Sucinto como os telegramas de antigamente, o currículo oficial do ministro Jorge Hage Sobrinho, divulgado pelos sites governistas, limita-se a informar que o atual comandante da Controladoria-Geral da União nasceu na Bahia há 70 anos, foi juiz de direito, prefeito de Salvador, deputado estadual e deputado federal. Quem pouco sabe de Hage talvez imagine que enfim apareceu alguém que, inibido pela modéstia, prefere não se estender sobre os serviços prestados à pátria. Engano, sabe quem conhece a figura. O tamanho e o teor do texto apenas demonstram que, se assim recomendam as circunstâncias, o verboso baiano é capaz até de ser conciso.
Se incorporasse ao resumo da própria trajetória bemóis e sustenidos alojados em antigas partituras, se contasse cada caso como o caso foi, se iluminasse os curtos registros com detalhes essenciais, o currículo ficaria com cara de prontuário. Foi o manual da esperteza, não a cartilha da objetividade, que lhe sugeriu esquecer que o leal ministro da era Lula foi um aplicado servidor da ditadura militar. O currículo oficial só trata com letras graúdas da fase mais recente da carreira de Hage. As etapas anteriores viraram coisa do século passado.
Uma omissão aqui, um retoque ali e pronto: o pecador que perde o sono quando pensa no Juízo Final vira candidato à canonização. O bisturi do redator da biografia tornou mais vistosa a fantasia de Primeiro Fiscal do Primeiro Governo Popular do Brasil. E removeu o Jorge Hage que não dava maior importância ao que achava a gente comum.
"Foi prefeito de Salvador entre 1975 e 1977", telegrafa o texto. Sem um único voto popular, acrescenta a coluna. Enquanto a ditadura durou, milhões de eleitores foram proibidos de escolher o presidente da República, os governadores e os prefeitos das capitais. Disso cuidavam a onisciência fardada e a pusilanimidade de terno.
No caso de Hage, bastou-lhe a simpatia do governador Roberto Santos, que o indicou para o cargo, e a ausência de antipatias entre os chefes militares. Nos dois anos seguintes, o prefeito pouco fez e quase nada falou, como convinha aos aliados paisanos do regime. Não seria melhor a performance do deputado estadual e do deputado federal.
Hage jazia na vala comum onde se amontoam prefeitos e governadores biônicos que caíram no esquecimento eterno ao perderem a notoriedade efêmera quando foi ressuscitado pelo bom baiano Waldir Pires. Promovido a nº 2 da Controladoria, é o titular desde junho de 2006. Ex-inquilino da Arena, do PDT e do PSDB, está no momento sem partido. Mas em marcha acelerada para o PT, que acaba de presentear com uma frase destinada a figurar na faixa que anuncia uma passeata ou um comício do partido de Lula.
"Isto é a escandalização do nada", caprichou o controlador ao decidir que não havia motivo nenhum para a barulheira da imprensa em torno da gastança com cartões corporativos. A frase pegou feito fogo na floresta. "Isso é a escandalização do nada", repetiu a ministra Dilma Rousseff, aplicando a invenção de Hage ao dossiê montado no Gabinete Civil para prejudicar FHC.
Não existe pecado do lado de baixo do Equador, vem reiterando há cinco anos o tratamento de cúmplice concedido por Lula à bandidagem companheira. Mas faltava a frase que resumisse a grande ópera da safadeza.
Graças a Jorge Hage, agora não falta mais nada.
PajelançaperigosaNão convidem para a mesma pajelança militares em postos de chefia na Amazônia e a companheirada reunida no alto comando do Incra, do Ibama e da Funai. As Forças Armadas e as siglas sempre tiveram divergências sobre a política indígena – se é que merece esse nome um mosaico de peças que não se encaixam. Mas agora já nem falam a mesma língua. Onde os paisanos enxergam "nações", "reservas indígenas" e "povos da floresta", os fardados vêem "tribos" (ou "etnias"), "terras indígenas" (inseparáveis do mapa do país) e ramificações do povo brasileiro, todas atadas para sempre pelos laços da unidade nacional.
Os militares começaram a usar esse dialeto fora dos quartéis.
A coisa é grave, mas tem curaConcentrado na busca de soluções para os problemas que afligem o DEM, partido que preside, o deputado federal Rodrigo Maia ainda não descobriu que o maior deles está literalmente em casa. Alguém precisa avisar ao filho de Cesar Maia que nada é tão urgente quanto escolher a terapia mais adequada para a enfermidade do pai, um tanto incomum entre gente madura. O prefeito abandonou o emprego por ter-se juntado à multidão dos viciados em internet.
A disfunção tem cura. Em São Paulo, a USP, a PUC e o Hospital das Clínicas tratam gratuitamente portadores de pelo menos cinco dos oito sintomas básicos. O primeiro é preocupar-se exageradamente com a internet. O segundo é tentar aumentar o tempo de convívio com a telinha.
Os seis restantes: fracassar invariavelmente nas tentativas de livrar-se do vício, ceder a acessos de irritabilidade ou depressão quando a atividade de internauta sofre restrições, tornar-se emocionalmente instável, prolongar o período reservado formalmente ao terminal, ignorar os efeitos negativos sobre o trabalho e a vida social, ocultar com mentiras o volume de horas dedicadas à internet.
Como Cesar Maia preenche com folga todos os quesitos, vale a pena examinar o modelo chinês, um tanto radical. A terapia consiste, essencialmente, em leves choques elétricos. No caso do prefeito, cada vez que apertasse a tecla enter, sofreria um choque no dedo. Como castigo adicional, ouviria a voz do filho reiterar a advertência: "Vai trabalhar, pai".
Lula é candidato a uma faculdadeO presidente Lula revelou que, nas cinco ocasiões em que resolveu cursar uma faculdade, a mão do destino interditou o caminho. Seguem-se os cinco momentos históricos (e, entre parênteses, ligeiros comentários da coluna):
1. "Na primeira vez, não tive condição". (Financeira, supõe-se. Milhões de brasileiros pobres superaram o problema com uma fórmula singela: vararam madrugadas estudando e entraram numa universidade pública).
2. "No segundo momento, eu estava casado". (O maior presidente de todos os tempos acaba de conceder-se mais dois títulos: os de "Marido mais amantíssimo" e "Pai mais extremoso" do Brasil).
3. "No terceiro momento, eu era dirigente sindical". (O argumento coloca sob suspeição os diplomas orgulhosamente exibidos por companheiros como o advogado Vicentinho da CUT. Podem ter sido falsificados).
4. "No quarto momento, virei presidente do PT". (Poderia ter-se matriculado num curso noturno. No resto do dia, continuaria dando aulas à companheirada).
5. "No quinto momento, não pude fazer faculdade porque virei presidente da República. Quem sabe no sexto momento, quando eu não for mais nada, eu possa conseguir, através da universidade aberta, o meu diploma".
Vai nessa, presidente. Escolha o curso com que sempre sonhou, não acredite no que diz a turma que acha leitura pior que exercício em esteira, providencie professores particulares para todas as disciplinas e evite improvisos nos dias de exame. A temporada em Harvard é para mais tarde.
[ 06/04/2008 ]