Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 15, 2014

Carlos Alberto Di Franco - O nobre político O Estado de S.Paulo

O nobre político - Opinião - Estadão



15 Setembro 2014 | 02h 03

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. "Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais." Assustador o diagnóstico que o juiz Márlon Reis faz da política brasileira. Conhecido por ter sido um dos mais vibrantes articuladores da coleta de assinaturas para o projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, foi o primeiro magistrado a impor aos candidatos a prefeito e a vereador revelar o nome dos financiadores de suas campanhas antes da data da eleição. Seu livro O Nobre Deputado: Relato Chocante (e Verdadeiro) de Como Nasce, Cresce e se Perpetua um Corrupto na Política Brasileira (Editora LeYa, 2014) inspirou o título deste artigo.

A radiografia do juiz, infelizmente, acaba de ser poderosamente confirmada pelas revelações feitas pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Em resumo, amigo leitor, durante oito anos, de 2004 a 2012, os contratos da maior empresa brasileira com grandes empreiteiras eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá para entender as razões da crise da Petrobrás - pilhagem, saque, puro banditismo -, que atinge em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula.

A lista de políticos que se teriam beneficiado do esquema de propina incluiria os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-Al); o secretário de Finanças do PT, João Vaccari Neto; o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão; a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB-MA); os ex-governadores do Rio de Janeiro e de Pernambuco Sérgio Cabral (PMDB) e Eduardo Campos (PSB), morto em agosto. As revelações também apontam como beneficiários das propinas os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Ciro Nogueira (PP-PI) e os deputados Cândido Vaccarezza (PT-SP) e João Pizzolatti (PP-SC).

Mas é só o começo. Costa decidiu fazer a delação premiada para tentar encurtar sua temporada na cadeia, não quer repetir a experiência de Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão. Quando Valério quis fazer acordo de delação premiada, o operador do mensalão não tinha mais nada a oferecer à Justiça porque o esquema já estava desvendado. Agora a conversa é outra. Com o processo no início, não havendo ninguém denunciado, é o momento propício para oferecer o que os investigadores precisam: os autores e as provas do crime. As coisas estão difíceis para os acusados.

O novo escândalo é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar milionárias e sofisticadas campanhas. Empresas investem nos candidatos sem idealismo, é negócio, espera-se retorno do investimento. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

Recente editorial do Estado, apoiado na força da informação, revela parte dessa perversa engrenagem eleitoral. Levantamento do jornal em parceria com a ONG Transparência Brasil escancara um escândalo: "Apenas três empresas - a Construtora OAS, o frigorífico JBS e a Construtora Andrade Gutierrez, nesta ordem - respondem por 39% das doações aos candidatos à Presidência da República, conforme as prestações de contas de suas respectivas campanhas, encaminhadas à Justiça Eleitoral, como exige a lei".

A promiscuidade entre candidatos e empreiteiras está na origem de inúmeros desvios. É, no fundo, um empréstimo das empresas com resgate certo e lucrativo lá na frente. E quem paga a conta somos nós.

Indignação? Desencanto? É óbvio. O macroescândalo da Petrobrás promete. O mensalão vai parecer um berçário. O Brasil está piorando? Não. Está melhorando. A exposição da chaga é o primeiro passo para a cura do doente. Ao divulgar as revelações do ex-diretor da Petrobrás, a imprensa cumpre relevante papel: impede que o escândalo fique na gaveta de uma CPI do Congresso. Tem gente que não gosta do trabalho da imprensa. O ministro Gilberto Carvalho, por exemplo, ensaiou uma lição de ética jornalística ao criticar o vazamento do depoimento de Costa: "Vazamento sempre é condenável, porque pode ter sido por advogado de réu para proteger algum réu e prejudicar outro". E quando o vazamento é feito pelo PT, prática recorrente, tudo bem? A imprensa existe para divulgar informações relevantes. E alguém duvida da importância das revelações de Costa?

Há razões para otimismo? Creio que sim. A Lei da Ficha Limpa começa a dar os primeiro frutos. Paulo Maluf (PP-SP) e José Roberto Arruda (PR-DF), entre outros, podem estar fora das próximas eleições. A promiscuidade entre políticos e empresas parece estar com os dias contados. O Supremo Tribunal Federal, provavelmente, votará pelo fim das doações de empresas na ação movida nesse sentido pela OAB.

A imprensa de qualidade, livre e independente, está aí. Incomodando. Felizmente. Leia jornais. Informe-se. Acredite no Brasil, não em salvadores da pátria. E vote bem. O caminho é longo. Mas vale a pena.

*Carlos Alberto Di Franco é doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do departamento de comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail: difranco@iics.org.br




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