Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 17, 2008

Míriam Leitão - Crise básica


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
17/4/2008

O trigo está 227% mais caro hoje do que estava há pouco mais de dois anos, em janeiro de 2006; a soja, no período, subiu 132%, e o milho, 157%. O arroz dobrou de preço em três meses. Os dados são assim impressionantes, e a armadilha na qual o mundo entrou é difícil de desarmar: parte do problema é causada pela mudança climática; parte da solução pode aprofundar a mudança climática.

Numa nota divulgada ontem, a MB Associados mostrou que deu a louca no arroz: "China e Paquistão impuseram barreira tarifária às exportações. Em Egito, Índia e Paquistão, a exportação está suspensa. Somados à Tailândia, esses países respondem por 75% da exportação mundial." O preço do produto estava, em dezembro, a US$385 a tonelada; no fim de março, chegou a US$730. "A conseqüência para o Brasil é que as exportações de arroz podem aumentar, causando pressão nos preços internos e impactando a inflação." O Brasil não é grande exportador, mas dobrou as vendas neste primeiro trimestre.

Há problemas ocasionais com uma ou outra cultura, como sempre acontece na agricultura. Mas agora há uma soma de problemas, uma conjuntura nada simples e nada temporária.

A terra, exaurida pelo mau uso, pela devastação, responde com eventos extremos e perda de área agriculturável. Foi assim na Austrália, que sofreu secas em série; ou no Canadá, que perdeu parte da safra de trigo em 2007; ou na China, que enfrenta chuva ácida e desertificação. Isso reduziu a produção e baixou os estoques exatamente quando vários países de grandes populações pobres passaram por um boom de crescimento, com elevação da renda. Para mitigar o efeito da mudança climática, aumentou-se a pressão sobre a mesma terra exaurida, com a produção dos biocombustíveis. Se, no Brasil, a cana-de-açúcar ocupa uma parte pequena da área plantada, nos Estados Unidos, o etanol de milho compete diretamente com a alimentação. Aliás duplamente: o milho esmagado para produzir energia poderia ter ido para ração animal e alimento para as pessoas.

É o círculo vicioso que começou até com uma boa notícia: o maior número de pessoas à mesa na China, Índia, África e América Latina. O problema foi ocorrer exatamente quando erros acumulados do passado estão levando à mudança do clima.

O Brasil tem condições de ser parte da solução do problema. O economista José Carlos Vannini, da MB Associados, diz que o país ocupa apenas 45 milhões de hectares para produzir seus 140 milhões de toneladas de grãos. Outros 200 milhões estão dedicados à pastagem, mas parte poderia ser usada de forma mais produtiva.

Ainda assim, restam ao Brasil 90 milhões de hectares de terra para plantar; sem tocar na Amazônia.

Mesmo que não seja tanto assim, pois não se pensa em devastar o cerrado ou outros biomas para aumentar a área plantada, basta recuperar a terra não utilizada atualmente. Isso poderia elevar muito a produção brasileira.

- O Brasil já é o maior exportador de soja, milho, açúcar, laranja, café, carne de frango e carne bovina - comenta Vannini.

O erro maior, que catapultou alguns dos preços, foi a opção americana pelo milho. Ele é improdutivo, subsidiado, e compete diretamente com os alimentos. E com o subsídio, acaba tendo seus preços elevados.

Isso afeta também o preço da soja, concorrente do milho na ração animal.

- O preço das commodities agrícolas não subiu tanto quanto o das não agrícolas. A alta é de todos os produtos básicos, só que a alimentação tem um peso maior no índice - diz o economista Fábio Silveira, da RC Consultores.

Alguns dos problemas não vão mudar a curto prazo:

- A demanda na China e na Índia não vai desaparecer, mas, este ano, a safra da soja dos Estados Unidos já vai ser bem melhor, milho ainda deve continuar em alta. A próxima safra brasileira também será muito boa, sobretudo na soja e no milho - diz Fábio.

Isso reduz, em parte, o problema. Os eventos climáticos continuarão acontecendo, os estoques de alimentos permanecem muito baixos, e a escolha errada da matéria-prima para o etanol americano será mantida; com base em subsídios crescentes, cujos custos estão dobrando entre 2006 e 2010.

Uma das preocupações do Copom, que ontem decidiu por uma alta de 0,5 ponto percentual nos juros, tem sido a inflação de alimentos. Ela vem atormentando índices de preço por toda parte. Porém difícil imaginar que uma Selic mais alta seja capaz de conter esse tipo de pressão, que tem traços estruturais.

Por alimentos, ou outros motivos, a inflação está em alta no mundo. Aleatoriamente, seguem alguns países, na comparação feita pela revista "Economist": na África do Sul, há um ano, ela estava em 5,7% e agora está em 9,8%; no Chile, saiu de 2,6% e agora está em 8,5%. Em Hong Kong era 0,6% e agora, 6,3%. Na Rússia, era de 7,6% e está em 12,7%. Saiu de 1,6% para 3,2% na Área do Euro. Na China, foi de 2,7% para 8,7%. Na Venezuela continua alta: era 20% e agora é 25%. Nos Estados Unidos, foi de 2,4% e está em 4%. No Brasil, estava em 3% e agora em 4,7%. A onda é mundial, a pressão nos preços agrícolas não é um problema trivial. O petróleo em disparada também não ajuda. O mundo tem que saber como lidar com o problema não aumentando a pressão sobre a terra, mas protegendo-a, ao mesmo tempo em que tenta tirar dela maiores colheitas.

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