Dilma e as cabeças cortadas
Uma qualidade não se deve negar a Dilma Rousseff: é transparente. Não por virtude, mas por falta de talento; não por convicção, mas por falta de imaginação; não por apreço à verdade, mas por falta de discernimento. A entrevista que ela concedeu na terça (23) –em que censurou os ataques dos EUA e aliados às bases do Estado Islâmico– e o discurso feito na abertura da Assembleia Geral da ONU, na quarta, em que reafirmou esse ponto de vista, restarão como ilustrações da miséria sincera a que chegou a política externa brasileira sob o petismo.
E olhem, se me permitem a digressão, que este que escreve nunca foi vítima do "oba-obamismo". Ao contrário. O agora presidente dos EUA, quando ainda candidato, já me parecia um faroleiro enfatuado, um "poser", um produto mal-acabado do marketing. Se alguém tiver a paciência de escarafunchar o meu blog, encontrará lá algumas antevisões do desastre que este senhor provocaria no Oriente Médio e áreas próximas. Sempre considerei que Obama ainda faria George W. Bush parecer um homem sensato. Infelizmente, as minhas piores expectativas se cumpriram.
O leitor que fizer a pesquisa irá constatar que nunca acreditei numa "Primavera Árabe"; que sustentei que o Egito, sem Mubarak, se tornaria ou uma tirania islâmica ou retornaria à ditadura militar; que, à queda de Gaddafi, na Líbia, sobreviria o caos terrorista no Sahel; que flertar com a deposição do carniceiro (claro que é!) Bashar al-Assad, na Síria, abriria as portas do inferno.
Por razões várias, eu havia dedicado parte do meu tempo imberbe –numa adesão extemporânea a Camus na briga com Sartre– à leitura sobre os desastres que se sucederam ao fim do colonialismo francês na Argélia. A democracia e a razão não caem da árvore da vida, como a lei da gravidade. Esta, para existir, independe da nossa adesão a seus fundamentos –maçãs continuarão a ser atraídas pelo chão. As outras duas são construções valorativas. Existe um lugar para o indivíduo no Islã? Então me mostrem! Fim da digressão.
Ainda que Dilma, então, fosse movida por um ceticismo prudente sobre a eficácia dos ataques às bases terroristas do Estado Islâmico, outra deveria ser a sua fala. Criticar a ação militar em nome do "diálogo" ultrapassa a linha que caracteriza a delinquência intelectual, política e moral. A presidente conferiu o status de interlocutores aceitáveis a terroristas que adotam como método de convencimento a degola, a crucificação e o estupro.
Com quem Dilma gostaria de dialogar? Ela se sentaria à mesa com o "califa" Abu Bakr al-Baghdadi, um autoproclamado descendente do profeta Maomé, criminoso contumaz que só está em liberdade em razão de um imperdoável cochilo das forças americanas no Iraque, que o fizeram prisioneiro em 2004 e depois o libertaram? Deve-se conferir a esse facínora o status de chefe de Estado, de quem se espera e ao qual se fazem concessões, como numa negociação convencional qualquer?
Enquanto Dilma discursava na ONU, um grupo ligado ao Estado Islâmico divulgava um vídeo com uma nova decapitação –desta vez, na Argélia, aquela mesma da minha juventude cética. Dilma é uma mulher convicta. Não é do tipo que permite que os fatos conspurquem seus princípios.