O fechamento de um grande número de postos de trabalho nos Estados Unidos em setembro tem tudo para se transformar em senha para aumento das pressões sobre a China para revalorizar sua moeda, o yuan.
As coisas pelo menos começam a ser colocadas nos seus devidos termos. O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, avisou que políticas de desvalorização cambial não passam de movimentos destinados a “transformar o vizinho em mendigo (beggar thy neighbour)”, expressão criada nos anos 30 pelo economista Dennis Robertson.
Zoellick está dizendo que o fenômeno não se restringe às relações entre moedas, alcançando um contexto bem mais amplo, de guerra por apropriação de salários (ou de empregos) e de rápidas mudanças na divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, as grandes transformações que o mundo vive hoje são mais do que simplesmente o aumento dos desequilíbrios da economia global.
Não é à toa que, em macroeconomia, as relações de câmbio são consideradas alterações nos níveis de renda entre países. Uma desvalorização cambial (baixa da cotação da moeda nacional) equivale a uma redução do salário real; e uma revalorização cambial, a uma alta. Basta levar em conta que a alta do real aumenta o poder aquisitivo do brasileiro em produtos importados e em viagens internacionais.
E quando o Fed (o banco central americano) emite trilhões de dólares para recomprar títulos privados e públicos, está certamente trabalhando para a recuperação do emprego nos Estados Unidos. O efeito colateral é a inundação de liquidez nos mercados e a desvalorização do dólar.
Visto o mesmo tema por outro ângulo, cada vez que um americano ou um europeu compra produtos eletrônicos ou têxteis chineses está contribuindo para o fechamento de postos de trabalho em seu país e para a abertura de outros na China.
Até agora, as grandes potências não tinham se incomodado com a incorporação de 30 milhões a 40 milhões de asiáticos ao mercado de trabalho (e de consumo) por ano porque o processo não implicou aumento do desemprego nos seus territórios. Ao contrário, o forte despejo de recursos pelos bancos centrais desde os primeiros anos do século 21 passava a impressão de prosperidade universal.
A crise mostrou que o ritmo de distribuição da riqueza está gerando desemprego e conflitos cambiais de difícil solução. Os países ricos mantêm compromissos demais, tanto no jogo internacional (caso dos Estados Unidos) como com suas próprias populações (caso dos países europeus e seus princípios do bem-estar social).
É altamente improvável que uma revalorização do yuan, ainda que relevante (na casa dos 20%), resolva os problemas de fundo. Não vai, por exemplo, restabelecer a competitividade do produto dos Estados Unidos, da Europa e do Japão.
A proposta sobre a mesa é de avançar num amplo acordo cambial que seja capaz de dar um ritmo politicamente aceitável nesse arranjo global do trabalho. Como implica resolver grandes desequilíbrios, uma solução desse tipo levará anos porque terá de contar com condições macropolíticas favoráveis.
Enquanto esse grande acordo não amadurecer, vai prevalecer o cada um por si, como reconheceu o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Para o bem e para o mal, cada país vai procurar ajeitar sua embarcação para enfrentar os vagalhões que vêm aí.
Confira
Não adiantou. No dia 15, o Japão injetou US$ 20 bi para impedir que a cotação do dólar caísse abaixo de 82 ienes. Sexta-feira, fechou a 81,93 ienes, o nível mais baixo em 15 anos. Ou seja, além de não atingir seu objetivo, a intervenção parece ter encorajado os especuladores a reforçar a aposta na valorização da moeda japonesa.
Entrevista:O Estado inteligente
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