Era para ser uma semana tranqüila, mas o desastroso resultado da General Eletric, forte queda no lucro, e o menor índice de confiança do consumidor americano dos últimos tempos derrubaram as bolsas. Os índices em Wall Street recuaram entre 2% e 2,6%, após terem se aproximado de 3%. Não foi nada muito grave, pois altas e baixas têm sido freqüentes; os índices podem se recuperar amanhã, mas o mercado espera com ansiedade balanços ainda por sair.
Nesse clima de pessimismo, a coluna se coloca aos lado dos economistas mais equilibrados e independentes, para os quais não há catástrofes à vista, nem um novo 1929, tão a gosto dos alarmistas que querem aparecer, criando manchetes.
SISTEMA FINANCEIRO ESTÁ BEM
O fato espantoso é o sistema financeiro estar suportando bem perdas bilionárias. Ninguém quebrou, o que mostra que o sistema está suficientemente forte para absorver novos choques e perdas estimadas em US$ 1 trilhão. Tem agora ao seu lado um Fed (banco central americano) firme e determinado a socorrer quem precisar com o seu caixa de US$ 490 bilhões.
O Fed já afirmou que agirá rapidamente e está montando com o Tesouro um plano emergencial para qualquer nova eventualidade. Ninguém quebra, é a ordem de Bernanke, presidente do Fed. O pronto-socorro abriu suas portas e tem sangue e soro à vontade. Só que vai administrá-los com cuidado para não atender os que não precisam tanto e colocar na UTI os casos mais urgentes. Se houver outros, que venham, só que, agora, sob inspeção individual e permanente do Fed. Mas ninguém vai morrer.
E OS VILÕES SÃO...
...o etanol e o preço dos alimentos. A espiral das commodities é o tema mais importante no momento. Na semana passada, foi um festival de fantasmas assustando na reunião do FMI. O presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Robert Zoelick, representou um show particular levando debaixo do braço e mostrando a todos no seu discurso, como um mágico, um pão e um saco de arroz. Denunciou o aumento da fome provocado em grande parte pelo desvio de terras para produzir etanol.
Em tempo: o mesmo Zoelick, como representante dos EUA, dificultou as negociações de Doha, cujo objetivo era liberalizar o comércio agrícola e reduzir preços. Doha está morta porque nem os EUA nem a Europa querem diminuir a taxa que cobram nas importações. Entre a fome do mundo e os seus produtores, ficam com estes. E, agora, Zoelick vem dar uma de bom mocinho... O diretor-gerente do FMI, Dominique foi mais comedido e aponta alimentos e energia (leia-se petróleo) como as causas básicas do retorno da inflação.
Ambos deveriam ter sido mais honestos, mostrando que os grandes vilões são o petróleo, a US$ 110, e os EUA, que insistem em continuar aumentando sua produção de etanol de milho, a preços absurdos, deslocando outras culturas alimentares e, conseqüentemente, elevando os preços agrícolas. É um duplo e substancioso alimento da inflação, que não tem nada a ver com o biodiesel. Muito ao contrário, o biodiesel só pode reduzir o impacto do brutal aumento do petróleo.
LULA: “É MENTIRA”. FEZ BEM
Lula fez muito bem, foi ótimo mesmo, ao responder a Zoelick e aos outros. “É mentira”, exclamou ele, furioso. Não é o etanol, tão criticado pela indústria trilionária do petróleo do Ocidente, mancomunada com os países muçulmanos (ele não disse isso, mas eu digo!), que está causando inflação. E se os preços dos alimentos estão aumentando, que subam.(Aqui, Lula exagerou, usou uma metáfora.) É que há mais centenas de milhões de seres humanos que, até agora famintos, aumentaram suas rendas e entraram no mercado de consumo; estão cometendo a audácia de comer mais. São uns criminosos (esse finzinho é meu, não dele).
VEJAM ESTES NÚMEROS
Na sexta-feira, quando todos gritavam contra o fantasma dos alimentos e do etanol, o Departamento do Trabalho dos EUA divulgou dados sobre o aumento dos preços dos produtos importados. Atentem.
Em março, os preços de todos esses produtos tiveram uma alta de 2,8%. Em 12 meses, 15%. O quê subiu quanto? O preço do petróleo aumentou 9,1% e o dos alimentos, 2,5%. Tem mais: em 12 meses terminados em março, o petróleo teve uma alta de 60%! É oficial. Não vê quem não quer, como os moços reunidos lá no FMI.
A inflação americana está em 4,2%, mas isso se deve ao aumento do uso de milho, que desaloja outras culturas de alimentos e eleva os preços. O tal etanol de milho é tão absurdamente caro que o governo americano taxou fortemente a importação de etanol brasileiro para que seu preço se eleve ao nível do local. Dá para acreditar? E a culpa da inflação é nossa?
COMMODITIES, UM DILEMA
Os preços das commodities estão em franca ascensão, beneficiando países produtores, a maior parte deles emergentes ou em desenvolvimento. Mas há um problema. São exatamente esses países, como o Brasil, que, com exportações, criaram um mercado interno expressivo e, ao importar mais, estão impedindo que a desaceleração econômica vire recessão. Se eles pararem de crescer por perda de receita de exportações a economia dos desenvolvidos poderá aprofundar-se ainda mais. Eis o dilema.
Cabe enfrentá-lo, administrando a fase de transição, sem precipitar soluções fáceis, mas perigosas. Pelo visto na semana passada, em Washington e na reunião da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO), em Brasília, eles não entenderam isso. Derrubem de um só golpe o preço das commodities, e a economia mundial desaba. Esses senhores falastrões, que gostam de reuniões pomposas, bem-remuneradas, estão brincando com fogo.