Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 10, 2008

A desagregação da Bolívia


editorial
O Estado de S. Paulo
10/4/2008

Numa tentativa de evitar a desagregação do Estado boliviano, o presidente Evo Morales pediu aos governos do Brasil, Argentina e Colômbia e à secretaria-geral da OEA que constituíssem um "grupo de amigos da Bolívia", para promover o diálogo entre o governo de La Paz e a oposição autonomista. Também solicitou os bons ofícios do cardeal Julio Terrazas. "Vim pedir a ajuda da Igreja para encontrar soluções e evitar conflitos. Os padres sempre buscam a forma para facilitar o entendimento entre os bolivianos" - disse Morales, que até a semana passada questionava, com forte dose de hostilidade, o papel de "grande árbitro nacional" que a Igreja exerce tradicionalmente na Bolívia.

No final da semana passada, estiveram em La Paz e em Santa Cruz os chanceleres Celso Amorim e Jorge Taiana, o vice-chanceler Camilo Reyes e o ex-chanceler argentino Dante Caputo, chefiando uma delegação da OEA. Celso Amorim, por exemplo, teve um encontro de duas horas com o presidente Evo Morales, avistou-se com ministros e depois manteve contato com líderes da oposição, em Santa Cruz. Taiana e Reyes fizeram o mesmo percurso, ressaltando que o grupo de amigos está interessado em "preservar a democracia e a permanência de autoridades legitimamente eleitas". No dia 14, os três chanceleres se reunirão para combinar uma linha de ação. Sua tarefa não será fácil.

Evo Morales conduziu desastradamente o processo de reforma institucional que entusiasmou seus eleitores - principalmente os indígenas, que constituem a maioria da população. Como não obteve maioria absoluta na Assembléia para aprovar a nova constituição - fortemente influenciada pelo "bolivarianismo" de Hugo Chávez -, promoveu uma série de chicanas parlamentares que culminaram com a votação final do texto num quartel do Exército, sem a presença da oposição. Além disso, tentou sufocar os movimentos autonomistas, principalmente o de Santa Cruz, incitando os movimentos sociais contra os "latifundiários" e "oligarcas".

Mas o tiro saiu pela culatra. Os movimentos sociais, que o ajudaram a se eleger, voltaram-se contra ele quando a população começou a sofrer os efeitos dos desacertos de suas políticas econômica e social. Hoje, seu governo enfrenta greves, manifestações de rua e bloqueios de estradas idênticos aos que ajudaram a derrubar três presidentes da República em dois anos e a eleger o antigo líder cocalero. Morales queria conceder autonomia administrativa aos municípios e às comunidades indígenas, mas não aos departamentos (equivalentes a Estados). O resultado foi que o movimento pela autonomia, que se centrava no departamento de Santa Cruz, primeiro contagiou os departamentos de Beni, Pando e Tarija e depois se espalhou pelo país.

Diante do caos institucional, o governo cancelou o referendo convocado para aprovar a Constituição votada na calada da noite. Ficou claro para Evo Morales que ele não conseguiria levar a cabo a consulta popular nas regiões controladas pela oposição.

Na verdade, Evo Morales perde terreno a cada medida arbitrária que toma. A Corte Eleitoral de Santa Cruz já organizou as juntas eleitorais que no dia 4 de maio receberão os votos do referendo sobre o estatuto de autonomia do departamento. Em julho serão feitas consultas populares idênticas em Tarija, Pando e Beni. E, apesar da ação violenta dos militantes do governista Movimento ao Socialismo, que estão destruindo registros e ameaçando os líderes autonomistas, os departamentos de Chuquisaca, La Paz, Cochabamba e Potosí também preparam referendos autonomistas.

Pouco antes da visita a La Paz do "grupo de amigos da Bolívia", fontes palacianas falavam na decretação do estado de sítio em Santa Cruz, para impedir a realização da consulta popular sobre a autonomia. No dia em que os chanceleres chegaram, o ministro da Defesa, Walker San Miguel, afirmou que a medida não estava sendo cogitada pelo governo. O problema hoje, em La Paz, é saber quem fala pelo governo. Com o navio fazendo água, proliferam as intrigas e brigas palacianas e as denúncias da existência de "inimigos internos" - o que já custou o cargo a alguns auxiliares diretos de Evo Morales.

O líder cocalero, que se dizia o redentor da Bolívia oprimida, está presidindo a desagregação política de seu país.

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