Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 12, 2008

Homer Simpson somos nós


Mercado livre e um empurrãozinho para conduzir
o consumidor às melhores escolhas: assim funciona
o paternalismo liberal do economista Richard Thaler


Jerônimo Teixeira

Divulgação
David Mcnew/Getty Images
Richard Thaler e uma casa com hipoteca executada nos Estados Unidos: a falta de informação leva as pessoas a agir de forma contrária a seus próprios interesses

O economista americano Richard Thaler, de 62 anos, garante que suas teorias não rompem com a tradição liberal da Universidade de Chicago, onde ele leciona (e onde já trabalhou Milton Friedman, papa dessa linhagem de pensamento). Thaler, porém, irrita os mais ortodoxos com sua proposta de um "paternalismo liberal" – uma conjunção de liberdade de mercado com pequenas intervenções, do governo ou de agentes privados, que orientem as pessoas na direção das melhores escolhas econômicas. Expoente da economia comportamental, que busca entender os enganos de percepção e a inconstância das decisões humanas, Thaler preconiza políticas públicas voltadas para o Homer Simpson que habita em cada um de nós (o pai de família do desenho Os Simpsons, como se sabe, está a léguas de distância da racionalidade perfeita). Thaler acaba de lançar Nudge (algo como "dar um empurrãozinho" ou "dar um toque"), um resumo do paternalismo liberal escrito em parceria com o professor de direito Cass Sunstein, também de Chicago. Thaler falou a VEJA sobre suas propostas para as áreas mais distintas – dos planos de previdência ao casamento.

O que é o paternalismo liberal? É a idéia de que é possível atingir dois objetivos na aparência contraditórios: ajudar as pessoas a tomar decisões melhores e manter a liberdade de escolha. O modo de conciliar esses objetivos é projetar ambientes de escolha nos quais as pessoas têm mais probabilidade de, digamos, trombar com a melhor opção. Por exemplo, quando você se torna funcionário de uma empresa que oferece um plano de previdência, precisa preencher vários formulários de adesão. As pessoas muitas vezes hesitam em preenchê-los ou até se esquecem – e assim deixam de economizar para o futuro. Podemos mudar a situação inicial para uma adesão automática. Mesmo se você não fizer nada, estará incluído no plano. Depois, basta garantir que você possa sair a qualquer momento para que sua liberdade de escolha fique resguardada. Outro exemplo: uma cidade da Califórnia passou a incluir nas contas de luz comparações entre o consumo dos vizinhos. Essa informação deu um susto nos gastadores contumazes e fez com que mudassem seu padrão de consumo. É o que chamamos de "empurrãozinho" na boa direção.

O "empurrãozinho" não pode ser um instrumento perigoso na mão de governos com tendência intervencionista? É inútil imaginar que o governo possa se ausentar totalmente da economia. Ao administrar, por exemplo, a previdência social, o governo define as opções de adesão. Ele vai sempre dar "um toque" – por que não indicar a melhor escolha? E uma parte importante do paternalismo liberal é a transparência, a exposição de informações no domínio privado e também governamental. A transparência torna mercados e governos mais eficientes – e menos corruptos.

Por que o senhor diz que as empresas e o governo têm de levar Homer Simpson em consideração? Há um pequeno Homer Simpson dentro de cada um de nós. No livro, fazemos a comparação entre Homer e Spock, o personagem sem emoções da série Jornada nas Estrelas. Spock era um agente econômico perfeitamente racional. Ele agia do modo como as pessoas se comportam nos manuais universitários de economia. Se o mundo fosse habitado por vulcanos como Spock, a teoria econômica estaria sempre correta. Mas os Homers que andam por aí às vezes precisam de um empurrãozinho na direção certa.

O paternalismo liberal, então, seria uma espécie de dedo sutil para auxiliar a mão invisível do mercado? Correto. São medidas para fazer os mercados funcionar melhor – para responder melhor aos interesses dos indivíduos, e que às vezes eles não enxergam com clareza. Uma das nossas propostas, que vale para atividades como a telefonia, é requisitar às empresas que informem todas as suas tabelas de preço por meio de arquivos eletrônicos. O cliente poderia, com um clique, comparar os preços de várias empresas em sites da internet. Isso é importante porque a vida ficou muito complicada. Antigamente, quando só existia o telefone fixo, havia uma taxa mensal e adicionais por interurbanos. Hoje, se você tem um celular, a companhia pode cobrá-lo por dezenas de coisas – e-mails, mensagens de texto, navegação na internet etc. Você precisa de um Ph.D. para escolher o melhor plano.

O paternalismo liberal poderia ter evitado a crise nos mercados imobiliários? Não é uma panacéia, mas teria ajudado, sim. A transparência seria útil no setor de hipotecas, que, tal como a telefonia, está cada vez mais complicado. Muitas pessoas que contrataram hipotecas e agora não encontram meios de pagá-las foram na verdade engambeladas por corretores que não explicaram claramente o que estavam vendendo.

O senhor tem uma proposta paternalista liberal para o casamento. Qual é? Nossa proposta é muito simples e não deveria ser controversa, embora as pessoas talvez a considerem assim. A palavra "casamento" evoca reações muito emocionais. Propomos que, em todos os contratos legais, ela seja eliminada. Será substituída por "união civil" ou "parceria doméstica". O casamento deixaria de ser da competência do governo para se tornar um arranjo totalmente privado, celebrado em igrejas ou até em clubes. Cada igreja estabeleceria suas próprias regras – se não quiser realizar casamentos homossexuais, tudo bem, é problema dela. Teríamos completa liberdade religiosa e completa igualdade, pois não estamos reduzindo os gays a cidadãos de segunda classe.

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