O Globo |
10/4/2008 |
Tudo indica que o desabafo do presidente Lula com a bancada do PDT, garantindo que não pretende concorrer a um terceiro mandato seguido, corresponde a seu estado de espírito atual, o que não quer dizer que isso não venha a acontecer, pois na história brasileira (e mundial) temos vários exemplos de políticos que, bem ou mal intencionados, falaram uma coisa e fizeram outra, levados por circunstâncias políticas que ajudaram a criar, ou que se lhes foram apresentadas. Embora claramente esteja com o ego inflado pela alta popularidade e pelas manifestações públicas de apoio, e goste de brincar com o tema, o presidente Lula parece ter decidido no seu pragmatismo político não arriscar a sua biografia com uma tentativa de mudar a Constituição para poder concorrer a um terceiro mandato consecutivo, que aos olhos do mundo o aproximaria dos vizinhos populistas sul-americanos mais do que desejaria. Semana passada, ao ser perguntado por um assessor como fora a viagem a Recife, comentou bem-humorado que se permanecesse mais algumas horas por lá, acabaria convencido de que poderia ter um terceiro mandato. Na seqüência da visita, o prefeito de Recife, o petista João Paulo, defendeu o terceiro mandato como "o plano A" do PT para 2010. Os diversos movimentos que acontecem à sua volta a favor do terceiro mandato, desde os projetos de correligionários no Congresso até as declarações, fazem parte, na verdade, de um movimento que atende mais aos interesses imediatos dos petistas e agregados políticos, que não se sentem confortáveis com a perspectiva de perderem o poder por não terem candidatos competitivos para a sucessão de 2010, do que a um projeto pessoal do presidente Lula. Segundo a observação de assessores próximos a Lula, ele se convenceu de que será muito melhor para sua história pessoal terminar o governo com o país crescendo, sua popularidade em alta e permanecer influindo na vida política fora da Presidência. Partindo-se do princípio de que tudo dará certo, exorcizando os possíveis efeitos da crise econômica internacional, Lula poderia então analisar qual a melhor perspectiva: disputar as eleições de 2014 ou ficar atuando nos diversos fóruns de que certamente participará ao fim de seu mandato, no Brasil e no mundo. Mesmo a volta em 2014 poderá não acontecer, se a prudência política assim aconselhar (é sempre bom contar com a possibilidade de o sucessor se dar bem e ser o favorito na reeleição), ou se as atividades fora do poder formal estiverem, por assim dizer, prazerosas. Pegue-se, por exemplo, a tese da prorrogação dos mandatos para cinco anos, que volta e meia surge na cena política nacional. Na véspera das eleições de 2006, houve uma tentativa de implementar essa mudança, que teoricamente atendia aos interesses dos mesmos candidatos tucanos, José Serra e Aécio Neves, e ainda por cima estenderia os mandatos dos executivos por um ano, inclusive o do próprio Lula. Não foi adiante, mas agora volta novamente a ser tema de possíveis emendas constitucionais. Mais uma vez não dará em nada, já que a prorrogação de mandatos é rejeitada pela sociedade e, sobretudo, pela desconfiança de que uma mudança de regras permitiria que Lula disputasse um terceiro mandato. Essa interpretação, embora discutível, suscitaria uma grande batalha jurídica a respeito, o que serviria para convulsionar o ambiente político e dividir a sociedade brasileira. Além do mais, raciocinam os mais pragmáticos, por que o PT ou o governo adotariam uma solução que serviria para "organizar a fila" no PSDB? O fato é que Lula se sente um predestinado e quer fazer o sucessor. Não apenas pelo orgulho próprio de confirmar seu prestígio pessoal, como para evitar retaliações políticas de um eventual sucessor adversário. Essa possibilidade tem nome e sobrenome no círculo próximo ao presidente: José Serra. É o único possível candidato que traz preocupações a petistas e aliados impossibilitados, ou menos propensos, a aderir a qualquer governo que saia das urnas. Todos os demais possíveis candidatos, na visão do presidente, seriam aceitáveis. Lula também não se preocupa com a falta de um candidato viável, embora preferisse que o PT aceitasse compor uma chapa de aliança política com o PMDB, tendo o candidato mais bem posicionado na cabeça, seja de que partido for. Se isso não for possível, existe para ele a quase certeza de que poderá colocar um dos vários candidatos aliados no segundo turno, a partir de onde tentaria fazer novamente a união da maior parte possível da coligação atual para enfrentar o candidato tucano. Mas essas são possibilidades políticas sujeitas a muitas variáveis, já que o PMDB pode se dividir novamente, e nunca se sabe qual o grau de agregação que o provável candidato Ciro Gomes, do PSB, é capaz de promover em torno de si numa campanha eleitoral. Também o PT não tem tradição de honrar compromissos políticos com seus aliados, o que pode abrir caminho para negociações do outro lado. E, embora Serra apareça como favorito nas pesquisas de opinião, não há como afirmar que ele ou outro tucano já tenha seu lugar garantido no segundo turno. Todas essas considerações, que correspondem a trocas de idéias internas no governo, mostram que a saída política mais natural é deixar tudo como está, sem tentativas mirabolantes de mudança de legislação para solucionar casos específicos. A tendência, ao final de todas as manobras, é que a reeleição, com mandato de quatro anos, acabe permanecendo como o sistema político que mais se adapta às nossas necessidades. |
Entrevista:O Estado inteligente
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