Foi pior do que parece o retrocesso da última semana com o veto do presidente Lula ao direito de fiscalizar os sindicatos. Lula, ao defender essa decisão, mostrou que não atualizou seu pensamento para os tempos democráticos em que vivemos, nos quais o critério é o da prestação de contas ao contribuinte, e não a construção de barreiras contra a perseguição autoritária de uma ditadura que não existe mais.
Houve um tempo em que a autonomia sindical era a forma de evitar que o poder ditatorial usasse a fiscalização para cercear a liberdade de representação. Esse tempo foi enterrado graças à luta da sociedade brasileira.
Na democracia, muda tudo: é o tempo da transparência no uso do dinheiro do contribuinte. Por isso é preciso obrigar quem gasta o dinheiro a prestar contas sobre ele. Lula misturou as bolas, confundiu os tempos, e fez um desserviço à democracia e ao avanço da sociedade brasileira.
Ele fez reiteradas declarações mostrando que está convenientemente preso a um passado que não faz mais sentido. “Lutei a vida inteira por liberdade sindical.” Ou “já imaginaram a cada eleição os sindicatos serem alvos de fiscalização?” Essas duas lamentáveis frases do presidente mostram ou a sua falta de compreensão do que se passou no Brasil, ou então o contrário: ele entende demais.
Se ele lutou pela liberdade sindical e ela existe, bola para a frente, para o novo desafio. O desafio agora é a luta contra a corrupção que está minando a democracia.
Neste caso, o ideal é que haja fiscalização para que os sindicatos não sejam usados como caixa dois, para que o dinheiro pago pelo trabalhador não vire mordomias de pelegos. Sim, que haja fiscalização antes, durante e depois das eleições para que eles não se transformem em máquinas eleitorais paralelas, e sejam o que devem ser: representações para defender interesses dos trabalhadores.
Empregar custa caro, e o governo adiou a proposta de desonerar a folha salarial.
Agora o presidente resolveu abraçar a idéia de tornar mais difícil demitir.
Se for aprovada, os empregadores terão mais medo ainda de criar empregos.
A risada escancarada do ministro do Trabalho é o retrato deste tempo em que o pior do sindicalismo comemora o convite ao mau uso do dinheiro do trabalhador.
As centrais terão R$ 100 milhões; ao todo, os sindicatos terão R$ 1,2 bilhão.
Quanto a esse dinheiro, a República não poderá usar os instrumentos de que dispõe para fiscalizar; é dinheiro público dado a alguns poucos sindicalistas, que o usarão a seu bel-prazer.
Os recentemente publicados casos de desvio de verbas por parte de sindicalistas mostra que a nação tem todos os motivos para se sentir intranqüila diante deste indecoroso veto. Os empresários comemoraram igualmente a nova era; o peleguismo patronal também não terá que prestar contas do que faz com o dinheiro do contribuinte.
O ambiente no Planalto, descrito pelos jornalistas, era da apropriação do coletivo por um grupo corporativo.
Felizes, os líderes das várias centrais (aliás, vale lembrar, mais estão sendo criadas nesta farra de centrais que assola o país) e dos sindicatos elogiavam o presidente. O presidente se deixava elogiar sabendo que pode precisar deles, dessa máquina que agora fortalece e financia com o dinheiro do contribuinte.
Animados pelo clima favorável, os sindicalistas pediam ao presidente que transformasse outra contribuição voluntária em novo imposto.
Só para falar de casos recentes, lembre-se que o Ministério Público investiga o dinheiro da Bancoop, cooperativa habitacional dos bancários, para as campanhas eleitorais, e um dos investigados, João Vaccari Neto, é integrante do diretório nacional do PT. O Sindicato dos Comerciários do Rio é controlado há quatro décadas por integrantes da mesma família, não presta contas sobre como gasta suas verbas e reprime com mão-de-ferro os opositores, segundo relato publicado neste jornal pelo repórter Chico Otavio. Seu presidente, Otton da Costa Mata Roma, tem também uma empresa de táxi aéreo.
A tropa de choque dos pelegos — de trabalhadores e de empresários — derrotou a boa proposta do deputado Augusto Carvalho, que acabava com o imposto sindical obrigatório criado por Getúlio Vargas em 1943. A lei sancionada pelo presidente Lula mantém o imposto e ainda cria o repasse de uma parte do dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador para as centrais.
Lula, durante sua vida sindical, era contra esse imposto.
Argumentava, com razão, que ele favorecia os pelegos, profissionais de sindicato, ligados ao governo, e que não defendiam seus representados.
Naquela época, Lula era o novo sindicalismo, o futuro. Esta semana, ele virou o líder do atraso, do velho sindicalismo, aquele que reproduz pelegos que representam apenas seus próprios interesses.
Recentemente O GLOBO publicou uma entrevista exemplar com o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre (CNTTT), Omar José Gomes, ex-motorista pobre, que mudou de vida depois de entrar no sindicalismo.
Hoje ganha R$ 25 mil por mês e fez viagens a vários países levando sua mulher.
Diante das evidências de que o sindicato indevidamente pagou as viagens e mordomias da mulher, ele admitiu: “Se dissesse que saiu do meu bolso, estaria mentindo.” Pelo menos ele admite.
Os outros líderes sindicais hoje não precisam ser sinceros.
O presidente Lula deu a eles o direito de não prestar contas sobre o uso do dinheiro que sai do bolso do trabalhador.
Entrevista:O Estado inteligente
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