FOLHA DE SÃO PAULO - 17/04/11
Vexame e cadeia do diretor do FMI não mudam nada no curso do mundo, mas a gente gosta de uma novela
AS NARRATIVAS sobre a desgraça de Dominique Strauss-Kahn devem ter levado muita gente a um esbarrão inédito com temas esotéricos de política e economia mundiais.
Muita gente deve ter sabido agora que era Strauss-Kahn o diretor do FMI e também um candidato forte do Partido Socialista a presidente da França, assunto cada vez mais marginal, afora quando neofascistas chegam perto de levar o cargo.
Foi então devido à acusação de estupro da camareira que muita gente passou os olhos sobre problemas como a quase falência dos governos de Grécia e Portugal, os frangalhos do euro ou a disputa entre europeus e "emergentes" na sucessão do comando do FMI.
Mas, assim como Strauss-Kahn saiu da história para entrar na cadeia, ele poderia ter sido igualmente vítima de combustão espontânea, evaporação, abdução por ETs ou infarto fatal e quase nada mudaria no curso do mundo e das políticas em que estava envolvido, com exceção talvez da eleição na França. Ele era a novidade forte e a alternativa aos egos briguentos e ruins de voto da cúpula dos socialistas franceses.
De qualquer modo, é difícil acreditar que este ou aquele nome, dentre os políticos convencionais franceses, faça grande diferença, ainda mais um socialista mais amigo da finança que seus colegas de partido.
Strauss-Kahn era, sim, tido como um negociador hábil de soluções para o risco de desmanche do euro. Ou, ao menos, procurava arrumar uma solução para o caso dos governos quase ou na prática falidos da Europa. Ainda assim, o que mais "mercados", bancos e o Banco Central Europeu (BCE) poderiam querer da Grécia? Mais sangue e lágrimas apenas apressariam o calote grego e um contágio virulento, que levaria governos a tapar o rombo da banca e faria o BCE perder dinheiros.
Os "emergentes" vão agora tirar de um europeu a chefia do FMI? Pode até ser. Apressaria em um par de anos o avanço de quase-ex-pobres sobre essa instituição algo desmoralizada e inútil num mundo de capital desembestado, variação cambial insana e de países montados sobre reservas cambiais trilionárias, com o que podem desprezar o FMI.
O caso suscita comparações sobre a exposição de presos provisórios, como a de Strauss-Kahn, algemado. Na França, não há, mesmo de pobres. Nos EUA, é show controlado. No Brasil, lamenta-se que se cometa esse absurdo contra ricos, mas pobres são puxados pelas fuças e "apresentados" às câmeras. Mas nem isso causou muita celeuma.
Estamos todos mesmo impressionados, óbvio, é que um sujeito influente, poderoso e em tese esperto tenha arruinado a vida devido a sua suposta incapacidade, pontual ou habitual, de conter a fúria sexual. Boa parte do público midiático mundial, nós inclusive, faz fofoca mais ou menos qualificada sobre um caso vulgar, sem tragédia. Matutamos sobre o que levou Strauss-Kahn a estuprar a camareira.
Se foi esse o caso, qual a mistura de combustíveis que inflamou a canalhice violenta do sujeito? Qual a combinação de, especule-se, álcool, soberba, machismo, falta de compaixão, sociopatia, frieza emocional, vício e privação de inteligência operacional que levou um dos senhores do mundo a atacar a moça de 32 anos, imigrante africana, chefe de família, moradora do Bronx?
É. No fundo, é só fofoca.