O Globo |
17/4/2008 |
Começa amanhã, em Rabat, capital do Marrocos, mais uma edição dos seminários internacionais promovidos pela Academia da Latinidade, criada em 1999 para discutir a questão do multiculturalismo dentro de um universo já ameaçado pela hegemonia dos Estados Unidos, mesmo antes dos atentados de 11 de setembro de 2001. A academia, cujo secretário-geral é o filósofo brasileiro Candido Mendes, nomeado recentemente pelo governo "embaixador para o diálogo das civilizações", reúne intelectuais, na maioria de países de origem latina, e se propõe a intermediar as relações do Ocidente com o Oriente, tendo como base o fortalecimento da democracia. A reunião de Rabat será marcada por um impasse e uma provocação. Ao mesmo tempo em que Candido Mendes considera que ainda é possível pensar-se no diálogo intercultural entre as civilizações, apesar de ações que tendem a inviabilizá-lo dos dois lados, o intelectual francês Regis Debray fará a abertura do seminário defendendo uma posição bastante crítica. Abordando o que define como "o mito da aliança das civilizações", Debray, hoje um estudioso da comunicação, mais conhecido entre nós como o intelectual que acompanhou Che Guevara em sua tentativa de espalhar a guerrilha pela América Latina e foi preso na Bolívia, afirma que ele é fruto da "má consciência ocidental", que se quer hegemônica. A constatação generalizada de que a situação política está levando cada vez mais a uma "guerra de religiões" ao invés da "aliança das civilizações" domina o seminário, que debaterá as razões para essa inviabilização do diálogo pretendido ao longo destes anos turbulentos da história moderna. Segundo Candido Mendes, "hoje há uma metáfora que inviabiliza esse diálogo, que é o terrorismo do homem-bomba, órfão cego da civilização do medo". Personagem trágico do século XXI, o homem-bomba seria "a demonstração de que se perdeu a identidade interior, condição básica para haver qualquer diálogo". Por outro lado, a própria noção dos direitos humanos começa a ser usada dentro desse paradoxo, para inviabilizar o entendimento entre as civilizações. Candido Mendes cita o exemplo da extrema direita européia, agora no poder na Itália com a Liga Norte, o partido conservador na Holanda, que quer criar a noção do "espaço vital" no pior sentido nazista, e também as charges nos países nórdicos, todas ações que podem chegar "ao máximo da blasfêmia e estimular o conflito das civilizações". Esse "ciclo vicioso dramático" mostra até onde "esses homens querem radicalizar para provar que é impossível um diálogo com o Islã", lamenta o secretário-geral da academia. Um dos subtemas do seminário de Rabat, que leva a discussão para a região do Magreb, o extremo atlântico da questão islâmica será a eliminação do fundamentalismo da identidade nacional para "refundar a identidade coletiva". Uma das maneiras de superar essa situação, que será discutida na reunião, é a adoção dos chamados "projetos de identidades regionais", como a noção regional mediterrânea, que está sendo retomada pelo presidente francês Nicolas Sarkozy, lembra Candido Mendes. Essa "noção regional mediterrânea" seria uma maneira de integrar os muçulmanos no mundo europeu a partir da entrada da Turquia na Comunidade Européia. Outro ponto de destaque da reunião de Rabat será a análise de acadêmicos dos Estados Unidos sobre a disputa presidencial. Para Candido Mendes, "a democracia está dando uma solução, e a noção hegemônica americana está sendo criticada pela sua própria base". Essa posição espontânea do eleitorado americano, que até agora vem se mostrando nas prévias contrário aos radicalismos e crítico da política exterior de Bush, "está pondo na defensiva o lado evangélico, religioso, fundamentalista americano", analisa Candido Mendes. Resta aguardar as conseqüências da mais recente polêmica da campanha, justamente os conceitos críticos emitidos pelo até agora favorito Barack Obama a essa imensa massa do eleitorado das pequenas e médias cidades do Meio-Oeste americano. Às vésperas das primárias da Pensilvânia, que escolhem na próxima terça-feira 188 delegados e poderiam selar sua vitória, Obama atribuiu a uma "amargura" com a decadência econômica da região o apego desse eleitorado às armas, à religião e ao forte isolacionismo, que o faz ser favorável ao protecionismo econômico e contra os imigrantes. Suas análises, feitas em uma reunião fechada em São Francisco, vazaram e estão sendo duramente criticadas como "elitistas" por seus dois adversários, a senadora Hillary Clinton e o candidato republicano John McCain. As pesquisas de opinião já mostram uma clara vantagem de Hillary, que explora esse sentimento de abandono do eleitorado das pequenas cidades. O clima de renovação de conceitos e idéias, que parecia ser predominante no eleitorado americano, pode se converter em uma retomada de posições mais conservadoras, voltando à exacerbação nacionalista que parecia superada com a pregação inovadora de Obama. A retomada de um clima propício ao "diálogo de civilizações" será definida pelo rumo da campanha presidencial, mas é certo que o radicalismo atual não sera repetido. A propósito das colunas sobre os significados do novo ministério do presidente de governo espanhol José Luis Zapatero, recebi do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, comentário sobre a Espanha, que considera "o país mais destacado do Ocidente nos últimos 20 anos". "Fui, no Senado, presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Espanha. E pude acompanhar as transformações do primeiro governo Zapatero. Destaco dois pontos desafiadores do ponto de vista comportamental e de valores: o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do aborto, colocando a rede pública disponível à mulher espanhola. Um governo corajoso e modernizante". |
Entrevista:O Estado inteligente
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