FOLHA DE SÃO PAULO - 01/05/11
Espirros americanos não causam mais pneumonia, mas convém notar a rateada do maior PIB do mundo
FAZ MENOS de uma década, era corrente o lugar-comum de dizer que, "quando a economia dos EUA pega um resfriado, a do Brasil cai no hospital com pneumonia".
O último contágio, ou pelo menos o último surto desse clichê, aconteceu durante as crises americanas de 2001-2002, mistura de estouro da bolha pontocom com espirros econômicos causados pelo terrorismo.
Na verdade, porém, o Brasil padecia mesmo é de imunodeficiências autóctones, tais como desordem fiscal, incertezas sérias sobre inflação, dívida externa alta, efeitos restantes do erro do câmbio fixo e ameaças de petismo alucinado.
Agora, o país parece vacinado por um terço de trilhão de dólares em reservas, algo mais em forma nas medidas macroeconômicas e vitaminado pela China. Tanto assim que a gente mal dá bola para as desventuras da economia americana.
A contaminação de origem americana mais relevante, a torrente de dólares derivada da política monetária frouxíssima, é assunto complicado demais para chamar a atenção além das gentes especializadas.
A feia rateada do PIB dos EUA no primeiro trimestre mal foi notada por aqui. Decerto, nosso provincianismo autocentrado e juvenil também pouco se ocupa de saber o que nos causaria um possível, embora ainda remoto, desarranjo chinês, que cairia muito mal. Ainda assim, dado o nosso histórico de dependência americana, causa impressão que a economia deles agora seja nota de pé de página de jornal.
Há uma conversa persistente sobre o risco de estagflação, de crescimento econômico baixo com inflação (faz menos de um ano, temia-se a deflação...). Esse nome feio foi o apelido dado aos problemas macroeconômicos americanos da década dos 1970 e início dos 1980. Não há medida precisa para o fenômeno, mas uma inflação além dos 5% e crescimento inferior a 2% seria um chute razoável para caracterizá-lo.
Pois bem, a economia dos Estados Unidos cresceu pouco mais de 2% nos últimos quatro trimestres ("ano"). A inflação medida pelo índice de preços ao consumidor (CPI) está em 2,7%, sobre um ano antes. A medida levada mais a sério pelo Fed, o banco central deles, está em 1,8% (inflação dos gastos pessoais).
O crescimento vai mal, certo -o ritmo do PIB da década passada foi o pior em quase 60 anos. Mas onde está a inflação? Está chegando, dizem os mais ortodoxos.
O Fed não acredita. Projeta para este ano crescimento do PIB em torno de 3,2%, com inflação abaixo de 2%. Para o fogo da inflação pegar, em tese é preciso desemprego baixo -a taxa caiu de 10% em 2010 para algo menos que 9%, ainda alta. De resto, Paul Krugman não cansa de lembrar que o nível de ocupação na economia na verdade não se recuperou após 2008.
Mas o crescimento vai pegar? A venda de casas novas voltou a cair ao nível da Grande Recessão. Entre quem paga prestação da casa, um em cada cinco deve mais que o valor do imóvel -indicador de calote próximo. O investimento das empresas voltou a cair. O preço do petróleo, persistentemente alto mas não explosivo, também faz estrago. O estímulo econômico do gasto do governo acabou. O monetário vai diminuir. Não há cheiro de desastre no ar, nem de estagflação ao estilo anos 1970. Desta vez, a encrenca é diferente. Mas é uma encrenca.