre os contendores dê aos eleitores a oportunidade de ver as diferenças entre os caminhos propostos, encobertas até aqui pela rigidez das máscaras mercadológicas.

DORA KRAMER -É o fim de um caminho

O Estado de S.Paulo
O resultado da eleição de hoje é incerto, não se sabe se amanhã a campanha recomeça ou se estará decidida a sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva, mas uma coisa é certa: a atual campanha presidencial foi a mais esquisita, para não dizer bizarra, de todas as eleições desde a redemocratização.

Inclusive por suas contradições. Por exemplo: foi a menos politizada de todas e, no entanto, a primeira em que a sociedade interferiu concretamente para que fosse tomada uma providência contra os políticos de vida pregressa duvidosa, os chamados fichas-sujas.

Não dá para dizer que não houve avanços se gente que antes circulava de cabeça erguida a despeito do peso da folha corrida, dando de ombros e se lixando, agora está moralmente condenada em praça pública.

Uns renunciaram, outros se expuseram ao vexame de recorrer a "laranjas", muitos perderam votos com a exposição negativa e nenhum deles terá os votos computados hoje. Em princípio esses votos serão considerados nulos.

Posto o monumental ganho, vamos às constatações menos positivas a respeito da campanha que se encerra.

Verdade que, cada qual a seu modo, os candidatos desta vez eram verdadeiros breves contra a luxúria eleitoral.

José Serra, prontíssimo para o cargo, mas zero à esquerda em matéria de "appeal", carisma, borogodó, tenha o nome que for aquilo que atrai e mobiliza as pessoas.

Marina Silva fala de coisas modernas, é elegantíssima nos modos, na fala e no pensamento, põe os dedos em algumas feridas com precisão. Mas o faz com tal delicadeza e adjetivação vã que se torna inaudível e ininteligível.

Plínio de Arruda Sampaio tenta fazer o démodé transgressor, mas o personagem morreu com Leonel Brizola, que o encarnava com charme intransferível.

Dilma Rousseff por enquanto não é nada além de uma criação de Lula, dos conselheiros de forma e conteúdo, do cabeleireiro Celso Kamura. Ensaiada, quando livre parece rude.

Com esse plantel não daria mesmo para se produzir um grande espetáculo. Mas saiu pior que a encomenda. O presidente Luiz Inácio da Silva institucionalizou a transgressão. A oposição a rigor não disputou porque quando entrou em campo o jogo ia longe, e tudo isso já é bem sabido.

Um ponto a respeito do qual pouco se falou e que salta como um dos grandes fiascos da temporada são os debates de televisão. Os candidatos não ajudam? Não, mas o modelo tampouco favorece a um real embate de pensamentos, estilos e personalidades.

Os marqueteiros mandam em tudo. Impõem os interesses dos clientes que jogam com medo de errar e sem vontade de acertar (o fígado do oponente).

Em nome do bom-mocismo, os candidatos estão fingindo que debatem, as emissoras fazendo de conta que promovem debates e o eleitor/telespectador fica no "ora, veja"; feito bobo, até tarde, esperando que aconteça alguma coisa que altere aquela situação totalmente artificial.

Trata-se definitivamente de um modelo esgotado, um formato a ser repensado e remodelado, na próxima eleição, sob pena de caírem em desuso por desinteresse no uso.

Comparativo. Segundo o TSE, 3.162 candidatos tiveram o registro negado pelos tribunais eleitorais, sendo que, destes, 1.248 ainda estão pendentes na instância superior.

Em 2006 o número de candidaturas indeferidas foi de 1.563. Outros 1.030 renunciaram à postulação, somando 2.593 candidatos.

Se todos os vetados agora forem impugnados em definitivo, terá havido aumento, mas não muito grande, de candidaturas tidas como inaptas depois da aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Assim é. No debate da TV Globo, quinta-feira, ao fim das considerações finais de cada candidato, as "torcidas" saudaram com palmas as manifestações dos respectivos candidatos. Menos os tucanos. Ficaram em silêncio não se sabe se por excesso de apreço ao veto a manifestações da plateia ou por escassez de entusiasmo.

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