O ESTADO DE S. PAULO - 02/02
Onde vai dar a Argentina? A economia do país emagrece, desmorona e a cada dia o precipício fica mais fundo: a inflação dispara; a desvalorização cambial rouba valor e confiança do peso; o jovem ministro da Economia é desaprovado por 61% da população; a presidente Cristina Kirchner some e só reaparece em Da-vos e Havana; dólares e investimentos fogem do país; o crédito externo desaparece; o fantasma da moratória ressurge; os sindicatos não aceitam aumento salarial abaixo de 30%; e as prateleiras dos supermercados se esvaziam. Assustada, a população procura se defender e busca refúgio estocando dólares debaixo do colchão e alimentos em suas casas. O país e a população empobrecem. O que trará o futuro para os argentinos?
É difícil, a esta altura, mudar o rumo da economia. Primeiro, porque a presidente Cristina e sua equipe galopam na perda de confiança e não têm credibilidade para pilotar mudanças. Depois, essa alternativa nem cogitada é. Tudo indica que ela vá empurrar com a barriga até a eleição presidencial em 2015. Mas isso demora (falta um ano e meio) e a sensação é de que o precipício se aproxima, a economia pode entrar em colapso e a expectativa do terror da moratória novamente desaba sobre a Argentina, trazendo um rastro de empobrecimento, desemprego, destruição, convulsão social e aumento da criminalidade, como aconteceu na moratória do cotralito, em 2001.
Ávida traz surpresas irônicas. Ao assumir o governo, em março de 2003, o ex-presidente Néstor Kirchner encontrou a economia devastada. Sentou-se para negociar com credores, reduziu a dívida pública de US$ 190 bilhões para USS140 bilhões, suspendeu a moratória (decretada em 2001 por Fernando de La Rúa), recuperou a economia e recolocou o país no caminho do crescimento. E agora é justamente sua viúva, Cristina, que ele fez sucessora, quem desfaz o que ele construiu e pode levar a Argentina ao abismo. Pela segunda vez em pouco mais de dez anos.
Fazendo justiça, a trajetória que fez recuar o sucesso Kirchner não começou com ela, mas com ele. Na gestão Néstor a política seguiu o modelo populista autoritário e, na economia, a expansão do consumo produziu aumentos de preços em profusão, que ele tentou controlar na marra: interveio no Indec (o IBGE de lá) e passou a falsificar os índices de inflação, hoje desmoralizados mundo afora, contestados pelo FMI e desprezados por empresas na definição de seus preços e por trabalhadores em suas lutas salariais. O mesmo descrédito carregam os números de desemprego, crescimento econômico e desempenho social. Foi também com Néstor que a dívida pública recomeçou a crescer.
Mas tudo piorou com Cristina, sobretudo apos a morte do marido, em outubro de 2010. Em litígio com credores externos, o acesso do país a empréstimos no exterior foi minguando e a crise cambial, que ela enfrenta com guerra ao dólar, se agravou a tal ponto que nos últimos dois anos o banco central reduziu as divisas do país de USS 52 bilhões para USS 28,8 bilhões para socorrer o peso. Ainda assim, não conseguiu evitara desvalorização da semana passada, quando a cotação do dólar subiu de 6,84 para 8,015 pesos. Para conter a escalada da inflação, ela tem recorrido a seguidos congelamentos de preços em supermercados, que não funcionam. E a recente desvalorização do peso elevou os custos das empresas, que passaram a reajustar ainda mais seus preços. O jovem ministro da Economia, Áxel Kicillof, se recusa a corrigir seus erros e definir nova estratégia para a economia e responde com ameaças de multas e frases de efeito: "O comerciante que aumentar preços rouba a população". Já empresas, economistas e trabalhadores, que vivem a vida real, já projetam inflação de 40% em 2014.
Diante de tantos desacertos, caos e incertezas - com o presente e o futuro -, há mais de um ano os investimentos fogem da Argentina. Empresas estrangeiras, inclusive Vale e Petrobrás, fazem suas malas para deixar o país, gerando desemprego. Onde vai dar isso?