- O Estado de S. Paulo
Exceção feita aos temas macroeconômicos, do trabalho e da renda, a
agenda nacional dos próximos anos está destinada a orbitar três pontos
estratégicos: educação, saúde e mobilidade urbana, esta última abraçada
com a segurança pública, as várias dimensões da infraestrutura e da
gestão de cidades.
Além de estar na boca do povo, essa constatação vem sendo reiterada por
diferentes analistas, operadores políticos e técnicos governamentais de
distinta orientação. É de esperar, portanto, que figure em posição de
destaque na plataforma dos candidatos que disputarão a Presidência da
República em 2014.
Daqui para a frente, nenhum governo fará a diferença sem enfrentar com
determinação e criatividade aquele tripé. Seja qual for o partido que
governe, estará obrigado a fornecer respostas efetivas a ele, por onde
passa boa parte do bem-estar da população e do futuro do País.
Isso significa, antes de tudo, que será preciso incrementar a cooperação
entre os entes federados, já que não há como fixar boas políticas para
aquelas áreas se os gestores operarem de forma isolada e
autossuficiente. Políticas públicas continuam a ser políticas de Estado,
e precisamente por isso têm mais chance de sucesso quando as instâncias
por elas responsáveis dialogam entre si e trabalham umas com as outras.
Educação, saúde e transportes não são definidos unilateralmente por
Brasília, mas envolvem e dependem dos governos estaduais e municipais.
A solidão dos gestores também não faz sentido numa época que elogia a
participação e a cidadania ativa. Políticas públicas que não nasçam da
interação com a sociedade civil crescem tortas. Tornam-se pouco
sustentáveis e expostas ao risco da descontinuidade ou da ineficácia.
Ficam, também, mais intransparentes e suscetíveis a desvios e
malversações.
Cooperação, coordenação, transparência e participação social - quanto mais houver disso, maiores as chances de sucesso.
Serão necessárias, também, evidentemente, clareza e consistência na
formulação: uma boa teoria sociológica de base, diretrizes, princípios e
metas - coisas que têm existido entre nós, mas de modo errático. Somos
uma sociedade em que os políticos e os gestores se acostumaram a atuar
com promessas vagas e genéricas, sem rigor técnico, mais preocupados com
dividendos eleitorais e prestígio do que com resultados. É uma cultura
que precisa ser enterrada.
Somada à dimensão orçamentária, com suas oscilações inevitáveis, a
ausência de boas formulações técnico-políticas produz impacto
catastrófico na qualidade do que se faz, comprometendo o desempenho
governamental e prejudicando a população. Há dotações, parâmetros
orçamentários, obrigações constitucionais, há boa vontade dos gestores e
empenho de parlamentares atentos ao estado geral da Nação. Mas tudo
parece insuficiente, seja porque sempre faltam recursos, seja porque se
gasta mal.
É impossível detalhar, aqui, cada um destes pontos. Mas é possível
destacar os vetores que os articulam, aquilo que poderia mudar a
situação e representar um expressivo ganho de escala no enfrentamento da
agenda estratégica.
O principal desses vetores está no campo político. Ele é o que pode
produzir mudança e garantir avanços. E é, também, onde estão os maiores
obstáculos. O sistema político não ajuda, os partidos falham em suas
funções, os representantes são, na maioria, pouco preparados para
interagir com a complexidade adquirida pela vida social. Tudo isso
arrasta consigo os governos e a gestão pública.
Faltam ações focadas na construção de uma agenda nacional, de um projeto
de sociedade. Todos apontam para a relevância da saúde, da educação e
da mobilidade urbana, mas cada ator fala para seu próprio público: não
debate, não interage nem se comunica com os demais. Ninguém dialoga com o
povo e a sociedade civil. Não se disputa a hegemonia. A péssima
qualidade do debate democrático prova isso.
Não se leva na devida conta que o capitalismo que hoje se tem no Brasil
foi fruto de uma colaboração real (não intencional e não consciente) das
duas principais forças políticas do País, o PSDB e o PT. Do combate à
inflação e das medidas voltadas para estabilizar a moeda (governos FHC)
às políticas de inclusão social e de apoio ao consumo popular (governos
Lula/Dilma), a ação governamental impulsionou o capitalismo. Houve
muito, é verdade, de imposições da globalização do capitalismo, que
comprimiu o campo das escolhas governamentais. Mas o protagonismo
político existiu e foi importante.
PT e PSDB, porém, em vez de explorarem a parceria, optaram por declarar
guerra um ao outro, com o propósito de ocupar espaços de poder e
salientar, mediante uma retórica simplista, exagerada e caricata, aquilo
que os distingue. Estabeleceram um pacto informal: não coopere comigo
que contigo não cooperarei. Deixaram, assim, de contribuir para
completar a construção que empreenderam, pouco fizeram para suavizar o
capitalismo e propor à sociedade outro modo de produção e de organização
econômico-social, outro padrão de convivência.
Se convergências explícitas e programáticas entre os dois pilotos
tivesse havido, as coisas teriam sido melhores. Haveria um bloco
reformador hoje no País, ao qual se vinculariam o PSB e os demais
partidos democráticos. Sua força magnética seria tanta que isolaria os
setores retrógrados e empurraria o PMDB de volta às origens.
Falar isso em ano eleitoral é puro wishful thinking. Nos próximos meses,
discursos maniqueístas e verborrágicos dominarão o cenário. É a lógica
da política e da luta pelo poder. Mas não há por que arquivar as
esperanças. O tempo para ajustes e articulações encolheu, mas ainda
existe. Sempre é hora para que se acenda o farol alto e se descortine o
horizonte.
*É professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp