Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 13, 2008

O legado de Sérgio Motta, dez anos depois

Ethevaldo Siqueira

“Num futuro muito próximo, você poderá comprar seu celular em lojas e até mesmo em postos de gasolina. Em poucos anos, o Brasil terá milhões de usuários e diversas operadoras em regime de competição. Em muitos casos, o assinante poderá receber o aparelho de graça, pagando apenas os serviços.”

Essa era a previsão que o ex-ministro das Comunicações, Sérgio Motta, fazia em 1996 para o futuro da telefonia celular brasileira, quando o País promovia o primeiro leilão de licenças de banda B, iniciando o processo de competição nesses serviços. Pouca gente acreditava na visão otimista do ministro que ousava quebrar os velhos paradigmas de um setor estagnado e quase sem futuro como eram as telecomunicações no começo dos anos 1990. A previsão de Serjão se confirmou e não surpreende mais a ninguém. O Brasil de 1996 tinha pouco mais de 2 milhões de celulares. Hoje tem 125 milhões. Pena que não tenha vivido para comemorar esses resultados e, em especial, os do modelo de privatização da Telebrás, pois faleceu no dia 19 de abril de 1998.

Como brasileiro, sinto-me no dever de relembrar um pouco do trabalho do ex-ministro, neste décimo aniversário de sua morte. Conheci-o nos tempos de nossa política universitária em plena ditadura. Embora distantes e sem muito contato pessoal, pertencíamos à mesma organização de resistência, a Ação Popular (AP). Reencontrei Sérgio Motta no final de 1994, logo que ele recebeu o convite para ser ministro das Comunicações do presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso.

Embora fosse engenheiro e cidadão profundamente interessado nos problemas nacionais, Sérgio Motta não tinha experiência em telecomunicações. Por isso, ao formar o grande círculo de discussão do futuro do setor, me pediu para indicar os nomes dos melhores profissionais e especialistas que, em minha opinião, pudessem dialogar com ele.

Sérgio Motta tinha paixão pelo debate. Depois de mais de dois meses de discussão, convenceu-se de que, diante do esgotamento do modelo estatal, não havia outro caminho para o País do que privatizar. Foi assim que, com sua determinação e o apoio de Fernando Henrique, conseguiu fazer pelo País o que, talvez, nenhum outro ministro das Comunicações pudesse fazer.

Em pouco mais de seis meses, Sérgio Motta conseguiu convencer o Congresso a mudar o artigo 21da Constituição, que só permitia a exploração dos serviços de telecomunicações por empresas estatais. Em 1996, introduziu a competição no celular, com o leilão da banda B, que rendeu mais de R$ 8 bilhões.

“Temos que fazer uma boa privatização, com uma lei geral, uma agência reguladora profissional e independente”, alertava. “Pior do que manter qualquer sistema estatal é fazer uma privatização desastrada.”

Para que o País aprendesse com a experiência internacional, enviou três assessores ao exterior para levantar em vários países os modelos mais modernos de privatização, de legislação e de agências reguladoras. Contratou consultorias internacionais para levantar o valor real da Telebrás e definir a melhor estratégia privatização. E, com sua experiência e sabedoria política, soube esquivar-se de todos os lobbies - de sindicatos, de empresários e de investidores. Em julho de 1997, depois de quase um ano de intensos debates, o Congresso brasileiro aprova a Lei Geral de Telecomunicações, então uma das mais modernas e completas do mundo, trazendo em seu bojo as linhas gerais do novo modelo regulatório, com a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Em novembro de 1997, instala-se a agência, dirigida por cinco profissionais competentes e respeitados. Tudo caminhava muito bem com o projeto de reestruturação das telecomunicações, menos a saúde do ministro. Depois de recuperar-se de um enfarte em setembro de 1997, Sérgio Motta passou a lutar contra uma velha infecção pulmonar, que se agravou no início de 1998.

Poucos minutos antes de ser internado na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo - de onde não sairia com vida -, o ex-ministro Sérgio Motta encaminha ao presidente Fernando Henrique um fax com a mensagem manuscrita, em que praticamente se despede do amigo, agradece seu apoio ao projeto de reestruturação geral das telecomunicações e pede, no final: “Não se apequene, presidente. Cumpra o seu destino histórico. Coordene as transformações do país”.

Sem Sérgio Motta, a privatização da Telebrás foi conduzida pelo novo ministro, Luiz Carlos Mendonça de Barros. No leilão realizado no dia 29 de julho de 1998, a Telebrás e suas subsidiárias foram vendidas por R$ 22,26 bilhões, o que representa quase US$ 19 bilhões. Era a maior privatização de telecomunicações da década.

Para os que ainda duvidam do acerto da privatização das telecomunicações, bastam dois indicadores. Primeiro quanto ao número de telefones ou acessos fixos e móveis. De pouco mais de 24,5 milhões em julho de 1998, o Brasil passou para quase 170 milhões hoje, o que representou um crescimento físico de 600% e um salto na densidade, de 14 telefones por 100 habitantes para os 91 atuais.

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