O Estado de S.Paulo - 06/05/11
Quando se fala em Brasília, o que vem à mente de quase todas as pessoas são os prédios monumentais e de perfil futurista. O que poucos sabem é que o Distrito Federal, além de abrigar a capital do Brasil, se destaca como um dos maiores polos esotéricos do continente. Morei lá por mais de oito anos. É impressionante o caráter místico que se dá a tudo o que lá existe. E também ao que ali acontece.
A começar pela localização. Brasília situa-se entre os paralelos 15 e 20 Sul. De acordo com as interpretações correntes dos sonhos e visões de São João Bosco, seria exatamente ali que se descobriria a terra prometida. Pelo sim, pelo não, foi decidido que o santo italiano do século 19 seria o padroeiro da cidade. Segundo uma releitura de suas previsões, havia até data para tudo isso se realizar. Seria entre 1945 e 2003, ano da posse de um "operário" na Presidência da República.
Maktub, estava tudo escrito. Mas o viés fatalista dos brasilienses não se resume ao imaginário cristão. Alega-se também que o local é dotado de magnetismo excepcional. Razão por que lá aportam astrólogos, médiuns, videntes e paranormais de toda a América Latina. Existe até mesmo um "pacote místico" no turismo local: começa pelas igrejas católicas, a catedral e a Igreja de São João Bosco; passa pela placa onde está inscrita a "visão" de JK - o profeta que ergueu a cidade; pelos templos das mais diversas denominações; pela Universidade Holística da Paz; pelo Templo da Boa Vontade; e culmina no Vale do Amanhecer, de Tia Neiva, ou na Cidade Eclética, de Mestre Yokaanam - que se situam fora da cidade.
A propósito, vamos imaginar que, num dos inúmeros consultórios espirituais de Brasília - alguns meses atrás - tenha ocorrido uma conversa, mais ou menos, assim:
"Boa tarde. É aqui que trabalha a cartomante?"
"Sim, sou eu, muito prazer. Pode me chamar de Madame Furtado, a que prevê o futuro, vê o presente e revê o passado! Em que posso ajudá-la?"
"Eu quero saber o que vai acontecer comigo."
"A senhora quer saber se terá sorte no amor? Deixe-me jogar as cartas. Vejo vários hom..."
"Nada disso, estou aqui por motivos profissionais! O meu problema é que estou me sentindo um pouco insegura no trabalho. Vou assumir o lugar de meu ex-chefe."
"E daí? Está com medo de que ele tenha posto um mau-olhado nisso?"
"Não, foi ele mesmo que me indicou para a vaga. De mais a mais, já se aposentou."
"É, mas eu estou vendo aqui, nas cartas, que ele continua com olho-grande. A senhora precisa tomar muito cuidado com gato preto, homem barbudo e amigos falsos."
"Lá onde eu trabalho nem tem gato..."
"Mas homens com barba e amigos falsos tem um monte, as cartas não mentem jamais!"
"E quanto a um homem careca, o que me diz?"
"Vejo dois no seu caminho. E os dois moram em São Paulo. Um a senhora já conhece. O outro usa óculos e é muito ambicioso. Tem um mineiro também..."
"E com qual deles vou ficar?"
"Não expliquei direito. Eles não querem a senhora, querem é o seu emprego! Ah, e tem um baixinho que mora lá perto que também quer. Hum, ele já andou por aqui... Não seria o seu ex-chefe?"
"Impossível, ele nunca me disse que pretendia voltar!"
"E as cascas de banana que ele deixou no seu caminho? Eu nem preciso consultar as cartas para afirmar que ele deixou muitas. E o risco de a senhora escorregar nelas é grande."
"Veja bem, minha senhora, não é nada disso. Ele sempre me disse que "nós dois somos um!" Trabalhamos juntos por muitos anos. E ambos pulamos de alegria com a minha indicação!"
"Pular de alegria? As cartas alertam que, se a senhora fizer isso de novo, ele vai tratar de puxar o seu tapete."
"Restrinja-se a falar sobre a minha nova função. Como me vou sair nela?"
"No início vai correr tudo bem. Mas... Estou vendo aqui que quem tem amigos como os seus não precisa mesmo ter inimigos... Aliás, inimigo de peso, na verdade, a senhora não tem nenhum."
"Como assim?"
"Aqueles que trabalham do outro lado da praça não têm mais ânimo para brigar com a senhora."
"Isso é porque estou me saindo bem?"
"Não, é porque eles já gastaram todo o fôlego que tinham para brigar entre si."
"Bem, vamos voltar a falar sobre o meu trabalho."
"Eu estou vendo dinheiro, muito dinheiro. O problema é justamente este: tem dinheiro demais..."
"Não entendi."
"É que, com tanto dinheiro sobrando, acaba subindo o preço de tudo..."
"Não me queira ensinar economia, porque sou formada nisso!"
"Pois a senhora devia ter estudado também administração... Estou vendo aqui que seu maior problema são as despesas."
"O nosso contador me garantiu que está tudo sob controle."
"Nosso...? Como assim?"
"Meu e de meu antecessor..."
"Ah, então está explicado!"
"O que quer dizer com isso?"
"Estou vendo nas cartas que logo, logo ele vai cuidar de pedir demissão."
"E por que agiria assim?"
"Ele já sabe que a bomba vai explodir e vai tratar de cair fora antes que isso aconteça."
"E aí, vai ficar tudo na minha mão?"
"Pelo visto, vai... Saiba que ele joga no time do seu antecessor, que causou toda esta tragédia, vai posar de herói e ainda tentar recobrar o cargo."
"E o que posso fazer para impedi-lo?"
"Isso as cartas não dizem. Quer um palpite? Mande o seu ex-chefe para o exterior."
"Com que pretexto?"
"Sei lá... Que tal indicá-lo ao Oscar de efeitos especiais...?"