O GLOBO - 07/05/11
A decisão do Supremo Tribunal Federal estendendo a proteção do Estado aos casais homossexuais foi ao mesmo tempo a judicialização da política, pois deveria caber ao Congresso a alteração constitucional nesse sentido. Mas foi também a politização da Justiça, pois a decisão do Supremo, por unanimidade, dando significados novos a palavras antigas, foi uma decisão claramente política de interpretação.Por sua vez, os que são contrários à decisão tentaram uma estratégica política de levar a questão para o Congresso, justamente alegando que, sendo a matéria regulada pela Constituição, somente uma emenda constitucional poderia alterá-la.
Dificilmente nesse caso haveria a mudança, pois os evangélicos e católicos se uniriam para derrubar qualquer tentativa nesse sentido.
Mas o assunto foi levado ao Supremo não por uma estratégia para evitar o conservadorismo do Congresso, expresso mais em sua letargia do que propriamente em ideologia.
Uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e outra ação de inconstitucionalidade (Adin) trataram de assuntos correlatos a respeito dos direitos dos homossexuais, propiciando que o Supremo se pronunciasse, modernizando o Estado brasileiro.
Mais uma vez, no entanto, a atuação do Judiciário deixou o Legislativo em posição subalterna em decisões importantes.
A "judicialização" da política, fenômeno que tomou conta das preocupações em Brasília - e que gerou sua contrafação, a "politização" da Justiça -, é fato da vida real. E, na maioria dos casos anteriores, os tribunais superiores foram chamados a decidir por consultas dos próprios políticos, o que retira o caráter de ingerência de um poder nos assuntos do outro, embora mantenha a impressão de fragilidade do Legislativo.
Desta vez, o Supremo deu uma interpretação nova a uma cláusula que parecia ter uma conceituação definitiva, o texto constitucional que define o núcleo familiar como o formado por "homem e mulher".
O artigo 226 define que "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".
Um dos argumentos utilizados pelos ministros foi que a Constituição não diz que as outras famílias não merecem a proteção do Estado.
O ministro Ricardo Lewandowski chegou a dizer que a definição constitucional era "meramente de exemplaridade".
A cláusula que definia a família era considerada até ontem tecnicamente "exaustiva", isto é, encerrava o assunto em si mesma.
Ontem, o Supremo mudou a compreensão do significado que está na Constituição. O Congresso agora não tem que fazer nada, só se quiser derrubar a decisão do Supremo.
Mas, como é um assunto delicado, é difícil que haja uma união de interesses políticos nessa direção. Toda vez que o Congresso abre mão de decidir, ele estimula o que o jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas, chama de "ativismo a convite".
Outro jurista da FGV, Diego Werneck, vê "conveniências estratégicas" nas omissões do Congresso, isto é, sempre que há assuntos delicados para decidir, o Legislativo - incapaz de chegar a um consenso e sem resistir às diversas pressões de representantes da sociedade - evita o tema, abrindo uma brecha para o "ativismo judicial".
Diego Werneck, um estudioso do Supremo tanto daqui quanto da Suprema Corte dos Estados Unidos, considera em um de seus trabalhos que, à medida que o Supremo se torna mais demandado e mais poderoso, é certo que essa situação vai exercer uma pressão sobre a maneira como a instituição percebe sua identidade e se apresenta para a sociedade.
"Quanto mais importante, maiores a atenção e o interesse dos atores políticos no STF".
Mesmo que não exista uma legislação específica, a resolução do STF abre um precedente jurídico para que casais homossexuais peçam na Justiça os mesmos direitos da união estável entre heterossexuais.
O acórdão - decisão coletiva dos ministros que é publicada no Diário da Justiça - tem efeito direto na administração pública e no Poder Judiciário.
Outra questão que esteve em pauta esta semana foi a excessiva subordinação do Congresso ao Poder Executivo, explicitada na aceitação de termos absolutamente inadequados da maioria das medidas provisórias.
Um grupo de senadores da oposição, liderados pelo senador Itamar Franco, que vem se mostrando um ativo parlamentar, retirou-se do plenário para demonstrar seu inconformismo com a situação.
O mínimo que acontece é os temas das medidas provisórias não serem nem relevantes nem urgentes. Mas até mesmo na forma esse instrumento do Executivo forte chega disforme ao Congresso, tratando de vários temas dentro do mesmo texto, o que é proibido pela legislação.
Discute-se no Senado proposta do senador Aécio Neves para dar maior capacidade ao Congresso de avaliar essas medidas provisórias, que só entrariam em vigor depois de passar por uma comissão permanente especialmente designada para esse exame.
O governo, como é natural, não aceita limitações a seus poderes. Mas há um movimento entre os congressistas para se negociar uma nova maneira de tramitação das medidas provisórias que permita ao Congresso decidir pelo menos com mais tempo, com base em uma proposta do presidente do Senado, José Sarney.
Como se vê, o Legislativo anda imprensado entre o Executivo e o Judiciário.