Rabat, Marrocos - Transformar a teoria em ação, esse foi o mote principal da abertura da conferência sobre o diálogo intercultural entre as civilizações, que teve sua sessão de abertura ontem aqui em Rabat. A necessidade de colocar em prática o que vem sendo discutido em vários seminários nos últimos anos, para reverter uma situação que está se tornando rapidamente deteriorada em vez de melhorar, foi o sentido das falas da maioria dos oradores na sessão de abertura, que deu início a um dos mais acadêmicos seminários da série. Mohammed Arkoun, professor emérito da história do pensamento islâmico da Sorbonne, dará hoje o tom dessa preocupação, ressaltando que a idéia do "diálogo" se tornou um lugar comum apenas teórico.
O forte sentido teórico do seminário foi complementado pelo secretário-geral da Academia, Candido Mendes, que sublinhou a necessidade de combinar a teoria e a práxis. Para demonstrar que medidas práticas já estão sendo tomadas, ele destacou que dois institutos do mundo árabe estão participando do projeto: o Instituto Três Culturas e Três Religiões, do governo de Marrocos, e o Instituto Real para estudos inter-religiosos de Aman, na Jordânia, que foi representado por seu diretor, o embaixador Hasan Abu Nimah.
O presidente da Fundação Três Culturas, André Azoulay, assessor direto do rei do Marrocos e membro da comissão da ONU para a Aliança das Civilizações, presidido pelo ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, ressaltou a necessidade da ação conjunta para superar as ameaças à aproximação das duas culturas, alimentadas pelo preconceito e pelas dificuldades do mundo moderno.
Azoulay alertou para a necessidade de se desmistificar a idéia de "choque de civilizações", defendida pelo acadêmico americano Samuel Huntington, para ele uma idéia preconceituosa em si mesma.
A secretária de Estado do Ministério das Relações Exteriores do governo marroquino, Taibi Fassi Fihri, aproveitou que o ex-diretor-geral da Unesco e presidente da Academia da Latinidade, Federico Mayor, citou a nova dimensão que a mulher está tendo no mundo, para criticar a falta de mulheres entre os tomadores de decisão nas empresas e nos governos no mundo de maneira geral, e não apenas no mundo árabe.
E lançou a embaixadora Aziza Bennani como candidata do seu país à Secretaria Geral da Unesco, onde ela já presidiu o conselho executivo. "Ela é mulher, marroquina, africana, intelectual e mediterrânea", definiu a secretária, pedindo o apoio de outros países árabes para a indicação. Por um rodízio não oficial, o cargo desta vez é de um representante árabe, e a embaixadora marroquina está disputando com um candidato do Egito.
A presença do intelectual francês Regis Debray, que fala amanhã sobre o "mito do diálogo das civilizações", incentivou a discussão sobre o papel da mídia nesse diálogo. Debray se dedica ao estudo das imagens na comunicação do mundo moderno, e foi citado pela secretária Fihri, que sublinhou a necessidade de os defensores do encontro das civilizações se empenharem por ampliar seus espaços na mídia, para se contraporem às notícias que estimulam o antagonismo.
A preocupação com a mídia, aliás, foi ressaltada na apresentação de Federico Mayor, que fez um relato das principais notícias de jornais de ontem, de diversas partes do mundo, para demonstrar que o mundo passa por um momento de crise generalizada que não favorece a distensão entre Ocidente e Oriente.
Entre as notícias por ele destacadas, estavam as sobre a crise mundial de alimentos, em contraponto com a produção de biocombustível. Para Federico Mayor, somente quando "o povo" for colocado como objeto prioritário das políticas públicas, poderá haver uma solução para a grave crise por que passa o mundo moderno, apesar de todas as tecnologias novas e a capacidade de comunicação cada vez maior.
Esse paradoxo de mais tecnologia, que teoricamente aumenta a comunicação, com a incomunicabilidade das pessoas e os desvios das políticas de seu principal objeto, que deveria ser o cidadão, foi destacado por Federico Mayor como um mal do nosso tempo.
A situação política e econômica na Europa, com uma forte inclinação para governos protecionistas e contra a imigração, foi apontada como uma mudança negativa no cenário mundial, ao mesmo tempo em que o favoritismo de Barack Obama na corrida presidencial americana pode ser o início de uma nova era no diálogo do Ocidente com o Islã.
O ex-presidente de Portugal Mario Soares, um dos mais ácidos críticos do governo Bush, foi dos que saudaram a emergência na política dos Estados Unidos de uma figura inovadora e que representa a superação de preconceitos, como considera ser Barack Obama.
Já Candido Mendes destacou como ponto negativo para o entendimento a emergência de movimentos neofascistas na Europa, como o partido de direita radical da Holanda, que defende a tese do "espaço vital" para os europeus como maneira de evitar a presença de imigrantes e, sobretudo, de barrar a entrada da Turquia na União Européia.
Um bom debate, que demonstra o impasse em que se encontra o movimento internacional para aproximação do Ocidente com o Islã, será o travado entre dois destacados intelectuais franceses, o sociólogo Alain Touraine e o midiólogo Regis Debray. Touraine fará uma análise sobre as condições atuais da marcha para a modernidade, enquanto Debray falará sobre o que considera apenas um mito: o diálogo das civilizações.