A moralidade
Merval Pereira
As eleições municipais que se aproximam podem representar uma nova era na política nacional, com os diversos indícios de que o princípio da moralidade que deve reger o serviço público, previsto na Constituição, prevalecerá já este ano para o registro das candidaturas, em detrimento da exigência do “trânsito em julgado” dos processos, prevista na lei complementar das inelegibilidades. O indício mais veemente é a decisão, saída de um encontro em Natal do colégio de presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país, de fazer prevalecer a interpretação de que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais.
Essa interpretação foi vencida por um voto no Tribunal Superior Eleitoral nas eleições de 2006, quando a candidatura de Eurico Miranda foi impugnada pelo TRE do Rio de Janeiro, juntamente com outras. Quando o recurso foi julgado no TSE, três juízes apoiaram a decisão do Rio, e quatro votaram contra. Entre os três favoráveis apenas um era ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto.
Esse mesmo ministro ao final de abril se tornará presidente do TSE e presidirá as eleições municipais, tendo o tribunal uma composição bastante diferente da anterior, tendo como um de seus novos membros o ministro do Supremo Joaquim Barbosa.
O que vem a ser outro indício forte de que nas eleições municipais deste ano o uso do princípio da moralidade, ou seja a análise da vida pregressa do candidato, terá força nas decisões dos tribunais eleitorais.
Ayres Britto assume a presidência quando nem sequer se iniciaram os registros de candidaturas, que é exatamente quando se dá a análise do artigo XIV parágrafo 9 da Constituição.
As convenções podem se realizar até junho, e no segundo semestre começarão os registros das candidaturas.
Por ser eleição municipal, esse registros são feitos perante os juízes eleitorais de primeiro grau em cada município do país. Se houver o deferimento da candidatura de alguém com ficha suja, o Ministério Público pode recorrer ao TRE, e quem perder pode recorrer ao TSE.
Quando foi do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, o desembargador Marcos Faver indeferiu inúmeras candidaturas com base em acusações de corrupção e antecedentes criminais sem trânsito em julgado, mas nunca teve sucesso. O desembargador Roberto Wider, quando assumiu a presidência do TRE pouco antes das eleições de 2006, assumiu também essa bandeira da moralidade.
O Rio, pioneiro no uso desse princípio nas eleições anteriores, é também o primeiro estado brasileiro a ter um seminário sobre as atualidades do direito eleitoral, realizado ontem, para ensinar aos magistrados e promotores ainda inexperientes a aplicar as leis eleitorais de maneira correta nas comarcas em que estão em exercício.
O advogado Rodrigo Lins e Silva Candido de Oliveira, ex-juiz do TRE-RJ, que esteve presente nas impugnações de 2006, e foi o coordenador do seminário, lembra “a beleza” do voto de Ayres Britto no TSE naquela ocasião, quando defendeu a tese de que os direitos políticos não são exercidos em benefício próprio, têm que ser exercidos em benefício da coletividade.
Para Rodrigo Lins e Silva, a melhor interpretação é a de que, no embate entre os princípios constitucionais de presunção da inocência e garantia da moralidade nas eleições, prevalece o interesse coletivo sobre o individual, conforme definição de Ayres Britto.
Em 2006, o procurador eleitoral do Rio, Rogério Nascimento, pediu a impugnação de candidaturas de deputados envolvidos nos escândalos dos sanguessugas, com base em conceitos como “probidade” e “moralidade”, exigidos pela Constituição para a representação política.
O procurador baseou seu parecer na interpretação de que a lei complementar sobre inelegibilidades, que exige trânsito em julgado de todos os processos para embargar uma candidatura e é sempre utilizada na contestação das impugnações, não corresponde ao espírito da Constituição, que “exige garantia da probidade e da moralidade no exame das condições para representação política, e como medida de legitimidade das eleições”.
Nesse debate sobre a possibilidade de impedir uma candidatura sem que os recursos legais previstos tenham sido esgotados, a classe jurídica está cada vez mais inclinada a atender ao clamor público contra a impunidade, e a interpretar de maneira mais flexível as normas constitucionais.
A tese não prevaleceu em 2006, mas, agora, os tribunais, repensando a questão, tendo em vista que o julgamento do TSE não foi unânime, evoluíram no entendimento de que uma coisa é a esfera penal, e outra é a eleitoral.
Ao ter negado o registro das candidaturas para fazer prevalecer o princípio do coletivo, o vetado não está sendo condenado criminalmente, seu processo continuará a correr normalmente.
A Justiça Eleitoral está analisando apenas o princípio constitucional da moralidade, lembra o advogado Rodrigo Lins e Silva.
“Se um cidadão qualquer não pode entrar num concurso para a Câmara ou o Senado se tiver a ficha suja, como é que um senador pode, ou um deputado pode?”, pergunta ele, para ressaltar: “Você exige mais do motorista, do ascensorista, do carimbador de papel, do que do legislador ?”.
Citando o civilista francês Georges Ripert, o advogado Rodrigo Lins e Silva lembra que é preciso tomar muito cuidado porque “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”.
Entrevista:O Estado inteligente
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