Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 11, 2011

O pós-Osama Newton Carlos

Correio Braziliense - 11/05/2011
 

 

 

Jornalista

A morte de Osama não cessa de ter desdobramentos, alguns deles talvez encarados como desconcertantes. Sabe-se agora, por exemplo, que o Departamento de Estado americano tem uma "estratégia de reconciliação" e que ela foi afinal também adotada pelo Conselho de Segurança Nacional. Consiste em negociar com os talibãs, os mesmos que os Estados Unidos expulsaram do poder no Afeganistão por darem abrigo a Osama e à Al-Qaeda. "Começar negociações de paz no Afeganistão tornou-se prioridade para os Estados Unidos", é o que pensa e diz Marc Grossman, representante especial de Washington no país invadido pelos americanos.

O próprio Grossman encontrou-se no Paquistão com o vice-ministro do Exterior do Afeganistão e o ministro do Exterior paquistanês e negociar com os talibãs foi cabeça da agenda. Os três concordaram, segundo o Washington Post, em montar um grupo que promova e facilite a obtenção da paz no Afeganistão e isso só seria possível com os talibãs à mesa. A crença, por parte do Departamento de Estado, da diplomacia americana, seria a de que o fracasso do Paquistão na caçada a Osama, afinal concluída pelos Estados Unidos, o torne mais suave numa mesa de negociações, na qual os talibãs também tenham assento.

Em última instância, aceitar negociar com os talibãs, que assumiriam o poder, ou parcela significativa do poder, no Afeganistão, colado ao Paquistão. Mas os obstáculos ainda não cessaram de todo, mesmo no caso do Paquistão. Vê-se como é difícil montar essa távola de negociações. Os talibãs, é importante não esquecer, já estiveram na folha de pagamentos da CIA. Também em campos de treinamento militar e em ações de combate com armas fornecidas pelo Pentágono. Foi quando a então União Soviética invadiu o Afeganistão, num esforço inútil e sangrento, procurando salvar o regime comunista posterior à derrubada da monarquia. A CIA mobilizou os talibãs, alunos de escolas islâmicas, e organizou-os como tropa de resistência armada aos invasores russos. 

Há imagens bastante significativas dessa época. A dos talibãs, por exemplo, cruzando a fronteira, do Paquistão para o Afeganistão, atrás dos soviéticos e sendo saudados por agentes da CIA com gritos de "Alá está convosco". Foi como se a CIA estivesse oferecendo a eles o paraíso, que também era o que oferecia Osama aos homens-bombas. Com a retirada dos russos, os talibãs assumiram o poder e instalaram no Afeganistão um regime islâmico radical. Nele Osama encontrou abrigo para o quartel-general de sua Al-Qaeda, agora voltada contra os "infiéis" do Ocidente. E sobreveio o 11 de setembro e em seguida a invasão americana.

Mas o sistema de poder no Afeganistão pós-Talibã, montado por Washington, tornou-se um desastre, inclusive, e talvez sobretudo, do ponto de vista moral. Há corrupção em doses insuportáveis e os americanos concluíram que não têm como acabar com ela sem desalojar os que estão em palácio — colocados por eles —, que terminaram se tornando peso difícil de carregar. À corrupção juntou-se fraude eleitoral com forte visibilidade. Já são feitos contatos com os talibãs. A diplomacia dos Estados Unidos fala de "reconciliação". Grossman está convencido de que é possível ir adiante, depois de conseguido o aval indispensável do Conselho de Segurança Nacional.

Outros fatores de desgaste, do lado ocidental, são os bombardeios aéreos em cima de civis, de velhos, mulheres e crianças. Foi bombardeada, por exemplo, uma festa de casamento. Os Estados Unidos querem de fato negociar, ou buscar uma "reconciliação", e procuram deixar isso claro, mas os talibãs relutavam, sobretudo, ao que se diz, num quesito, o de romper relações com Osama. Como Osama não existe mais, a diplomacia americana passou a considerar que as portas se abrem e os talibãs acabarão concordando em sentarem-se à mesa. 

Por que a paz no Afeganistão tornou-se prioridade do governo Obama? Parte da convicção de que não há triunfo militar à vista. Ou mesmo remotamente. Os talibãs sofrem do mesmo mal. Já o Paquistão, que se sentiu mal com a incursão americana em seu território, sem aviso prévio, não estaria vendo com bons olhos os movimentos orquestrados por Washington. Manifesta receios, ao que se diz não incuráveis, de que os estrategistas do Departamento de Estado e do Conselho de Segurança Nacional talvez estejam pensando num futuro governo afegão mais alinhado com a Índia — e a Índia é adversário histórico do Paquistão. Os dois países já estiveram em guerra. O Paquistão é inclusive acusado de abrigar e municiar guerrilhas islâmicas que praticam atentados na Índia.

Também Osama e os talibãs teriam tido suas raízes aí. A escolha da Índia como parceira de construção de um governo amigo e eficiente num Afeganistão remodelado tem a ver com a falta de confiança no Paquistão, que não descobriu Osama, embora ele se escondesse a pouca distância de uma academia militar paquistanesa. Falta confiança, sobretudo, num serviço militar de inteligência, o do Paquistão, sob suspeita de entender-se inclusive com terroristas.

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