PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
10/4/2008 |
A inflação é o pomo da discórdia entre Banco Central e Ministério da Fazenda. Ontem o IPCA foi um ponto a mais na direção do que o BC tem dito: a inflação está subindo. O problema não é que, em 12 meses, ela ficou em 4,7%, porque centro da meta não é teto nem número cabalístico, mas todas as outras pressões que estão perigosamente se formando. A maior pressão vem de alimentos. Isso, em condições normais, não seria preocupante. Os alimentos têm uma oscilação natural, que tem a ver com safra-entressafra, chuva-seca, fatores que vêm e que vão. O que torna o problema mais grave agora é que há uma onda, ainda não dissolvida, de aumento de preços de alimentos no mundo. Estão em alta alguns produtos que não temos aqui o suficiente, como trigo. Estão em alta arroz e feijão. Países produtores estão proibindo exportação de arroz. O comércio é pequeno, mas os preços internos acabam subindo. Sobem os preços também do que produzimos e que exportamos, como soja e carne. Milho o Brasil exporta quando tem excedente. Agora, deve colher boa safra, mas que será atraída, em parte, pelo mercado externo, como no ano passado. Com a economia aberta, com esses produtos tendo cotação internacional, haverá impacto na inflação interna. A alta nos alimentos tem impactado bastante o INPC, o índice divulgado junto com IPCA que mede a inflação para famílias de menor renda. Em 12 meses, ele está em 5,5%, acima dos 4,7% do IPCA. Os itens importados, nos últimos anos, foram parte importante do processo de manutenção da inflação sob controle. Com o dólar em queda, os produtos baratos da China puxavam os preços para baixo. Mas agora os importados deixaram de cair e estão também encarecendo. Mesmo com a ameaça da recessão americana, as commodities como um todo estão em alta no mercado internacional; o petróleo continua subindo. As oscilações dos últimos dias em algumas commodities não mudam o quadro. Nos bens de consumo, há evidente pressão de demanda puxada pelo crédito, pelo aumento da renda, pela maior facilidade de compras. Se a produção vai aumentar o suficiente para atender a esse aumento crescente das vendas, é uma dúvida. Há pressão de gastos públicos. O governo projetou receita e despesa como se não houvesse falta de um imposto que antes eles diziam ser indispensável. A nova política industrial que será anunciada também é uma pressão por aumento de gastos. Os contingenciamentos no Orçamento não convenceram, até porque, na prática, os gastos públicos continuaram aumentando nos primeiros meses deste ano no mesmo ritmo que no ano passado. Demanda aquecida, preços estruturalmente altos, redução do efeito deflacionista e gastos públicos crescentes, com uma inflação subindo acima do centro da meta. São esses os motivos que levam o Banco Central a pensar em alta de juros na próxima semana. Se a taxa nominal subir, quanto tempo ficará subindo? O último ciclo de alta de juros, iniciado em setembro de 2004, durou nove meses e começou com 0,25 ponto percentual, lembra a economista Monica de Bolle. Ao todo, foram 3,75 pontos de altas de juros. Se a previsão do Focus se confirmar, seria 1,25 ponto percentual até o fim do ano. A curva de juros futuros já mostra essa alta. Ontem, depois da divulgação do IPCA, ela subiu, quando faz-se a comparação de como estava há um mês. A questão agora é por quanto de aumento de juros o resto do governo vai tolerar que o Banco Central decida. Os argumentos do outro lado do governo para que os juros não subam são que: a maior pressão é de alimentos, e isso muda sazonalmente; há preços administrados em queda, como energia; os investimentos permitirão que a oferta cresça. A alta dos juros fortalecerá mais o dólar, prejudicando os exportadores num momento de queda do saldo comercial, o que nos tornará mais vulneráveis à crise. Não é trivial o debate em torno do que fazer com a política monetária neste momento da economia brasileira e internacional. A briga ficará mais acirrada na semana que vem. De um lado, estarão o Ministério da Fazenda, o do Desenvolvimento e o BNDES anunciando a nova política industrial, e, de outro, o Banco Central estará fazendo sua reunião do Copom, que pode terminar com alta nas taxas de juros. O Ministério da Fazenda pode ter razão em muita coisa. Pode ter razão em achar que o BC está vendo um quadro estático. Observa a demanda crescente, mas não leva em consideração o aumento de oferta que está acontecendo pelo efeito do crescimento dos investimentos das empresas. Pode ter razão de achar que parte da pressão inflacionária dos preços pode ser reduzida por motivos sazonais. Pode ter razão no argumento, tão bem defendido ontem pelo ex-ministro Delfim Netto, de que 4,5% é o centro da meta, e não o teto. Mas em um ponto a Fazenda não tem razão: para enfrentar a pressão inflacionária, o Banco Central está sozinho; a Fazenda não entende ou não acredita na força da política fiscal para conter a inflação. Aí, sem ajuda da política fiscal, resta ao Banco Central ser mesmo ortodoxo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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