FOLHA DE SP - 11/02
Não existe, em um Estado democrático de Direito, causa que legitime o emprego da violência, razão da morte do repórter Santiago Andrade
O assassinato --esta é a palavra-- do repórter cinematográfico Santiago Andrade, 49, é uma tragédia individual e social. Têm a lamentar não só seus parentes e amigos, mas também todos os que apostavam num país melhor depois das manifestações de junho.
Atingido por um rojão enquanto acompanhava, por dever de ofício, um protesto no Rio de Janeiro na semana passada, o jornalista da TV Bandeirantes teve sua morte cerebral decretada ontem. Foi vítima de uma violência irracional que se repete há meses sem que o Estado ofereça resposta adequada.
A esta altura deveria estar claro para os comandos policiais --pois já o está para quase toda a sociedade-- que há dois tipos bem distintos de pessoas que tomam as ruas para revelar seu inconformismo.
De um lado estão os cidadãos dispostos a protestar dentro do vasto espaço que a democracia oferece e assegura para esse fim. Estes devem ser tratados como manifestantes. Merecem ser ouvidos e, quando desejável e possível, atendidos.
De outro estão os indivíduos predispostos ao vandalismo, ao quebra-quebra, à selvageria. Quando agem dessa forma, são criminosos, e precisam ser tratados como tais. Desfaça-se a falácia: não há, na vigência de um Estado democrático de Direito, causa que legitime o emprego da violência.
Identificar, julgar e punir autor e cúmplices do disparo que matou Andrade é tarefa urgente para evitar danos ainda mais graves. Com desenvoltura incontida, esses delinquentes têm transformado atos pacíficos em campos de batalha, ameaçando a segurança de quem está por perto e minando importantes pilares da democracia.
Um deles é a própria legitimidade das manifestações. Como mostrou pesquisa feita pelo instituto Datafolha no final do ano passado, de julho a outubro quadruplicou o percentual de paulistanos contrários aos protestos, passando de 8% para 31%. De resto, é notório que cada vez mais brasileiros evitam participar de tais encontros.
O outro é a liberdade de imprensa. A morte de Santiago Andrade é, por óbvio, o episódio mais lamentável, mas, considerando a ação policial e a de manifestantes, foram registrados, desde junho, inaceitáveis 117 casos de agressão, hostilidade ou detenção de jornalistas.
Um mínimo de conhecimento de história basta para que tais sinais sejam lidos com grande preocupação. Há inúmeros e nefastos exemplos do que acontece quando se abandonam os canais institucionais para resolução de conflitos.
Se não quiserem ser cúmplices de tragédia de maiores proporções, partidos políticos e movimentos sociais que ainda defendiam o indefensável precisam condenar com clareza essa violência. Há uma mudança em curso no Brasil, mas já não está claro se o país sairá desse processo melhor do que entrou.
Não existe, em um Estado democrático de Direito, causa que legitime o emprego da violência, razão da morte do repórter Santiago Andrade
O assassinato --esta é a palavra-- do repórter cinematográfico Santiago Andrade, 49, é uma tragédia individual e social. Têm a lamentar não só seus parentes e amigos, mas também todos os que apostavam num país melhor depois das manifestações de junho.
Atingido por um rojão enquanto acompanhava, por dever de ofício, um protesto no Rio de Janeiro na semana passada, o jornalista da TV Bandeirantes teve sua morte cerebral decretada ontem. Foi vítima de uma violência irracional que se repete há meses sem que o Estado ofereça resposta adequada.
A esta altura deveria estar claro para os comandos policiais --pois já o está para quase toda a sociedade-- que há dois tipos bem distintos de pessoas que tomam as ruas para revelar seu inconformismo.
De um lado estão os cidadãos dispostos a protestar dentro do vasto espaço que a democracia oferece e assegura para esse fim. Estes devem ser tratados como manifestantes. Merecem ser ouvidos e, quando desejável e possível, atendidos.
De outro estão os indivíduos predispostos ao vandalismo, ao quebra-quebra, à selvageria. Quando agem dessa forma, são criminosos, e precisam ser tratados como tais. Desfaça-se a falácia: não há, na vigência de um Estado democrático de Direito, causa que legitime o emprego da violência.
Identificar, julgar e punir autor e cúmplices do disparo que matou Andrade é tarefa urgente para evitar danos ainda mais graves. Com desenvoltura incontida, esses delinquentes têm transformado atos pacíficos em campos de batalha, ameaçando a segurança de quem está por perto e minando importantes pilares da democracia.
Um deles é a própria legitimidade das manifestações. Como mostrou pesquisa feita pelo instituto Datafolha no final do ano passado, de julho a outubro quadruplicou o percentual de paulistanos contrários aos protestos, passando de 8% para 31%. De resto, é notório que cada vez mais brasileiros evitam participar de tais encontros.
O outro é a liberdade de imprensa. A morte de Santiago Andrade é, por óbvio, o episódio mais lamentável, mas, considerando a ação policial e a de manifestantes, foram registrados, desde junho, inaceitáveis 117 casos de agressão, hostilidade ou detenção de jornalistas.
Um mínimo de conhecimento de história basta para que tais sinais sejam lidos com grande preocupação. Há inúmeros e nefastos exemplos do que acontece quando se abandonam os canais institucionais para resolução de conflitos.
Se não quiserem ser cúmplices de tragédia de maiores proporções, partidos políticos e movimentos sociais que ainda defendiam o indefensável precisam condenar com clareza essa violência. Há uma mudança em curso no Brasil, mas já não está claro se o país sairá desse processo melhor do que entrou.