Só que Lula esqueceu de dizer que nos anos de luta sindical seus conceitos de liberdade e autonomia eram muito diferentes, aliás, o inverso do que prevalece agora nesse reconhecimento das centrais. Lula defendia ser fundamental desatrelar os sindicatos da tutela do Ministério do Trabalho, dando-lhes vida política e econômica livre, independente e autônoma. E, para o exercício pleno desta autonomia, era indispensável extinguir o imposto sindical, principal cordão umbilical que os prende e os subjuga ao governo. Argumentava que este tributo fomenta o peleguismo e produz sindicalistas acomodados e servis ao governo e aos patrões. Bons tempos hein, presidente? O senhor liderando históricas assembléias de trabalhadores em São Bernardo do Campo, desafiando o poder da ditadura militar.
E hoje, com Lula presidente da República, o que sobrou dos tempos de liderança sindical?
Sobrou o imposto sindical propagador de pelegos que ele tanto condenou no passado, por ele sancionado e pelas centrais comemorado como "vitória dos trabalhadores", sem que um único trabalhador fosse visto em frente ao Congresso defendendo o tributo. O apoio recebido veio, sim, do presidente e do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, como nos velhos tempos de peleguismo de Vargas.
Em compensação, murcharam o vigor e a bravura da luta sindical dos anos 80; os sindicatos andam esvaziados, porque os trabalhadores não os reconhecem como seus defensores; preocupados em assumir cargos no governo, os dirigentes vivem em Brasília trocando favores com o governo e se afastam de seus representados; a proposta de reforma sindical começou, em 2003, eliminando o imposto e acabou distribuindo R$ 100 milhões às centrais; com isso já há cinco centrais reconhecidas e seis aguardam registro na fila de olho grande nesse dinheiro. Tudo muito diferente dos "30 anos de luta pela liberdade e autonomia sindical", de que fala Lula ao justificar seu veto à fiscalização do TCU.
Na verdade, o reconhecimento das centrais sindicais cria superposição de poder com a estrutura da velha CLT dos anos 40. Instalou-se uma dualidade de poder com federações e confederações, de um lado, e as centrais sindicais, de outro, teoricamente disputando a filiação de sindicatos. Mas até agora a convivência tem sido pacífica, até porque na partilha do imposto a estrutura antiga não perdeu um centavo sequer, porque os R$ 100 milhões distribuídos às centrais saíram da parcela de 20% do imposto que cabia ao Ministério do Trabalho. Foram integralmente preservados os R$ 800 milhões, rateados entre sindicatos, federações e confederações.
Tinha razão Lula nos anos 80. Além de produzir um sindicalismo pelego e corrupto, há pelo menos três décadas o imposto sindical tem crescentemente motivado uma vasta indústria de sindicatos fantasmas e picaretas, que só existem (e conseguem obter registro do Ministério do Trabalho!) para se apropriar do dinheiro do imposto. Os dirigentes das centrais sabem disso, não dá para esconder. O contraditório presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, por exemplo, ao mesmo tempo que elogia o veto de Lula, reconhece que a não fiscalização do TCU vai fortalecer "a banda podre do sindicalismo". Mas, se não há fiscalização alguma e o Ministério do Trabalho prefere viver em idílio com dirigentes sindicais e foge da responsabilidade de fazer auditorias e cassar registros de sindicatos suspeitos, como separar o joio do trigo e punir a "banda podre"? Não dá para esperar por solução divina, porque Deus não tem nada que ver com esta história. Mas Lula tem.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br