Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 06, 2008

Mailson da Nóbrega O Proer foi bom e barato

A

O presidente Lula reconheceu que o Brasil tem know-how para salvar bancos, isto é, evitar o desastre de crises bancárias. Brincando, ofereceu a tecnologia do Proer ao presidente Bush, que a utilizaria para lidar com a crise no sistema financeiro americano.

Esse foi mais um dos avanços mentais de Lula em questões econômicas depois que sua intuição o levou a jogar no lixo as respectivas idéias do PT. Como muitos outros desinformados ou oportunistas na época (1995), o presidente recebeu mal o Proer.

O fácil era criticar o programa, como ele fez mais de uma vez. "Quando é para os pobres, o governo não tem dinheiro. Quando é para encher o rabo de banqueiro, aparece o dinheiro, aparece o Proer, aparece a safadeza." Hoje, mais maduro e bem informado, o presidente deve saber que os benefícios do programa foram muito maiores do que os seus custos.

Agora, quando o Federal Reserve (Fed) impediu a quebra do Bear Stearns, os críticos do Proer poderiam aprender que nenhum governo sério hesita em evitar o risco de crises sistêmicas. Os grandes perdedores seriam os poupadores e a economia como um todo. Daí o Proer.

Os bancos centrais têm dois mandatos: (1) controlar a inflação e (2) manter a estabilidade do sistema de pagamentos. O Fed tem um terceiro: o crescimento, que é o efeito de segunda ordem do cumprimento dos outros dois. Aqui se imagina, erradamente, que o Fed é obrigado a promover diretamente o crescimento.

O crédito teve importância decisiva nos países capitalistas nos últimos três séculos. Até a primeira metade do segundo milênio, o mundo levava 500 anos para dobrar o PIB. A partir do século 18, o mesmo resultado passou a ser obtido em uma geração ou menos. Atualmente, a China dobra o seu PIB a cada seis ou sete anos.

As mudanças institucionais que extinguiram o absolutismo e garantiram direitos de propriedade e respeito aos contratos tiveram papel preponderante. O Banco da Inglaterra, fundado em 1694 com funções semelhantes aos dos modernos bancos centrais, fez surgir o amplo sistema de crédito que viabilizou a Revolução Industrial. No século 19, o crédito chegou às pessoas físicas e gerou uma nova revolução: o consumo de massa.

O crédito se tornou parte indissociável do desenvolvimento. Onde o setor privado não o provinha, o governo supriu essa falha com bancos estatais. No século 20, os EUA inventaram o cartão de crédito e a securitização de recebíveis, que foram adotados no resto do mundo e ampliaram o acesso ao crédito.

O sistema financeiro gerou outra importante novidade: o sistema de pagamentos. Cheques, ordens de pagamento, transferências eletrônicas, cartões de débito e outros instrumentos reduziram custos de transação, aumentaram a segurança dos negócios e contribuíram para o desenvolvimento.

Diz-se que o consumo americano é movido a crédito. Na verdade, salvo em Cuba, Coréia do Norte e países muito pobres, isso é verdadeiro em todo lugar. Nos países que dão certo, o crédito representa até 100% ou mais do PIB. No Brasil, ainda estamos em 35%.

Daí vem a importância de evitar crises bancárias. Se os bancos quebrarem em cadeia, esse processo se arruína. A Grande Depressão não veio do crash da Bolsa de 1929, mas da crise bancária posterior, que causou a queda de metade do PIB americano em três anos. Hoje, se sabe que a desgraça poderia ter sido evitada.

O ideal é agir preventivamente, como fez o Banco Central do Brasil e está fazendo agora o Federal Reserve. Em todos os casos, o custo de agir é menor do que os benefícios de não deixar o sistema quebrar. A necessidade de preservar a estabilidade do sistema prevalece sobre outros objetivos. Hesitações redundam em maiores custos.

Várias crises bancárias aconteceram nos anos 1990. Seu custo fiscal dependeu dos desequilíbrios do sistema, da qualidade da regulação e da presteza da ação das autoridades. A crise bancária da Indonésia (1997-1998), a pior, custou 58% do PIB; a da Tailândia (1997), 31%; a da Venezuela (1994), 22%; a do Japão (1998), 12%; e por aí afora.

O custo do Proer deve ficar em cerca de 1% do PIB. Ao contrário do que se dizia, banqueiros cujas instituições quebraram perderam seu respectivo capital. Evitou-se a corrida aos bancos e a crise bancária. Hoje, uma das razões para a resistência da economia brasileira à crise externa é a solidez dos nossos bancos. Viva o Proer.

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