Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 18, 2008

Míriam Leitão - Antes do sal


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
18/4/2008

A Pemex, estatal de petróleo do México, está perdendo reservas; o Equador tem petróleo e não consegue extrair; a venezuelana PDVSA está subinvestindo e distribuindo gasolina de graça até para os ricos; a Bolívia tem clientes querendo seu gás e não tem como tirá-lo dos campos. Que modelo o Brasil quer para sua área de petróleo?

Essa é a pergunta que fica no ar neste episódio do diretor-geral da ANP, Haroldo Lima. Ele entende tanto de como funciona o mercado que decidiu fazer "uma cogitação" sobre reservas de petróleo. Não é só mais um atrapalhado de tantos que já fizeram cogitações parecidas no governo; ele tem sido um dos principais defensores da mudança de modelo de exploração. E não fala sozinho; tem mais gente no governo defendendo a mesma coisa.

O uso político do petróleo é o modelo mais rápido para que se percam as vantagens de um recurso poluidor, mas ainda indispensável no mundo. Se o que Haroldo Lima e a própria Petrobras estão falando quando defendem o novo modelo é o fim dos leilões, para que as áreas mais promissoras sejam dadas à Petrobras, é preciso lembrar que a Petrobras é controlada pelo Estado, seu acionista majoritário, mas é uma empresa de capital aberto que tem milhões de acionistas no mundo inteiro. Uma mudança de regra que a beneficie tão descaradamente é uma forma de privatização de riqueza. Muita coisa pode mudar, mas se preservando o modelo de leilão com concessão de áreas, o setor aberto, que têm funcionado de forma mais eficiente que nos países onde se manteve o setor fechado ou se usou o combustível para rompantes nacionalistas.

David Zylbersztajn, que foi o primeiro diretor-geral da ANP, acha que muita coisa pode mudar, preservando-se o modelo:

- A taxação pode mudar por decreto presidencial. Digamos que hoje, com os impostos estaduais e municipais, a taxação seja de 50%; ela pode subir em áreas mais promissoras.

Para David, o Brasil está com boas notícias, num golfo de más notícias para países tradicionalmente fornecedores, porque a abertura do setor permitiu a entrada de mais investimento em pesquisa e desenvolvimento.

- A Petrobras é uma das top-5 no mundo em capacidade para exploração em áreas profundas. A competência e a parceria com empresas como BG, Petrogal, Repsol e outras explicam parte do sucesso do Brasil.

Zylbersztajn acrescenta:

- O caso da Pemex é emblemático. Hoje a produção do Golfo do México está em alta, mas o México perde reservas. O Equador é um país da Opep que quebrou; a Venezuela está com baixa capacidade de investimento.

Enquanto isso, o Brasil acumula novas descobertas, como os campos de Tupi, Júpiter, Carioca. Desde os primeiros indícios nesses campos, a comemoração teve um tom político. Esta governamentalização da Petrobras esconde fiascos: o Brasil comemorou eleitoralmente a auto-suficiência do petróleo que não tem até hoje. Em 2007, o déficit em petróleo foi de US$5 bilhões; este ano, serão US$8 bilhões, segundo informou o "Valor". Com todo esse alvoroço, o fato é que a produção não está aumentando. Por fatores conjunturais, como atrasos de plataformas, ela está estagnada.

- A Petrobras tem feito um bom trabalho, mas o que está sendo encontrado no pré-sal não são ainda reservas. É preciso saber quanto daqueles recursos vai virar reservas e, para isso, é preciso saber por quanto e como será possível explorar.

Quanto mais o petróleo sobe, mais se torna viável essa exploração, mas levará tempo até se ter uma posição segura.

A notícia circula: o Brasil tem feito grandes descobertas. A Brazilian-American Chamber of Commerce distribuiu, um dia depois das declarações do diretor da ANP, um convite para uma palestra com o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, em Nova York, em junho, dizendo que "as primeiras informações sugerem que a estatal pode estar com uma descoberta de 33 bilhões de barris em suas mãos". É essa informação que Haroldo Lima disse que viu numa revista. Mas o governo todo tem feito apressadas declarações a respeito das reservas; e por dois motivos: para fortalecer o movimento do "nunca antes" e para fermentar a idéia de uma mudança no modelo de exploração que dê mais vantagens à Petrobras.

David acha que o Brasil está num momento especial. Que pode, com essas descobertas, com o biocombustível e com as outras fontes de energia, ter uma situação singular no mundo:

- Podemos ter, de fato, independência energética.

O petróleo será, no futuro, cada vez mais visado e taxado pelos seus efeitos de emissão dos gases de efeito estufa, mas o Brasil tem também outras fontes. É preciso um bom modelo para lidar com isso. Quando a empresa estatal pensa que é o país, quando os governos tomam como seus os recursos energéticos, o próprio país acaba perdendo. Ou é o caso da Venezuela, que gasta seu petróleo dando gasolina quase de graça a todos, inclusive aos ricos, e não tem como abastecer os supermercados. Ou da Pemex, que anda para trás. Ou do Equador, que quebrou. Ou da Bolívia, que está com gás preso no subsolo. Dificilmente chegaremos à situação da Noruega, que constrói um fundo de riqueza para as futuras gerações, depois de atender às necessidades básicas da população. No entanto, podemos aprender como não fazer olhando bem o exemplo dos vizinhos.

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