O petróleo é deles
'O Ildo não é do governo, ele é um petroleiro", teria dito Dilma Rousseff, segundo o próprio Ildo. A frase, real ou imaginária, lança luz tanto sobre a captura da Petrobras pelos interesses de financiamento partidário quanto sobre a narrativa nacionalista que recobre as empresas estatais. Ildo Sauer enxerga nas estatais a salvação do Brasil. O governo enxerga nas estatais uma poderosa ferramenta de um projeto partidário de poder — e, com razão, sorri com desdém da ingenuidade do "petroleiro" que acreditou nas suas proclamações retóricas. O capitalismo de Estado é um negócio, muito mais que uma doutrina.
Sauer é um comunista da vertente nacionalista, o tipo que interpreta a teoria do imperialismo de Lênin sob um viés terceiro-mundista e ainda elogia o suposto sucesso econômico da antiga União Soviética. O professor da USP ajudou a elaborar o programa de Lula para o setor elétrico e ocupou a diretoria de Gás e Energia da Petrobras entre 2003 e 2007, de onde saiu atirando obuses contra a retomada dos leilões de petróleo. Ele qualificou a concessão de campos na franja do pré-sal à OGX como "o ato mais entreguista da história brasileira", acreditou que a empresa de Eike Batista produziria 1,4 milhão de barris/dia e, junto com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), denunciou o leilão de Libra como mais uma traição à pátria. Hoje, seus bens estão bloqueados por um TCU engajado na seleção de bodes expiatórios.
Dias atrás, o PT decidiu acusar Marina Silva de "antinacionalista", difundindo a mentira de que ela pretende privatizar a Petrobras. A FUP, sob controle petista, entrou na campanha de Dilma, encarregando-se de organizar atos "em defesa do pré-sal" com o objetivo de conferir substância ao discurso anti-Marina. Os sindicalistas são realistas: sabem que devem ajustar a chama de seu "nacionalismo" segundo o ritmo dos ciclos eleitorais. Sauer, um Quixote do estatismo, acredita de fato nas assombrações que invoca. O "petroleiro" nunca entendeu a lógica do lulopetismo nem o significado político da retórica nacionalista.
Os habitantes da antiga União Soviética não estavam de acordo com Sauer sobre o desempenho econômico do "socialismo real". O fracasso histórico do sistema soviético provocou a implosão do "império vermelho" — e, junto com ela, a falência ideológica do estatismo tout court, ainda hoje pregado por Sauer. No mundo que emergiu depois de 1991, a alternativa realista à economia de mercado é o capitalismo de Estado. Contudo, nesse modelo, como entendeu perfeitamente o lulopetismo, as empresas estatais funcionam como nexos entre o poder político e as grandes empresas transnacionais ou nacionais. Lula e Dilma sujaram as mãos de petróleo celebrando a súbita (e, viu-se, efêmera) conversão de Eike Batista num magnata genuinamente nacional. Os atos "entreguistas" que escandalizam Sauer inscrevem-se na normalidade do capitalismo de Estado. O "petroleiro" é um sonhador — mesmo se seu sonho não passa de uma reprodução do pesadelo soviético do passado.
No universo mental de Sauer, o perigo mora no investimento privado. Sua acusação básica incide sobre os leilões de campos de petróleo. "Fernando Henrique fez quatro, Lula fez cinco. Lula entregou mais áreas e mais campos para a iniciativa privada do petróleo do que Fernando Henrique", explicou numa longa entrevista à "Revista Adusp", em 2011. Entretanto, à frente de uma diretoria da Petrobras, o inflexível estatista descobriu que outros interesses privados participavam do grande jogo do petróleo. Numa entrevista concedida há uma semana a "O Estado de S.Paulo", Sauer oferece testemunho da nomeação de "despachantes de interesses" na estatal: "O governo de coalizão do presidente Lula passou a permitir que grupos de parlamentares e partidos se reunissem para indicar dirigentes." Obviamente, ele não diz que nisso reside uma das diferenças cruciais entre a Petrobras do governo Fernando Henrique e a do governo Lula.
A FUP não se importa com a captura partidária da estatal, preferindo concentrar-se em promover uma pobre contrafação eleitoral do discurso estatista de Sauer. Mas o "petroleiro", emparedado num sonho carente de suporte político e abandonado pelo partido que escolheu, já não pode mais virar as costas à realidade. Na entrevista recente, ele aponta na direção certa, rejeitando a lenda de que os "despachantes de interesses" operavam à margem do Planalto. "Lula se queixou a um deputado que eu não ajudava muito e que ele estava muito impressionado com a ajuda de Paulo Roberto, que ajudava muito", contou Sauer, referindo-se ao episódio de sua demissão. No capitalismo de Estado, as estatais têm dono.
Paulo Roberto Costa começou a "ajudar" em 2004, quando Lula o catapultou à Diretoria de Abastecimento da Petrobras, e continuou "ajudando" até 2012, segundo ano do governo Dilma. Sauer acompanhou, à distância, a montagem da operação que resultaria nos escândalos das refinarias de Pasadena e Abreu e Lima. "Não me envolvia com isso porque achava que não era pertinente", justifica-se tardiamente o "petroleiro", que consumiu 20 páginas da "Revista Adusp" para bombardear o "neoliberalismo" sem nunca mencionar a privatização partidária da estatal. Nitidamente, o seu novo foco reflete o impacto pessoal das decisões do TCU, que incriminam os peixes pequenos e os inocentes, resguardando Dilma e Graça Foster, as principais vozes oficiais de comando.
"Um Estado dentro do Estado" — a célebre definição da Petrobras, utilizada pelo próprio Lula, sintetiza o dilema de governança das estatais. A única alternativa à captura política do "Estado paralelo" pelo governo de turno é inscrever a Petrobras no sistema de contrapesos da economia de mercado, intensificando a concorrência no setor da exploração de petróleo e expondo-a à competição internacional. Sauer, o inimigo jurado do mercado, jamais entenderá isso.
Demétrio Magnoli é sociólogo
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