A Itália investiga adulteração nas uvas
de um de seus vinhos mais festejados
Paula Neiva
Massimo Sambucetti/AP | Stock Food/Latin Stock |
Colheita em Montalcino e o selo da associação de produtores: à espera das análises |
A Itália é o segundo maior produtor mundial de vinho, logo atrás da França, e de suas caves saem alguns dos rótulos mais festejados pelos apreciadores da bebida. Na semana passada, uma sombra se abateu sobre a glória do vinho italiano. Cumprindo ordens do ministério público, foram recolhidas para exame 600 000 garrafas do tinto Brunello di Montalcino, justamente um dos tipos mais renomados e caros produzidos no país. No Brasil, uma garrafa desse vinho custa em média 200 reais. A suspeita é que quatro das 200 vinícolas que produzem o Brunello di Montalcino tenham usado uvas fora das especificações na safra de 2003, agora colocada à venda. Esse tipo de vinho é um dos que levam na Itália o selo DOCG, sigla para denominação de origem controlada e garantida. Isso significa que, além de ser engarrafado na região de Montalcino, na Toscana, ele precisa ser feito exclusivamente com uvas do tipo brunello, também chamadas de sangiovese, cultivadas no local. De acordo com a regulamentação italiana, vender como Brunello di Montalcino um vinho feito em parte com outras uvas configuraria fraude. "Nesse momento, existem apenas suspeitas. Antes que qualquer atitude seja tomada, é preciso esperar os resultados da investigação", disse a VEJA Stefano Campatelli, diretor-geral do Consórcio do Vinho Brunello di Montalcino, a associação de produtores da bebida.
O episódio dos vinhos é o terceiro que ocorre recentemente na Itália envolvendo irregularidades no setor de comidas e bebidas. Há um mês, o governo descobriu que parte da mussarela de búfala produzida no sul do país estava contaminada por dioxina, um resíduo altamente tóxico, que pode causar câncer. As autoridades sanitárias agiram rapidamente e retiraram o produto do mercado, mas o país teve de esclarecer o caso para a Comissão Européia de Saúde. Na mesma época, o órgão voltou a pedir explicações à Itália, dessa vez com relação a suspeitas de irregularidades na composição de vinhos populares, de baixo preço. Lotes da bebida foram retirados do mercado. Análises do ministério da saúde italiano constataram a adição irregular de açúcar e água no vinho, como forma de baratear seu custo de produção.
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Brunello di Montalcino: escalada de sucesso nas últimas décadas |
Segundo fontes ligadas à indústria vinícola italiana ouvidas por VEJA, a suposta adição ao Brunello di Montalcino de uvas de outros tipos que não o sangiovese teria duas explicações. A primeira é que a região não conseguiria colher uvas suficientes para atender à crescente demanda pelo vinho que produz. O Brunello di Montalcino tinha pouca projeção internacional até meados da década de 60. A partir daí, iniciou uma escalada de sucesso, como mostra o aumento no volume de produção. Em 1975, foram produzidas 800 000 garrafas de Brunello di Montalcino. Em 1995, 3,5 milhões de garrafas chegaram ao mercado. Esse número saltou para 6,5 milhões em 2005. Para este ano, a expectativa, segundo os produtores, é que sejam produzidos 7 milhões de garrafas de Brunello di Montalcino. Usar boas uvas de outras procedências seria uma forma de aumentar a produção. Nesse caso, o sabor do vinho se altera, mas não sua qualidade.
O segundo motivo que os produtores de Montalcino teriam para usar outros tipos de uva é que elas deixaram o vinho mais ao gosto dos consumidores dos Estados Unidos, para onde 25% das garrafas produzidas na região são exportadas. O mercado americano prefere vinhos mais encorpados e frutados, características que seriam ressaltadas no Brunello di Montalcino quando adicionadas outras uvas. Os especialistas especulam que as uvas usadas nas garrafas sob suspeita são dos tipos merlot, cabernet sauvignon e nero d’Avola. "Se for verdade que o Brunello di Montalcino sofreu mistura de uvas, oficialmente há uma fraude, mas o produto resultante continua sendo um bom vinho", diz o sommelier italiano Angelo Fornara, que trabalha com vinhos produzidos na região do Piemonte.
Com reportagem de Renata Bett