O ESTADO DE S. PAULO
Em 1986, um pouco antes do lançamento do Plano Cruzado, que daria ao então presidente José Sarney um ano de alta popularidade e ao fim dele uma vitória eleitoral espetacular na eleição de governadores do PMDB em quase todos os Estados, Fernando Lyra (ex-ministro da Justiça) e Fernando Henrique Cardoso (senador) fizeram duras críticas a Sarney. A de FH bem mais contundente, em longa entrevista ao Jornal do Brasil.
Comentário de Lyra entrou para os anais das melhores tiradas da política: "Eu pisei no tomate, mas Fernando Henrique pisou no tomateiro."
Entre o ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, difícil distinguir quem pisou no tomate e quem esmagou o tomateiro.
Impossível decidir quem teve o pior desempenho na história exposta ontem pelo jornal Folha de S. Paulo sobre um telefonema entre Serra e Mendes, ao que tudo indica, ocorrido pouco antes de o ministro pedir vista da ação direta de inconstitucionalidade do PT contra a lei que exige do eleitor apresentação de dois documentos para votar.
Segundo o relato da Folha de S. Paulo, um profissional do jornal estava presente quando Serra pediu para que fosse feita a ligação. Testemunhou quando um assessor passou o telefone dizendo quem era do outro lado da linha e ouviu quando o candidato atendeu dizendo "meu presidente!".
O candidato e o magistrado erraram feio. Um por telefonar, outro por atender. Isso na hipótese de que não tenham conversado sobre o julgamento que transcorria no STF, coisa que jamais se saberá com certeza.
Não conspira a favor do exigido de um magistrado que no curso do julgamento esteja a conversar com uma das partes.
Sim, porque da forma errática como foi posta em debate essa questão da exigência do título de eleitor e mais um documento oficial com fotografia, ficou convencionado que a lei desfavoreceria o PT e, consequentemente, favoreceria o PSDB.
Da parte do candidato, o gesto de telefonar para o ministro durante a sessão é de uma inconveniência ímpar. Até porque dá margem a comentários, interpretações e suposições que de fato foram feitas a respeito do telefonema e obrigaram o ministro a se justificar várias vezes por meio de indiretas na sessão de ontem.
Serra e Mendes foram mal, mas se lhes serve de conforto, não estão sozinhos no que tange à falta de apreço à melhor conduta.
Deixemos de lado o comportamento do presidente da República, por já exaustivamente comentado, e passemos direto aos votos do restante do colegiado no momento em que Gilmar Mendes interrompeu o julgamento: sete votos em favor da ação indireta de inconstitucionalidade.
Todos absolutamente lógicos no tocante à dificuldade que sem dúvida alguma a exigência impõe ao eleitor. Mas naquela sessão não houve a decretação da inconstitucionalidade da legislação. Tampouco isso ocorreu na sessão do dia seguinte (ontem) que concluiu a votação com o resultado de 8 a 2 em favor da não-obrigatoriedade da apresentação do título de eleitor.
Os magistrados recorreram a critérios de "proporcionalidade" e "razoabilidade" - e não a normas constitucionais - para atender ao que pedia a ação direta de inconstitucionalidade.
Aos partidários que se revoltam ou comemoram a decisão do tribunal convém lembrar que em tese não estava em jogo uma questão eleitoral.
Tanto que no ano passado quando o Congresso votou a emenda à legislação eleitoral nenhum líder partidário discordou e, depois disso, o presidente Lula sancionou a lei.
Só ocorreu ao PT que ela poderia ser prejudicial ao eleitor quando teve certeza de que seria maléfica para a candidatura Dilma. Antes de essa hipótese ser aventada com rigor, até a semana passada não havia reparos a serem impostos à legislação.
Ao Supremo realmente não cabe examinar a motivação, embora coubesse analisar a constitucionalidade e não a conveniência, de todo modo muito pertinente quanto ao mérito da questão.
Confuso? Pois é, como tudo o mais nesta brasileira República federativa.
Entrevista:O Estado inteligente
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