O Globo |
2/4/2008 |
Se acreditarmos nas versões oficiais, este é um governo que não tem rumo, no qual cada um faz e fala o que quer, os vazamentos de informações sigilosas ocorrem sem que se possa controlá-los, "pessoas maldosas" ou "aloprados" montam dossiês contra adversários do governo sem que ninguém tenha mandado ou tenha idéia do que se passa nos intestinos do poder. Quadrilhas são montadas à sombra do Palácio do Planalto, segundo acusação acolhida pelo Supremo, o presidente se diz "traído", e nunca ninguém sabe de nada. Mas este parece ser um método de fazer política. Pegue-se o caso do eventual terceiro mandato do presidente Lula, tese que volta e meia ressurge nos meios políticos apesar de ele próprio já tê-la descartada inúmeras vezes, algumas até enfaticamente. Será simples coincidência que, paralelamente à maratona de inaugurações de fitas e lançamentos de pedras fundamentais de futuras obras do Plano de Aceleração do Crescimento, o já famoso PAC, o vice-presidente da República, José Alencar, venha a público defender mais um mandato para o presidente Lula? Dizendo-se "um democrata", Alencar garantiu que Lula deseja fazer seu sucessor, mas diante do fato de que "tem feito muito, mas falta muito por fazer", o vice-presidente diz que, "se perguntar, o que os brasileiros desejam é que o Lula fique mais tempo no poder. Porque está bem o Lula, vai bem o Lula. Raramente encontramos um cidadão como ele para dirigir o país". Também o deputado Devanir Ribeiro, um petista ligado ao movimento sindical e companheiro de Lula de longa data, tem uma proposta de emenda constitucional que permite ao presidente convocar plebiscitos "sobre temas de interesse nacional", entre os quais uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Onde o tema terceiro mandato poderia entrar, admite ele. Garante que nunca conversou com Lula sobre o assunto "porque ele vai dizer que não quer. Mas quem tem que querer é o povo". Outro aliado, o deputado federal Carlos William, andava pelo Congresso com uma proposta de emenda constitucional que permitia a possibilidade de reeleição para os atuais detentores de mandato. O movimento para acabar com o instituto da reeleição, aumentando o mandato presidencial para cinco anos, também voltou à pauta política, e com ele as variações de praxe: prorrogação de um ano para os atuais detentores de mandato - presidente, governadores e prefeitos - ou a tese de que, com a mudança, nova era política começa, o que permitiria aos atuais detentores de mandatos executivos concorrerem dentro das novas regras. Há quem veja em tamanho empenho do presidente Lula nas eleições municipais indício de que será tentada a aprovação ainda agora de um plebiscito sobre o terceiro mandato, para ser votado junto com as eleições de outubro, bastando para tanto que algum representante da base apresente um decreto legislativo nesse sentido. Depois dos recentes arroubos oratórios em que até mesmo comparou o Bolsa Família à multiplicação dos pães, atribuindo-se indiretamente o papel de Cristo que, segundo sua interpretação, "deu dinheiro nas mãos das pessoas necessitadas", é possível esperar-se tudo de Lula, que parece deslumbrado pela própria popularidade. O candidato a prefeito do Rio pelo PSOL, Chico Alencar, diz que o lulismo "é retumbante, mas elide um mal-estar com a corrupção, com as espertezas políticas, com a degeneração ética dos grandes partidos, com a insuficiência de políticas públicas de saúde, segurança, habitação, transportes, educação". Para ele, é paradoxal que o povo que aprova Lula "não aplaude com entusiasmo nem seu partido (considerado cada vez mais igual aos outros) nem a situação atual desses serviços públicos. Elogia o ex-líder sindical e dirigente partidário, mas não quer se sindicalizar, lutar, militar politicamente". Chico Alencar chama a situação atual de "satisfação-insatisfeita", o "tá ruim mas tá bom" do Zeca Pagodinho. E comenta que, "mais do que nunca, Lima Barreto está atual quando dizia que o Brasil não tem povo, tem público". Se as coisas parassem na retórica, não teriam tanta relevância, argumenta o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira. Mas "a inclinação à arrogância com a contemplação prazeirosa dos próprios umbigos tolhe a capacidade de perceber a dimensão dos ingentes desafios à nossa frente, não só para proteger-nos em momentos de conjunturas desfavoráveis, senão também para aproveitar oportunidades que as novas realidades nos oferecem". Para Marcílio, a retórica de Lula passou a revelar "arrogância desabrida", que não pode deixar de nos remeter à noção dos filósofos gregos "que recomendavam moderação aos governantes como o melhor meio de evitar uma degradação dos costumes, normas e atitudes políticas". Marcílio lembra que eles consideravam que "o excesso, a "hybris", poderia corroer sem que o processo fosse detectado a tempo, de dentro para fora, regimes políticos". "Polibio, o grande historiador grego da ascensão imperial de Roma comparava a "hybris" à ferrugem que corrói o ferro, ou ao cupim que destrói por dentro a madeira". Maquiavel também se refere à corrupção dos regimes políticos como processo sorrateiro difícil de reverter, uma vez instaurado. Sempre que uma pesquisa de opinião mostrar sua popularidade em alta, Lula precisaria de um assessor que o lembrasse, como faziam aos imperadores romanos, de que é humano. |
Entrevista:O Estado inteligente
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