Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 16, 2011

Votemos todos ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA

Quem deve votar no plebiscito que decidirá a criação dos novos estados do Tapajós e de Carajás, ambos desmembrados do atual estado do Pará? Eis uma boa questão. A realização do plebiscito, o primeiro passo para a criação de um novo estado, foi autorizada há poucos dias na Câmara dos Deputados. Projetos de criação de novos estados não faltam no Congresso. Para citar alguns poucos, há um prevendo o estado de Gurgueia, desmembrado do Piauí, outro cortando o Maranhão em dois, outro ainda extraindo de Goiás o território vizinho a Brasília. A novidade, no caso de Tapajós e Carajás, é que passou. Cabe agora, como determina a Constituição, a "aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito". Qual população seria "diretamente interessada"? Eis a boa questão. Merece uma boa briga.

A criação de novos estados é negócio vantajoso para duas categorias profissionais: os fabricantes de mapas e os políticos. Para os velhos fabricantes de mapas, os que trabalham com material impresso, coitados, já nem é mais. A internet, que os atualiza a um clique, roubou-lhes boa parte do negócio. Para os políticos, o negócio segue excelente. Cada novo estado representa o ganho de um novo governador, dez novas secretarias, uma Assembleia Legislativa de no mínimo dezessete deputados, um Tribunal de Contas de três integrantes e um Tribunal de Justiça de sete desembargadores, tudo isso garantido pela Constituição. No plano federal, da fecunda semente de cada novo estado brotam em Brasília três novos senadores e um mínimo de oito deputados.

O eventual estado do Tapajós, com capital em Santarém, avança em 58% do atual território do Pará, ocupando-lhe toda a metade oeste. O de Carajás, com capital em Marabá, estende-se por 25%, abocanhando-lhe a porção sudeste. O que ainda sobraria com o nome de Pará são meros 17% do atual território - sua porção nordeste, inclusive Belém -, mas onde permanece a maioria da população: 4,6 milhões, contra 1,6 milhão de Carajás e 1,3 milhão do Tapajós. As interpretações correntes de "população diretamente interessada" situam-se entre dois polos. O primeiro restringe-a aos habitantes dos futuros Carajás e Tapajós. A outra estende-a à totalidade dos habitantes do atual Pará.

A questão já deveria ser dada por pacífica. Uma lei de regulamentação do texto constitucional (a de nº 9709, de 18/11/1998) determinou que "população diretamente interessada" é "tanto a do território que se pretende desmembrar quanto a do que sofrerá desmembramento". Mas os defensores da criação dos novos estados insistem na interpretação estrita, que estaria implícita no advérbio "diretamente". Claro: uma vitória que se afigura certa, no âmbito restrito dos territórios a ser desmembrados, torna-se duvidosa se a consulta se estende a todo o Pará. O deputado Asdrúbal Bentes, um dos líderes da articulação pró-Carajás, ameaça entrar com ação direta de inconstitucionalidade, para impedir que o plebiscito se estenda a todo o estado. Deve perder, mas seria ótimo que a expressão "diretamente interessada" voltasse a ser examinada. Ao fim e ao cabo, poderia triunfar uma terceira interpretação: a de que "diretamente interessados" são todos os brasileiros.

Os dois eventuais novos estados são incapazes de sustentar-se com as próprias pernas. No colo da União deve cair boa parte das despesas. Além disso, produzirão considerável bagunça institucional. O Senado, com meia dúzia de novos integrantes, sobe a um total de 87. O número já é alto, e mais alto pode ficar, até o limite do disfuncional, se o episódio desencadear uma corrida rumo à multiplicação dos estados. Na Câmara, como a Constituição determina que cada estado tenha um mínimo de oito representantes, Carajás e Tapajós entram com dezesseis novos deputados. Ao que restar do Pará, com uma população bem maior, devem caber de doze a catorze. Temos então que os atuais dezessete deputados paraenses darão lugar a uma soma de, no mínimo, 28. Como acolher o excedente, se a lei determina que a Câmara não passe de 513 integrantes?

Uma solução seria reduzir-se o limite mínimo de oito deputados e baixar de três para dois os senadores por estado. É benéfica demais às instituições para ser aprovada. Pode-se apostar que o Senado ficará como está e o teto da Câmara será elevado. O transtorno institucional, somado à despesa que virá dos impostos de todo o país, conduz à conclusão inescapável de que diretamente interessados são todos os brasileiros. O total do eleitorado deveria ser convocado para o plebiscito.

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