- O Estado de S.Paulo
Como um dos representantes da Faap, no início de maio fui a Portugal para mais uma das Conferências do Estoril, organizadas a cada dois anos pela Câmara Municipal de Cascais, com apoio do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa e patrocínio da Presidência da República, entre outras instituições. As conferências tratam da globalização, com ênfase na relação entre desafios globais e respostas locais.
Falei sobre o tema na perspectiva do Brasil e ouvi figurões locais e de outros países. Como o economista Nouriel Roubini, famoso pelas previsões que fez da última crise econômica internacional, e o egípcio Mohamed ElBaradei, Nobel da Paz de 2005, que abordou as mudanças políticas em seu país e seu papel pessoal nesta fase de transição para um novo regime; o cientista político Francis Fukuyama, conhecido pelo livro O Fim da História, e Larry King, entrevistador da CNN, lá entrevistado. Ao ser fotografado era instado a abrir o paletó e mostrar os suspensórios, notória marca de sua figura.
Aproveitei para saber mais sobre a crise econômica portuguesa, por jornais locais e conversas com economistas do país. No dia 5 minha presença coincidiu com o anúncio de um daqueles pacotes de grandes ajustes na economia, outrora tão comuns no Brasil. E, ainda, com a presença de um velho conhecido, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Só que lá o pacote foi negociado com o que chamam de troika, que também inclui a União Europeia e o Banco Central Europeu. Isso tornou mais complexos a negociação e o cumprimento do acordo, pois há que lidar com essa trinca. E ele veio numa situação agravada pelo fato de o país estar sob governo provisório, já que o atual, do primeiro-ministro José Sócrates, perdeu apoio no Parlamento e novas eleições foram convocadas.
Mas de que país estamos falando? Segundo os últimos dados da ONU, em 2009 Portugal tinha 10,7 milhões de habitantes, equivalentes a apenas 5,6% da população do Brasil, de 190,8 milhões pelo censo de 2010.
Quanto ao PIB, ainda segundo a ONU, o português era de US$ 233,5 bilhões em 2009, também pequeno diante do brasileiro, este de US$ 1,6 trilhão, mas aquele representando 14,9% do nosso, uma porcentagem bem maior do que a da comparação anterior. Assim, os portugueses, com um PIB por habitante de US$ 21,8 mil no mesmo ano, estão bem à frente dos brasileiros, com seus US$ 8,1 mil. Mas seguem atrás de irmãos europeus mais ao norte, onde no mesmo ano esse PIB foi de US$ 41,2 mil na França, US$ 40,5 mil na Alemanha e US$ 35,3 mil na Itália.
No ano passado, o PIB português subiu apenas 1,4%, o do Brasil cresceu 7,5%, com o que estamos menos distantes. Nos próximos anos, a diferença deve cair a nosso favor, pois o Brasil deverá seguir crescendo, ainda que menos, e Portugal sofrerá com esse indigesto pacote.
Quão indigesto? Portugal tomará da troika um empréstimo de 78 bilhões, ou cerca de US$ 110 bilhões! Nunca antes neste Brasil de PIB bem maior houve um pacote importado tão enorme. Com ele, segundo um jornal local, a dívida pública portuguesa deverá alcançar 130% do PIB e será a segunda maior dívida da União Europeia!
Quanto ao conteúdo, é enorme a lista de medidas, que tomou duas páginas de outro jornal local, algumas mais drásticas que as já vistas por aqui. Incluem redução de pessoal na Defesa e de "compensações salariais" em pelo menos 10%, privatizações de várias empresas, entre elas a aérea TAP, aumento do imposto predial e do capital próprio dos bancos, maiores tarifas de serviços públicos, cobrança do ICMS local sobre os serviços de correio, corte de 15% dos dirigentes e organismos autárquicos, imposição de limites de endividamento às empresas estatais, redução das pensões acima de 1.500 por mês, teto para as deduções com despesas de saúde na declaração do Imposto de Renda e uma particularmente invejável, o enterro do projeto do trem-bala português.
E qual é a encrenca? Já na União Europeia, houve em Portugal uma fase de preparo para a chegada do euro em 1999. A inflação caiu, o risco país também. As taxas de juros, idem. Isso e a expectativa de que o euro facilitaria a convergência com o desempenho de outros países estimularam uma política fiscal expansionista, e fortes aumentos do consumo e do investimento, com mais crescimento e queda do desemprego entre 1995 e 2001. Mas a dívida pública subiu e a competitividade do país caiu, acumulando fortes déficits na conta corrente com o exterior, financiados com endividamento.
Desde 2002, entretanto, no que tinha de favorável esse quadro se reverteu; no que tinha de preocupante, agravou-se. Assim, sobreveio um período de taxas baixas ou mesmo negativas de crescimento do PIB e aumento de desemprego, que a crise internacional do final da década só fez agravar, levando a uma deterioração séria do déficit em conta corrente, das dívidas privadas, do déficit público e da dívida do setor. Com tudo isso, o país tropeçou e caiu nos braços da troika.
O Brasil difere de Portugal sob muitos aspectos, como no tamanho citado e na estrutura produtiva. Mas também há problemas similares, como a má gestão do setor público, elevados déficits em conta corrente, o mau estado da educação e a falta de competitividade, principalmente da indústria e dos serviços. Ainda ontem soube que desde o ano passado o Brasil perdeu seis posições numa avaliação de competitividade internacional.
Portugal, portanto, desde já pode dar lições ao Brasil quanto ao que não fazer, como o exagero nos déficits público e externo e projetos de viabilidade muito duvidosa, como esse do trem-bala, que aqui imprudentemente ainda anda. Também será importante apoiar o país e acompanhar o esforço de seu governo, espremido entre seu povo e a troika. Seguramente, uma experiência cheia de novos ensinamentos.