Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 06, 2008

Merval Pereira

Dois assuntos entre os que dominaram a semana política trazem de volta o tema da “judicialização” da política, um fenômeno das democracias modernas que tem sido muito debatido entre nós. A formalização legal das centrais sindicais sancionada pelo presidente Lula, ao mesmo tempo em que vetava a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) da aplicação do imposto sindical, levou a vários questionamentos dos partidos de oposição no Supremo Tribunal Federal, até mesmo a compulsoriedade do imposto sindical. Os partidos questionam se, por ser compulsório, o imposto sindical não é um dinheiro público e, por isso, deveria ser fiscalizado pelo TCU, e até mesmo a legalização da existência das centrais através de uma lei, quando, segundo o DEM, só uma emenda constitucional poderia ser utilizada.

Outro tema é o do princípio da moralidade pública como pré-requisito para o registro de candidaturas, mesmo antes que eventuais processos estejam transitados em julgado.

O artigo XIV, parágrafo 9, da Constituição diz que uma lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação,“ a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Cresce entre os juristas a tese de que a Lei Complementar sobre Inelegibilidades, que exige trânsito em julgado de todos os processos para embargar uma candidatura, não corresponde ao espírito da Constituição, e por isso esse debate acaba desaguando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O advogado Rodrigo Lins e Silva, diretor do Instituto dos Advogados do Brasil e especialista em legislação eleitoral, avalia que “se alguém se omitiu, não é culpa do Judiciário”. Ele não acredita inclusive que o Judiciário esteja muito feliz com essa situação, “pois está assoberbado com muitas coisas, inclusive com ações do Legislativo sobre inconstitucionalidade de certas medidas provisórias”.

Para ele, “se o Legislativo fizesse a sua parte, a Justiça não tinha que estar entrando.
Mas não vejo a Justiça se metendo onde não é chamada”. No caso específico, como o Congresso, segundo ele, “não vai nunca regulamentar uma lei contra seus próprios pares, então entra o Judiciário para fazer valer o princípio constitucional acima de uma lei”.

O tema “judicialização” da política é muito caro a estudiosos, como Luiz Werneck Vianna, coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade, do Iuperj que, desde o começo dos anos 1990, se dedica à pesquisa do Poder Judiciário. Ele relata que foi o primeiro trabalho, “Corpo e Alma da Magistratura Brasileira”, que coordenou em parceria com Maria Alice Rezende Carvalho, Manuel Palacios e Marcelo Burgos, que o alertou para a necessidade de estudar as relações entre a política e o Poder Judiciário, quando então, “investigando as ações diretas de inconstitucionalidades (Adins), publicamos ‘A Judicialização da Política e das Relações Sociais’ (Rio, Revan, 1999)”.

No decorrer dos anos, Werneck Vianna tratou do assunto em outras publicações. Ele ressalta que outros estudos levados em consideração por seu grupo de pesquisa são de Marcus Faro de Castro (1993) e de Ariosto Teixeira (1997), “ambos, a rigor, negando as possibilidades de afirmação da judicialização no caso brasileiro por não estarem encontrando aceitação por parte do STF”.

Farlei Martins Riccio de Oliveira, pesquisador e professor de Direito da Universidade Candido Mendes destaca que “o ano de 2007 marcou uma retomada do ativismo voluntarista do Supremo Tribunal Federal de maior proporção e importância, tendo em conta a repercussão na opinião pública das decisões sobre fidelidade partidária, direito de greve no serviço público, direito à aposentadoria especial, entre outras”.

Reflexo dessa repercussão “foram as críticas encetada por alguns cientistas políticos como Wanderley Guilherme dos Santos e Fábio Wanderley Reis, que viram nesse avanço ativista do Supremo Tribunal Federal uma clara afronta ao princípio democrático e à separação de poderes”.

Tema polêmico na ciência política e no direito constitucional, a “judicialização da política” ou “politização da Justiça” são expressões correlatas que indicam os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, e segundo Farlei de Oliveira, as expressões foram inicialmente utilizadas por Carl Schmitt, por ocasião de sua crítica ao controle de constitucionalidade de feição política.

Segundo Débora A. Maciel e Andrei Koerner , a expressão passou a compor o repertorio da ciência social a partir do projeto de C. N. Tale e T. Vallinder, no livro “The Global Expansion of Judicial Power”.

(New York University Press, 1995), em que destacaram algumas condições favoráveis à judicialização da política: ambiente democrático; separação de poderes; existência de direitos políticos formalmente reconhecidos; uso dos tribunais pelos grupos de interesse e pela oposição e inefetividade das instituições majoritárias.

O advogado José Arnaldo Rossi, especialista em legislação trabalhista, considera claro que o imposto sindical “é uma violência ao direito de reunião. Para se reunir livremente e se expressar, você tem que pagar. E não pode se reunir com profissionais de outros meios. Esse sistema confederativo é uma limitação forte ao direito de reunião”.

Para Rossi, “o controle abstrato da constitucionalidade que é feito por esse tipo de tribunal constitucional, que é ao mesmo tempo direito e político”, é o que dá o ritmo do avanço da sociedade. “São esses tribunais que vão dizendo a que ritmo a sociedade aceita mudanças. Não tem revolução, só tem reforma. Quem dita o ritmo da reforma é o tribunal constitucional”.

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