A inflação está de volta e o fantasma de alta nos juros reaparece. Ao mesmo tempo, a produção cresce a todo vapor e a receita tributária surfa em boas ondas. Momento para o governo agir, usar seu poder de calibrar a economia e trazer os bons ventos da produção e da receita para dissolver as nuvens negras da inflação e dos juros. E, se pensar menos em eleição e mais em corrigir os rumos do País, o governo Lula pode começar a frear seus gastos e conseguir um efeito saudável para toda a economia nunca antes alcançado por outro governante (e agora não é piada!): reduzir gradualmente a dívida pública, um mal que provoca juros altos e limita o crescimento da economia, da geração de empregos e da renda da população. E como fazer isso?
Na última segunda-feira o Ministério da Fazenda anunciou um contingenciamento de R$ 19,4 bilhões no Orçamento, que, na prática, encolhe para R$ 3 bilhões líquidos, já que o governo também avisou que vai elevar as despesas orçamentárias em R$ 16,9 bilhões. Aí é que está o nó: o governo continua gastando em excesso e acaba perdendo a chance rara de aproveitar os bons ventos do aumento da receita para equacionar a dívida, acumulada ao longo dos anos justamente para pagar seus gastos crescentes. Este é o ponto central que impede o País de crescer a 10% ao ano como a China, encarece juros e o custo de produção das empresas, represa o emprego e a renda da população e atrofia o progresso. Além de outros benefícios, como a classificação do Brasil em grau de investimento pelas agências de risco, que sempre avocam a dimensão da dívida como impedimento para melhorar a posição do Brasil no mercado internacional.
Segundo os números da Secretaria do Tesouro, nos 12 meses encerrados em fevereiro, a receita tributária do governo federal cresceu 15,1%, portanto, mais de 10% em termos reais, já que a inflação ficou em 4,5%. Sem dúvida foi um desempenho extraordinário. Só que a despesa também explodiu e aumentou em 15%, e grande parte dessa explosão vem de gastos cotidianos de custeio da máquina pública. Exatamente onde o governo teria melhores condições de economizar se criasse um programa sério de controle e contenção de seus gastos, que envolvesse todo o setor público - os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em vez disso o que se vê é exagero, descaso com o dinheiro público, como mostraram as denúncias sobre o uso dos cartões corporativos por altos funcionários.
Em qualquer instância de gestão financeira, da mais complexa, como um país inteiro, à mais simples, como a vida de uma família, vale aplicar aquela velha regra básica: quando a renda aumenta é o momento apropriado para economizar e aplicar as sobras de dinheiro no pagamento de dívidas que, por seu poder multiplicador da incidência de juros, acabam exaurindo a renda e impedem o desenvolvimento familiar ou do País. Se assim não for, só resta a alternativa do calote e o resultado final se revelou dramático em todas as experiências vividas no mundo, inclusive no Brasil nos anos 80, de Sarney como presidente.
Nos últimos quatro anos têm havido sobras de dinheiro porque a arrecadação tributária tem crescido acima da inflação. O problema é que o governo não cumpre o essencial da regra básica, gasta o dinheiro em despesas correntes e dispensáveis e desperdiça a chance de abater a dívida, um mal maior que prejudica o País inteiro.
Segundo cálculos do ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, se o governo mantivesse a despesa constante nos últimos quatro anos, a relação dívida/PIB teria reduzido dos atuais 42% para 38% do PIB. E economizar 1% do PIB a cada ano não exige nenhum sacrifício da população nem interrupção de programas sociais. Exige, sim, disciplina e disposição de funcionários com poder de gerenciar verbas consumidas no cotidiano. No final de fevereiro, a dívida líquida alcançou a extraordinária cifra de R$ 1,157 trilhão, ou 42,2% do PIB. Em janeiro estava em 41,9% do PIB e tem oscilado entre 41% e 43% do PIB, sem nenhum sinal de queda gradual e consistente do indicador.
O Fundo Monetário Internacional fez as contas na semana passada e reviu sua previsão de crescimento para o PIB brasileiro de 4,5% para 4,8%. Tudo indica ser mais um ano de prosperidade na receita tributária. Mas o governo Lula não emite nenhum sinal de que vai usar as sobras para reduzir a dívida. Ao contrário, ela tem tudo para crescer nos próximos meses porque o Banco Central já sinalizou que vai é aumentar os juros.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br
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